sábado, 29 de setembro de 2018

P1060: DO BAÚ DAS RECORDAÇÕES

Recordações de um combatente longe de casa - Versos escritos há muito tempo
pelo Joaquim Mexia Alves quando, depois da Guiné e de Angola, 
viveu nos Açores, em Ponta Delgada.


VERSOS LONGE DE CASA

O problema está em procurar,
da vida um dia,
e transformá-lo,
embelezá-lo,
com ramas de alegria.

Fazer dele um céu,
uma cedência do eu,
da alma,
da própria vida.

E quando a saudade aperta,
em meandros escondida,
busca-se esse momento
e a felicidade desperta!

Ponta Delgada, 6 de Dezembro de 1976
Joaquim Mexia Alves

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

P1055: MEMÓRIAS DAS GUERRAS COLONIAIS


 "PORTUGUESES QUISERAM ESQUECER 
A GUERRA COLONIAL"



O investigador Miguel Cardina, que recebeu no ano passado uma bolsa de 1,4 milhões de euros do Conselho Europeu para a Investigação para coordenar o projeto CROME, que aborda as memórias das guerras coloniais, esteve há dias na Nazaré para apresentar um livro e explicou ao REGIÃO DE CISTER o que o atrai no estudo da Guerra Colonial.


Colaboro neste semanário há já alguns anos e tive acesso ao texto da entrevista que reproduzo seguidamente, começando com alguns elementos biográficos do entrevistado.


  Miguel Cardina

Historiador e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Recebeu em 2016 a bolsa Starting Grant do European Research Council (ERC - Conselho Europeu para a Investigação) na qualidade de coordenador do projeto de investigação «CROME - Crossed Memories, Politics of Silence. The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times». 
É autor ou co-autor de vários livros, capítulos e artigos sobre colonialismo, anticolonialismo e guerra colonial; história das ideologias políticas nas décadas de 1960 e 1970; e dinâmicas entre história e memória.

REGIÃO DE CISTER (RC) > Como é que surgiu o interesse pelo tema do colonialismo?
Miguel Cardina (MC) > Surge na sequência do trabalho que desenvolvi anteriormente. Fiz a formação superior em Filosofia e depois em História, tendo começado desde logo a estudar o século XX português, nomeadamente nas décadas de 1960 e 1970. E a Guerra Colonial é o grande acontecimento da segunda metade do século XX português, embora muitas vezes silenciado.
Esse interesse acabou por dar origem a um projeto, que foi financiado pela União Europeia e que me confere as condições para desenvolver um trabalho sobre a memória da Guerra Colonial e das lutas de libertação em perspetiva comparada, entre Portugal e as antigas colónias.

RC > Ainda há, digamos, muitos recalcamentos na sociedade portuguesa sobre a Guerra?

MC > Não diria tanto. Para percebermos o modo como a sociedade portuguesa lida com este tema é interessante fazermos uma retrospetiva histórica. A seguir ao 25 de Abril, que foi feito por militares e para terminar com a Guerra, os portugueses passaram a cuidar do seu presente e tenderam a esquecer um conflito que tinha tido um desfecho negativo e que deixara sequelas físicas e psicológicas naqueles que a combateram. Isto já para não falar do retorno dos cerca de 500 mil portugueses que voltam à metrópole.

Há duas vagas importantes: aos 120 mil soldados que combateram em 1974, sem falar nos 800 mil que combateram nas diferentes frentes desde 1961, há as cerca de 500 mil pessoas que retornam a Portugal. E há todo um processo de mudança política que torna o Estado Novo e a Guerra Colonial algo de um passado indesejável. Isso faz com que Guerra seja um evento difícil de recordar nos primeiros anos após a revolução. E nos anos seguintes também, porque se queria esquecer a ditadura e o colonialismo.

Por outro lado, mexer com a Guerra era mexer com a violência colonial, os massacres, com toda a dimensão disruptiva que as guerras têm e que as sociedades tendem a querer esquecer. Portanto, só na década de 1990 é que a Guerra Colonial volta a surgir no espaço público. Dá-se uma monumentalização do conflito, começam a surgir diversas publicações de ex-combatentes e também uma certa ideia do soldado como vítima. E isso aparece muito associado ao reconhecimento do stress pós-traumático como uma realidade.

