segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

P1280: AINDA A PROPÓSITO DO CARNAVAL...

           CENAS DE UM CARNAVAL EM BISSAU EM 1970

Estávamos em 1970, o Carnaval estava à porta e, apesar da guerra, em Bissau sempre havia algumas comemorações desse período que antecedia, e ainda antecede, a Quaresma.

Em Bissau tudo era diferente e tinha sabor a saudades da santa terrinha, mas havia sempre foliões, dentro dos condicionalismos que se viviam.

No QG - mais propriamente na CCS - havia um jovem sempre bem disposto, sempre com uma graça na ponta da língua, mas que afinal de contas teria as suas razões para não se sentir assim tão bem. Constava que teria vindo de Angola, “premiado” com algum castigo, e andaria por ali à espera que os eventuais problemas tivessem solução. Era o Jóia, como era conhecido em todo o lado.

Assim, o Jóia, que era mesmo uma Jóia no trato do dia-a-dia, nesse domingo de Carnaval resolveu vestir-se à Fula, embrulhou-se nuns lençóis e lá foi até à cidade brincar e confraternizar com os amigos que tinha - e eram muitos.

Mas o Jóia, amigo do seu amigo, nunca desperdiçava uma cerveja, de preferência das bazoocas, e lá foi correndo todos os pontos de interesse de Bissau, a começar pelo Santos, logo à saída da porta de armas de Santa Luzia, desde o Império, passando pelo Benfica, desde a Solmar até ao Solar do Dez, ao Portugal e ao Internacional, ao Zé da Amura, ao Bento até que chegou ao novel Pelicano, cheio que nem um ovo, dada a novidade daquele novo estabelecimento de dois pisos e com belas vistas sobre a Avenida Marginal e Ponte Cais de Bissau.

Porém, nessa confusão de gente o Jóia terá dado um encosto a um camarada à civil, que não gostou da brincadeira e o terá mimoseado com alguns murros. O Jóia, naquela circunstância, não deixou cair a sua honra de combatente pelo que desatou, rapidamente, parte dos lençóis respondendo com as suas mãos à dita pessoa à civil, que terá ficado estendido no chão do café.

Entretanto o Jóia terá dado mais umas voltas pela cidade mas regressou ao Quartel-General, onde já tinha recado para no outro dia se apresentar ao Comandante. Era a vida…

E o Jóia lá foi no outro dia ouvir o Comandante, que lhe terá perguntado se sabia quem era a pessoa a quem tinha dado uma sova no dia anterior. Claro que o Jóia não sabia, ao que o Comandante lhe disse que o outro camarada era um Alferes paraquedista. Então aí o Jóia não se calou e terá respondido ao Comandante: “Não me diga, meu Comandante. Se aquele era um Alferes paraquedista, eu vou lá acima e derreto o Batalhão todo!”.

O Comandante já teria falado com o médico da Companhia e o Jóia foi encaminhado para a Psiquiatria do HM 241. Chegou lá, e a primeira coisa que terá feito foi dar um murro no tampo de vido da secretária do Médico, vidro esse que se partiu em mil bocados.

Resumindo, passados poucos dias, o Jóia tinha regressado à Metrópole e corria por lá a notícia que os processos tinham sido arquivados e o Jóia teria passado à vida civil ainda durante a Quaresma.

Apesar de tudo, nesse ano o Carnaval foi a salvação do Jóia que andava por ali esquecido.

Carlos Pinheiro

 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

P1279: VISCONDE ANTÓNIO SOTO MAIOR

A história por aqui desconhecida do nosso embaixador Soto Maior no Reino da Suécia.

Existem referidos milhares de detalhes deste interessante português, por ali mais conhecidos que na terra pátria. O que é sintomático... como sempre!

Curioso o facto de ele ter sido considerado “inconveniente” em Portugal, o que levou a que o colocassem como embaixador na felizmente tão distante Suécia.

UM PORTUGUÊS NO REINO DA SUÉCIA

Trata-se do Sr. Visconde António da Cunha Soto Maior, nascido em 1812,tendo falecido em 1894 em Estocolmo. O seu túmulo encontra-se em local de destaque do cemitério católico de Estocolmo.

