sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

P174: AVENTURAS DE UMA NOTA DE 10 EUROS – 5

Nota prévia:  Para ver o “folhetim” da “coitadinha” da nota basta ir a estes links:

Como talvez ainda estejam lembrados, no decorrer do encontro em Monte Real calhou-me em sorte ir parar às mãos do editor da “Karas”, o tal Miguel; e sobrevivi à cena do pagamento do almoço, onde acabei por não estar envolvida. Mas outros riscos me espreitavam já na viagem de regresso do meu novo dono a Lisboa. Acontece que ele resolveu parar no caminho – para meter gasolina - naquilo a que chamou uma área de serviço. Não tive problemas na altura, pois para pagar o abastecimento o meu novo dono usou um cartão da gasolineira, não mexendo no dinheiro. Mas, tendo tomado um cafezinho - ele e a mulher – para pagar a despesa o Miguel pegou no grupo de notas que tinha no bolso… e separou-me das outras. Com esta transferência de dono que se adivinhava, já estava a ver-me a cirandar futuramente para cima e para baixo na auto-estrada, nas mãos de um e de outro… Mas, depois de ver o valor baixo da conta, ele resolveu sacrificar uma vizinha minha de 5 euros e recolheu-me novamente no bolso. Uff!
Finalmente chegámos à casa dele sem mais incidentes de percurso. Estou a ver que tenho uma certa propensão para passar uns tempos num recipiente qualquer, pois mal chegámos fui despejada, juntamente com as notas minhas colegas, as chaves do carro e da casa, numa caneca que ele tem na sala e pela qual parece nutrir especial simpatia. Embora apertada, verifiquei que tinha uma boa visibilidade à volta pois, estando localizada junto à “área de trabalho” do meu dono, podia observar com razoável nitidez a televisão, o computador e a janela da rua. 
Essa disposição daquele espaço resultava do convencimento do meu dono que com a sua experiência de piloto de jactos conseguia fazer até três ou quatro coisas ao mesmo tempo… Pelo que percebi, seriam trabalhar no computador, dar uma vista de olhos ao programa de televisão, ouvir uma musiquinha nos auscultadores e ainda mandar uns palpites à mulher, enquanto fazia isso tudo… Percebi mais tarde que além destas ainda conseguia desenvolver em simultâneo outras actividades, como dar colo ao gato da casa e apertar com os amigos através dos cartoons que fazia e despachava para uma coisa chamada blogue. Este blogue, como já tinha aprendido na minha estadia em Buarcos, é um local de encontro na Internet que reúne o pessoal que convive periodicamente em Monte Real e mais uns tantos que, não podendo ali deslocar-se, mantêm mesmo assim um bom relacionamento entre si, embora de forma mais distante.
Já percebi que a mulher do Miguel – a Giselda – está bastante à vontade nas reuniões do grupo, conforme pude já assistir em Monte Real. Pelos vistos também é uma tabanqueira, o que significa que também andou naquelas andanças de outros tempos em terras da Guiné. Já vi também que tem uma grande paciência para aturar o marido, talvez em consideração pelas memórias comuns que partilham desse tempo…
Finalmente tive oportunidade de ver o meu dono a produzir trabalho para o blogue, trabalho esse disperso em várias áreas – a revista mensal (a tal “Karas”) com fofocas dos convívios, textos pseudo humorísticos uns, mais a sério outros; e os famigerados cartoons, para os quais dispõe de um acervo razoável de fotografias tiradas durante os encontros, para além de outro material com piada (na sua perspectiva…) recolhido na Net.
A minha vida tem decorrido com alguma calma, embora veja de vez em quando que o Miguel vai retirar da caneca as chaves e algumas das notas que vai seleccionando. A verdade é que eu tenho sobrevivido a todas essas movimentações e cada vez me convenço mais que o tipo deve ter mesmo alguma coisa contra as notas de 10 euros, ou contra mim em particular…
Finalmente chega o dia em que o Miguel me retira da caneca e me leva para a rua, guardada num bolso juntamente com o restante dinheiro.
Parece ter finalmente chegado o momento da separação! Estamos num café e vejo-me repentinamente sacada do bolso do Miguel para pagar a despesa feita. Começa um diálogo com o empregado e compreendo que este argumenta que não tem troco para mim. Contrariado, o meu dono devolve-me ao bolso retirando de lá uma nota de 5 euros que entrega relutantemente ao funcionário. É já a segunda vez que fui salva pelo gong! (ouvi esta expressão num transmissão desportiva na TV e acho que se aplica bem neste caso…).
Estávamos então num centro comercial e dirigimo-nos agora para a saída. Chegamos perto do sítio em que o carro está parado e o Miguel dirige-se a uma máquina próxima. Pela conversa parece que vai pagar o estacionamento do carro… e lá me tira do bolso! Sem sequer se despedir enfia-me numa ranhura da máquina e eu saio disparada pelas suas goelas abaixo… e sou expulsa por uma porta de saída em baixo! Nova tentativa… e a máquina cospe-me outra vez…
O meu dono recolhe-me finalmente enquanto resmunga pelo facto de eu ter sido rejeitada. Afinal isso é o que mais me tem sucedido! Fora algum tempo de acalmia, tenho sido passada de mão em mão sem me ser pedida a minha opinião…
Por fim ele lá resolveu o problema do pagamento com outra nota e eu recolhi ao bolso das calças; mas confesso que não me agradaram muito os comentários que ele fez acerca de mim. Como se eu tivesse alguma culpa do sucedido!
Enfim, de volta a casa lá me coloca novamente na caneca e eu espero dispor agora de um tempinho para conseguir recuperar do stress que toda esta agitação me provocou.