Hoje vivemos noutro paradigma. Muitos ex-combatentes querem recordar os acontecimentos e começam a contar as suas histórias. A Guerra do Ultramar tem vindo a ser falada no espaço público, mas de uma maneira que nós, no projecto, classificamos como permanências do lusotropicalismo, que foi uma teoria adoptada pelo Estado Novo, sobretudo a partir da década de 1950, descrevendo o colonialismo português como menos violento e mais ‘miscigenador” relativamente aos outros colonialismos.

O que queremos dizer com isto é que o conflito é visto de uma forma que dá a entender que Portugal foi mais brando na guerra. Além disso, todos os testemunhos vão no sentido de uma certa estranheza. O País foi levado para uma guerra não se sabe muito bem porquê e quem regressa sabe que perdemos a guerra, mas também não se sabe muito bem por que a perdemos. 

RC > O surgimento de tantos blogues e referências digitais com referências à Guerra torna mais difícil ou mais fácil o trabalho dos historiadores?

MC > Para nós, no projecto, é uma vantagem, porque não estamos a fazer história da Guerra. Não estamos a retratar o que aconteceu. Estamos a fazer uma história da memória, de como é que as representações da guerra mudaram no pós-guerra. Tudo aquilo que venha somar informação de como a sociedade e os indivíduos viveram a guerra tem interesse, pois é uma fonte. Inclusive, uma parte do projeto visa aquilo a que chamamos de memórias digitais, que aborda os blogues e os grupos no Facebook.

Também isso tem vindo a mudar. A lógica de autopublicação fomentou a memorialização da guerra e hoje o universo dos blogues perdeu expressão, mas há alguns que mantêm grande dinâmica.

RC > Num estudo que fez identificou 8 mil desertores da Guerra do Ultramar. De que maneira essas pessoas foram julgadas pela sociedade?

MC > Cheguei a esse número num projeto que tive anteriormente com a Susana Martins, e que foi um trabalho muito difícil, pois tivemos de cruzar informação de muitas fontes de diferente proveniência. Chegámos a um número que superava os 8 mil, mas que ainda assim peca por defeito. Faltam muitos dados oficiais. Ao mesmo tempo, esse é um número que tem em conta várias realidades: há militares que desertavam antes de ir para a Guerra e esse grupo é o mais expressivo; depois há quem deserte já em África, o que era mais difícil de fazer; e há um terceiro grupo, os africanos que estão incorporados nas tropas portugueses.

São universos e tipos de pessoas muito diferentes. A instituição militar sempre entendeu o acto de desertar como um acto desonroso e houve vários militares julgados, mas hoje percebemos que a figura do desertor é muito complexa.  

RC > Saber que se vai liderar um projeto desta dimensão não acontece todos os dias na vida de um investigador. Como foi o dia em que recebeu a notícia de que a bolsa tinha sido aprovada?

MC > Estava à espera de uma notícia, porque o projeto tinha passado à 2.ª fase, já tinha feito a entrevista em Bruxelas que consta do concurso e esta era a segunda vez que concorria. Na primeira candidatura, ano e meio antes, tinha recebido uma resposta negativa, pelo que quando recebi a aprovação li várias vezes o documento (risos). É uma bolsa com muito dinheiro, que nos permite construir uma equipa, o que é muito difícil conseguir na investigação em Portugal. Somos nove pessoas e vamos ter um filme associado.

Um projecto desta dimensão, que pretende comparar a memória da guerra com os outros países africanos, só faz sentido com uma equipa destas. A equipa está dividida em contextos regionais e temos tido grande receptividade nesses países. 

O livro “As Voltas do Passado: a guerra colonial e as lutas de libertação” [apresentado recentemente na Feira do Livro da Nazaré, que coordenou com Bruno Sena Martins e que resulta do projeto CROME] foi muito bem recebido, porque é uma obra com textos de autores portugueses, angolanos, guineenses, cabo-verdianos, moçambicanos, etc. E isso não é comum. Estamos sempre a querer trabalhar de forma articulada. 

A entrevista que reproduzo foi feita pelo Diretor do “Região de Cister” Joaquim Paulo e foi publicada nesse periódico em 18 de Agosto de 2018.
JERO   



quarta-feira, 5 de setembro de 2018

P1053: EM LEIRIA - HOMENAGEM AOS COMBATENTES

Da Direcção do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes recebemos a seguinte informação:

7º ENCONTRO DOS COMBATENTES

- A Cerimónia de Homenagem aos Combatentes do Concelho de Leiria realiza-se no dia 16/09/2018. (Domingo)
- Inscreva-se na sua Junta de Freguesia ou na Liga dos Combatentes-Núcleo de Leiria.