Filho de um diplomata português da família Soto Maior no Brasil, foi primeiro militar e posteriormente político membro da Câmara do Reino.

Tanto pelo temperamento como pelo espírito boémio tornou-se menos “conveniente” tanto para a família como para a alta sociedade portuguesa. Falou-se em aventuras amorosas com senhoras casadas pertencentes a famílias do mais alto nível no Reino.

De qualquer modo, foi enviado como embaixador para a convenientemente distante Suécia.

Dispondo a sua família em Portugal de avultados bens ele depressa se tornou uma figura de referência na boémia da mais alta sociedade sueca da época. Para além da impecável elegância com que sempre vestia, era também célebre pela sua generosidade económica tanto em festas como nos locais mais exclusivos das Noites de Estocolmo.

Depressa as meninas da alta sociedade local lhe arranjaram um apelido exclusivo fazendo um trocadilho de Soto Maior para... ”Söta Majorn”... ou seja : ”Doce Major “ em sueco.

Frequentador assíduo de um dos ainda hoje mais luxuosos e renomados restaurantes (Salão Berns) de Estocolmo, a sua mesa favorita ainda lá se encontra, agora adornada com elegante placa de prata com as suas referências pessoais.

Como uma das figuras centrais da sociedade local em fins do Século XIX, acabou por vir a ser ainda hoje recordado nas ementas de restaurantes conhecidos em toda a Suécia que servem o seu então prato favorito - Gös filé Soto Maior* (filé de perca ou lúcio).

Como elegante modelo do mais exclusivo vestuário da aristocracia inglesa fazia inveja com a sua infindável colecção das típicas gravatas de  1800, sempre decoradas com alfinetes de peito feitos de jóias célebres pelo seu preço e trabalho de ourivesaria.

Nos numerosos jantares e festas na sua residência particular fazia sempre questão de se ausentar da mesa em cada intervalo dos inúmeros pratos servidos. Fazia-o para então mudar de gravata e respectivo alfinete de peito na busca de surpreender os convidados.

Isto sucedia cinco vezes, ou mais, em cada banquete!

O seu temperamento não aceitava atitudes menos correctas e, apesar da sua frágil estatura, com facilidade acabava em duelos.

Cita-se como exemplo um tal Sr.Baker, diplomata inglês, que se referiu de modo menos correcto quanto falava de uma amiga de Soto Maior. O Sr. Baker sobreviveu ao duelo mas... sem uma orelha!

Acabou por falecer com 81 anos, só, na sua residência de Estocolmo, sem qualquer família ou contactos próximos em Portugal.

José Belo

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

P1278: NA MORTE DO MILITAR PORTUGUÊS MAIS CONDECORADO

                             MARCELINO DA MATA

Já não percorres as matas do Morés

nem te infiltras na lendária Caboiana

os trilhos das matas

já não sentem os teus pés,

nem te esperam canoas

pelas marés.

 

O Corubal corre apressado,

direito ao grande Geba,

junto ao Xime

em frente ao Enxalé,

a vida continua no corre corre

por aquelas terras da Guiné.

 

Está esquecido desde já o macaréu,

que te conduz

bravo guerreiro

a um qualquer céu.

 

Não há Guileje,

nem Guidaje,

nem Gadamael,

há apenas uma mata sussurrante,

que se queda num silêncio sepulcral,

perante a memória dum militar,

o mais condecorado de Portugal.

 

Marinha Grande, 12 de Fevereiro de 2021

Joaquim Mexia Alves

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

P1277: RESQUÍCIOS DA PASSAGEM DE ANO 1969/1970...

               VERSOS À BISSALANCA

A Base de Bissalanca era na Guiné a nossa segunda casa.

Na época do Natal, mais propriamente, na passagem do ano de 1969 para 70, no Hospital da Terra-Chã- Ilha Terceira Açores, o grupo de enfermeiras que aí se encontrava, a Júlia, Rosa Mota, Delfina e eu, estávamos com um amoque - uma profunda tristeza como costumávamos dizer - por ali estarmos colocadas, rodeadas pelo mar por todos os lados.