Hoje acordei estremunhada, e fiquei bastante preocupada porque vi o meu dono escrever no computador uma carta dirigida a um amigo seu que mora na Grécia e a parte final do texto não me tranquilizou pois referia: “segue esta nota de 10 euros para te pagar aquela despesa que fizeste quando estiveste cá em Portugal”. Duvido que esse seja o verdadeiro motivo. Estou desconfiada que ele quer ver-me bem longa da vista dele… A carta foi impressa e metida num envelope e, como eu já desconfiava, o Miguel pegou em mim e meteu-me também lá dentro. O meu percurso está traçado – não há dúvida que estou a caminho da Grécia; e pelo que tenho visto na televisão não me agrada nada a agitação que por lá anda e a língua esquisita que usam. Vou ver-me grega para os perceber!... Se não estivesse tão preocupada até me ria com este trocadilho! A última esperança que tenho é que por um bambúrrio de sorte eu vá cair nas mãos daquele treinador português que por lá anda, o Fernando Santos, e que ele venha cá de férias e me traga!

Ploff!! Desperta-me o som da entrada do meu dono na sala. Vejo que continuo recolhida na caneca na companhia de outras notas – afinal não tinha passado tudo de um pesadelo! Penso que esta possível má vontade do meu dono para comigo me está a pôr os nervos em franja, mas a verdade é que não consigo ter a certeza desse seu comportamento pouco amistoso… E afinal eu também não tenho ajudado muito!
O Miguel começa a trabalhar no computador; pelo que me apercebo está a preparar um novo número da “Karas”. Simultaneamente segue o noticiário que a televisão vai transmitindo – parece que o Euro não anda lá grande coisa e até o ouço a resmungar que se não nos pomos a pau daqui a pouco ainda vamos voltar ao escudo... Claro que não percebo nada de finanças mas já sei que o tal “escudo” foi a moeda que as pessoas utilizavam antes do aparecimento do Euro. Estas conversas deixam-me apreensiva – se o Euro desaparecer, o que é que me vai suceder? Para além de deixar de andar de mão em mão, provavelmente nós as notas, até vamos ser destruídas… e já estou a imaginar-me a arder no topo de uma pilha de notas!
Parece-me que o meu dono está a tornar-se mais compreensivo para comigo. Até murmura qualquer coisa sobre o facto de eu ser uma sobrevivente e resistir à mudança – pelo menos à saída desta casa… Por esse motivo inicia uma conversa com a mulher, em que põe a hipótese de emoldurar algumas das notas de Euro. Bom, pelo menos as de valor mais baixo, que ele pode ter bom coração mas não é parvo… e além disso nem gosta das notas de maior valor – não lhe servem para nada (e pelo que percebi também não conseguiria juntar muitas… EhEh!). Afinal é uma opinião que eu partilho – então as notas de 500 euros são umas toleironas com a mania das grandezas e nem sequer falam connosco, as mais pobrezinhas…

Já está! O meu dono finalmente arranjou um quadro em que me colocou, a mim e à minha família mais chegada – a nota de 5€, a de 20€ e a de 50€. Fazemos um belo quarteto – eu em baixo, com a nota de 5€ (percebe-se – somos as de valor mais baixo), em cima as minhas irmãs mais crescidas, de 20€ e 50€. Vou estar limitada no meu convívio com as pessoas e muito certamente não voltarei a estar junto do grupo da Monte Real e da D.Preciosa.
Mas tenho companhia certa à minha volta, do local em que me encontro continuo a acompanhar no computador o que se vai passando com o pessoal da Tabanca do Centro, pelo qual tenho grande apreço; e pela TV sempre vou vendo o que se passa por essa Europa fora no que diz respeito à “moeda única”.
Estou minimamente confiante no futuro. Se o Euro falhar continuarei protegida lá no quadro onde o Miguel me colocou; se o Euro se aguentar até pode suceder que o meu dono nos substitua no quadro por notas dos velhos “Escudos” e nos ponha novamente em circulação. Calculo que nesse caso mais tarde ou mais cedo sairei de casa do Miguel e muito naturalmente cortarei o elo que durante vários meses me ligou a este grupo espectacular. E nesse caso, embora afastada deste pessoal por quem ganhei um carinho especial – uma separação que me vai custar - irei viver a minha vida noutros ambientes, terei algumas decepções, outras vezes alegrias, mas vivendo novas experiências e absorvendo novos ensinamentos, enriquecendo-me continuadamente – mesmo que o meu valor facial não se altere: continuarei sempre a ser a nota de 10 € que em Monte Real teve o seu primeiro contacto com o mundo.
MP

6 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Pois, pois, mas a caneca tem para lá umas notas de 20€!!!

As de 500€ estão debaixo da cama, não é Miguel?

Emolduradas???

Com a crise que para aí está não devem lá ficar muito tempo!!!

Grande abraço pela imaginação.

Anónimo disse...

Parabens ao Romancista.
Li de fio a pavio e acabei a dizer para mim próprio que este escritor passa mais tempo ao computador que eu.O que disse pra minha mulher que...nem me respondeu.
Muito bem escrito e na conta.Não está grande nem pequeno.Nota 10.
Um abraço de Alcobaça,
JERO

Anónimo disse...

Obrigado pelo texto apurado e escorreito, onde mostras a realidade do que se passa na nossa Tabanca do Centro, se colocado aos outros episódios da "nossa" nota de dez.
Discordamos, bombardeamos, gozamos mas tudo dentro dos limites que nunca ultrapassam a brincadeira,sempre aceite por todos, apenas e só porque somos CAMARIGOS, afastando discussões pseudo intelectais, mas , não se iludam os mais apressados, aqui também há sumo que se distribui por todos, aqui não reina a amorfia.
Mas no melhor pano cai a nódoa, e não gostei daquela gata gorda e anafada, ao colinho do seu dono,como se de uma rainha se tratasse!
O artigo deveria mostrar D. Giselda Pessoa envegando a sua camisola com a nossa Águia Vtória. O Miguel corrigirá brevemente.
Um abraço para todos,

Vasco Augusto Rodrigues da Gama

Anónimo disse...