 Dias antes tínhamos feito um lindo presépio e colaborado ativamente numa festa de Natal para os doentes internados. Chegado o dia da passagem de ano, resolvemos que  tínhamos que nos animar. As saudades que sentíamos pela ausência dos nossos familiares e amigos eram grandes, principalmente nessa data festiva. Resolvemos que o passaríamos todas juntas e não deixaríamos só a colega que estava de serviço noturno. Contudo estávamos tristes e um pouco de rastos. Lembrámo-nos um pouco de tudo, mas principalmente de outras colegas que naquele momento estariam em piores condições. Foi desse modo, que a nossa conversa se animou e o nosso pensamento voou até à Guiné.

Como eu dizia que sabia fazer versos de “rima de pé quebrado”, resolvi fazer para cada uma uns versos que estivessem de acordo com o seu modo de ser, adaptando as músicas de canções da época. Foi assim que Bissalanca também ficou contemplada.

Bissalanca acompanhou-me por toda a vida e acabei por a relembrar com os tais versos, (rima de pé quebrado). O pessoal ensaiou e cantou os vários versos feitos após o jantar, acabando por os gravar. Abrimos uma garrafa de espumante e, com uns bolos que já tínhamos preparado, entrámos pela noite e saudámos o Novo Ano fazendo a sua passagem à nossa maneira. Deste modo conseguimos amenizar o ambiente e esquecer um pouco as saudades.

Nos anos 1963/64 comandava a Zona Aérea o Ten. Coronel Durval e o 2º comandante Cara de Anjo. Estava previsto ser feita uma piscina no terreno que se situava atrás da capela, mas essa nunca chegou a existir e o espaço servia para o pessoal fazer encontros de futebol, para descontrair e melhorar a sua condição física.

Então, aqui ficam os versos surgidos nesse serão:

VERSOS À BISSALANCA

          I

Oh! Bissalanca terra de perdição

Não sei dizer, ai não, ai não

Porque te trago dentro do coração

Se pelas seringas ou pelo avião

          II

Terra muito variada

Mandingas, Fulas Papeis

Mas nós não nos esquecemos

Dos Joões, Zés e Maneis.

          III

Avenidas lá não há

Cinemas, não os há também!..

E a piscina em construção

Já não interessa a ninguém

          IV

Há um avião no ar!..

Mas meu Deus que confusão

Com a TAP a aterrar

No dia do São Avião

          V

Querem todos lá chegar

Vamos nós e os demais

Para ver passar as meninas

E recolher os jornais

          VI

Toca o telefone, ou o alarme

Minha alferes não se demore

Se não é para a pista, é para o ar

Deixe o prato e traga a fome

          VII

Os roncos vão levantar

E os tubarões, também

Os turras estão a atirar

E não respeitam ninguém.

          VIII

Gosse gosse, toca a andar

Depressa com o trabalhinho

Minha alferes não se demore

Senão, lá vem um tirinho!..

          IX

Que o turra pode espreitar

Na chegada ou na largada

Cravar a marca da casa

Com a célebre morteirada!..

       Estribilho

Oh! Bissalanca terra de perdição…

 

Nota: A música era de uma canção do João Maria Tudela.

Mª Arminda Santos

Enf.ª Paraquedista

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

P1276: REVISTA KARAS DE FEVEREIRO - EDIÇÃO ESPECIAL


Esta é a foto de grupo tirada em 19 de Fevereiro de 2020 no decorrer do 81º Encontro da Tabanca do Centro, afinal o último que realizámos até agora... Mal sabíamos que a pandemia se estava a instalar e que a partir daí nos ia impedir a realização dos habituais convívios mensais.
Curiosamente podemos observar no lado direito da foto os dois editores do blogue, Joaquim Mexia Alves e Miguel Pessoa, ladeando o seu e nosso grande amigo José Eduardo Reis Oliveira, mais conhecido por todos como JERO, pseudónimo que é simplesmente um acrónimo do seu próprio nome.
E a história das fotos do JERO nos nossos encontros começa em Janeiro de 2010, quando organizámos o primeiro almoço-convívio da recém formada Tabanca do Centro, almoço esse realizado em Monte Real, "capital" da Tabanca do Centro. E lá estava o nosso amigo José Eduardo no lote dos primeiros participantes. Vemo-lo aqui conversando com a Giselda Pessoa; estando os dois ligados 
então à área da enfermagem, provavelmente estariam lembrando os tempos da Guiné em que tratavam dos feridos e doentes que deles precisavam.
E tornou-se um hábito a presença deste nosso amigo, que voltou a estar presente no convívio que se lhe seguiu logo em Fevereiro de 2010. Aqui, ladeado pelo José Manuel Dinis e pelo Régulo da Tabanca do Centro, Joaquim Mexia Alves.
Por ocasião do 2º aniversário da nossa Tabanca o José Eduardo esteve
mais uma vez presente. Vemo-lo aqui a receber das mãos do Joaquim 
o certificado de presença no convívio comemorativo. 
Com a sua maturidade aliada a uma grande jovialidade o José Eduardo foi
ganhando a amizade, o respeito e admiração de todos os participantes...
...pelo que o vimos empenhado no reencontro de velhos conhecidos...
...ou no apoio aos mais aflitos - como o Vasco da Gama, a contas com um inchaço no braço, pedindo a opinião do senhor "enfermêro" Oliveira... ou o s.o.s lançado pelo editor do blogue solicitando a sua colaboração para um texto a publicar com urgência no blogue...
                                       
...e na recepção às novas aquisições da Tabanca, como foi o caso 
do "benjamim" Paulo Moreno, aparecido já no meio do percurso,
De realçar o carinho que o José Eduardo dedicava à "sua" CCaç 675 e ao seu pessoal, e a admiração que tinha pelo seu "Capitão de Binta" Gen. Tomé Pinto, o que pudemos constatar com frequência, quer nas conversas que tinha, quer nos textos em que fazia referência ao tempo vivido naquela Companhia durante a sua comissão na Guiné.
Mostrando grande consideração e respeito pela juventude, tinha sempre uma palavra amiga e carinhosa para os jovens com quem se cruzava, como pudemos ver  no carinho para com o netinho do Silvério Lobo, presente num dos nossos convívios, talvez lembrando o seu relacionamento com os próprios netos...
Escritor/jornalista dedicado, não perdia a oportunidade de referir e divulgar os jornais em que colaborava em Alcobaça - a sua amada terra - e tinha sempre a preocupação de nos trazer uma remessa do último exemplar publicado, para  sabermos notícias do burgo...
...ou, noutras ocasiões, divulgando as suas próprias obras...
...e até trazendo textos de interesse pessoal de alguns dos presentes.
Era habitual vê-lo com a sua máquina fotográfica ou o telemóvel a 
fazer a cobertura fotográfica do evento. Na verdade raramente pusemos 
a vista nas fotos por ele tiradas - talvez por ser demasiado rigoroso
consigo próprio achasse que não valeria a pena divulgá-las...
Várias vezes nos socorremos do José Eduardo na procura de uma oferta apropriada para alguém que queríamos homenagear. E a SPAL, que ele tão bem conhecia, foi várias vezes a solução para aquilo que pretendíamos, como no caso da Giselda...
... ou da D. Preciosa, nossa anfitriã ao longo destes 81 almoços , que quisemos homenagear pelo seu contributo para o bom desenrolar dos nossos convívios.
Curiosamente alguns dos nossos convívios coincidiram com o aniversário de alguns presentes. Foi o caso do José Eduardo, que fazia anos no dia do nosso convívio em 4 de Abril de 2018, o que deu direito a bolo de aniversário e discurso do Chefe da Tabanca...
Esta será a última foto em que estivemos em grupo com o José Eduardo, aqui com os editores do blogue no fim da refeição. 19 de Fevereiro foi a data desse nosso último convívio. Tudo parou a partir desse dia. E quando recomeçar (se alguma vez conseguirmos recomeçar...) já não será o mesmo sem a presença do nosso amigo JERO - José Eduardo Reis Oliveira de seu nome completo.