Ex.mos Senhores
Perdoem-me a afoiteza de vir aqui ocupar este vosso espaço, mas devo dizer que fiquei bastante incomodado com as palavras que o Sr. Vasco da Gama indirectamente me dirigiu, ao apelidar-me de “gata gorda”. Incomodado, primeiro porque não sou gata, mas sim um gato que teve a desdita de ser castrado (a bem do sossego da casa) mas que nem por isso deixa de ser muito macho – dentro das minhas limitadas capacidades; segundo, porque não sou gordo – a foto publicada no blogue não me favorece pois apanhou-me todo enroscado no colo do meu dono, o que deu uma sensação errada de um volume que não tenho. Além disso, o meu pelo comprido na zona da barriga induz as pessoas em erro, levando-as a pensar que sou pançudo…
Quanto a preferir ver a minha dona com a águia do glorioso, deve V-Exª ter-se esquecido que já recebeu uma foto minha em que estou ao colo da minha dona com o cachecol do seu Glorioso à volta das minhas “banhas”, como V.Exª insidiosamente sugere. Não é que futebol me interesse muito , ainda menos o do seu clube – eu até sou do Sesimbrense, que é da zona onde nasci e passei os primeiros meses da minha vida.
E, exposto este meu desabafo, despeço-me de todos.
Passe bem, Sr. Vasco da Gama
Miau!
Spock

Anónimo disse...

Meu estimado e querido felino
sr. dr. Spock

Cabia-me a obrigação de ser mais atento, meu caro dr. Spock, mas a anestesia tolda-me ainda a visão e o raciocínio que nunca foram grande coisa. Procuro no entanto cultivar-me com textos de muito interesse que vão semeando cultura vasta! Só não vislumbro, distinto Spock, a razão pela qual aparecem uns comentários sempre iguais e com os autores dos mesmos à batatada!
Aqui, neste local, meu camarigo dr.Spock, a elevação é outra e se venho aqui a terreiro não é para lhe continuar a chamar de bichana ou bichona, mas antes pedir-lhe desculpa pela confusão que a minha velha e cansada vista provocou e não fora Vª Exª um verdadeiro democrata, estaria instalada a confusão!
È gato, grita a direita;
é gata vocifera a esquerda;
não possui ornamentos, mas tem sentimentos, dizem os amigos!
Realmente de que serve andar com chocalhos ao dependuralho que ocupam espaço sem que qualquer proveito se lhes vislumbre?….
Espero, muito em breve, que me chegue às mãos fotografia sua e se possível emoldurado com a gloriosa bandeira..
Quantos à exuberância dos pêlos não se incomode camarigo Spock, pois esses orgãos filiformes de origem epidérmica que revestem a superfície do corpo são apanágio, atributo, privilégio de grandes homens como o nosso Amado Chefe ou o Jerinho d’Alcbaça.
Camarigo Spock, apenas um conselho: Não venhas para estas bandas, nem mesmo com a bandeira do Glorioso, pois na vizinha freguesia de QUIAIOS, os sacanas fazem do gato o seu prato preferido e não perdem tempo a olhar para o sexo! Ali, marcha tudo desde que mie!
Um miau grande para ti e para os teus donos que eu cá me vou aguentando e já não atiro um cavaco de lenha, vai para duas semanas, a nenhum gato que me estraga os canteiros. Quando me encontrar melhor, lá vai bombarda e se não resultar bombardearei a orla do meu castelo, ou comprarei um cão feroz que soltarei quando necessário.

Um camarigo abraço Spock amigo

Vasco da Gama

Anónimo disse...

Amigos camarigos da Tabanca do Centro. Acabo de ler mais um episódio do romance " As aventuras e desventuras da célebre nota de 10
euros", que um grande romancista (caído de um Céu)lá para as bandas de uma terra muito quente,que não esquecemos, porque nos une no mesmo espírito de amizade,nos vem em episódios prendendo a atenção de tão simpática personagem. Começo a ficar preocupada com o seu fim. Será que vai definitivamente ficar emoldurada a olhar para todos aqueles imagens que ela diz ver desse local? Penso que estava muito melhor naquela linda caneca,do tal piloto.Para a Grécia é que não, pois podem pedir-nos as poucas que por cá existem, porque as maiores devem ter ido passear para outros parísos.
Amigos fico tão bem disposta só de ler os vossos trocadilhos e nada de porem a minha amiga Giselda de Águia ao peito. Um abraço para todos e para o patrão da "Revista Karas". Mª Aminda