O programa é o seguinte:

14:45 - Celebração da Eucaristia (Sé de Leiria)
15:30 - Concerto pelo Coro AdesbaChorus (Sé de Leiria)
16:30 - Cerimónia de Homenagem aos Combatentes (Largo 5 de Outubro)
17:30 - Lanche Convívio (Mercado de Sant'Ana)

domingo, 2 de setembro de 2018

P1052: UMA TRISTE NOTÍCIA

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UMA PORÇÃO DE GUINÉ!

Joaquim Peixoto
Chega uma pessoa de um almoço domingueiro em família e abre estas  novas tecnologias de comunicação e depara-se com uma notícia: Morreu o Joaquim Carlos Rocha Peixoto!

De repente, do meio do calor da Marinha Grande, chega o calor da Guiné e sinto-me transportado para aquelas terras ou sei lá eu bem para onde!

Pergunto-me se o conhecia assim tão bem e chego à conclusão de que não, mas a sua bonomia, a sua simpatia, o seu olhar sereno, confiante, camarigo, ligado ao da sua mulher, Margarida, transporta-me para uma realidade que queria longe de mim e que é o saber que nós, os camarigos, vamos partindo, e que não sei se deixamos história, se deixamos sentimentos, se deixamos alma lusa, para motivar os vindouros, que já cá vão estando!

O Joaquim Peixoto era a serenidade em pessoa, pelos menos para mim, e na sua partida, chora-me o coração de camarigo, mas anima-se a minha alma de cristão: Ao homem bom Deus recebe sempre no seu amor!

Sirvo-me da expressão popular e desejo que a “terra lhe seja leve”, porque aos homens bons Deus toma-os nos seus braços e leva-os para a eternidade!

A ti, meu amigo, camarigo, Joaquim, como eu, junto-me em oração à tua Margarida, à tua família, e espero que lá no “assento etéreo a que subiste”, nos relembres sempre junto daqu’Ele que é a vida, para que também nós a ti nos juntemos um dia, fazendo de um bocadinho do Céu, uma porção de Guiné!


Marinha Grande, 2 de Setembro de 2018
Joaquim Mexia Alves

sábado, 1 de setembro de 2018

P1051: OS MEUS CARROS DE SOLTEIRO – 3


UM CLÁSSICO… QUE AINDA MEXE?

Miguel Pessoa
Nos textos anteriores referi-vos a aquisição dos meus dois primeiros carros, o Hillman Imp e o NSU TT 1200. Vou hoje falar-vos da terceira e última aquisição que fiz nesta minha fase de solteiro. E, acreditem ou não, a escolha foi feita através de uma fotografia, como se faz nos casamentos por correspondência!

Estávamos em Junho de 1970 e já tinha garantida uma estadia prolongada no Hospital Militar, na Estrela, na sequência do acidente em que tinha destruído o meu segundo carro, o malogrado NSU TT. A recuperação da fractura do colo do fémur ir-me-ia manter acamado por um período de dois meses, com a perna direita em tracção com 4,5 kgs de pesos para permitir a calcificação da zona da fractura.

Para me entreter ia pensando na possibilidade de adquirir um novo carro e, vendo o meu entusiasmo, o meu Pai não quis deixar de me apoiar e movimentou-se junto de conhecidos numa primeira prospecção do mercado. Liso como estava, e ainda a pagar as prestações dos dois carros (…), não era muito esquisito com o que podia arranjar, embora preferisse um carro “com pinta”, mesmo já com alguns anos de uso. E assim posicionaram-se dois candidatos, um Mercedes 190 SL descapotável e um Alfa-Romeo Giulietta Sprint Veloce, de que o meu Pai teve o cuidado de obter umas fotos, para eu analisar… e decidir.

Finalmente, já a caminho da recuperação, decidi-me pelo Alfa-Romeo, um modelo com 9 anos de idade mas com razoável aspecto. Contei para isso com o apoio do meu Pai, que me emprestou os 35 contos necessários para a transacção. E no dia da minha saída do Hospital, ainda armado de canadianas, lá tinha o Alfa à porta para me levar para casa!

E falo das canadianas porque tinha havido um cuidado muito especial do meu médico alertando-me para a necessidade de uma cuidadosa recuperação para evitar sequelas. Por isso durante um período razoável, embora guiando o carro, transportava sempre as canadianas comigo para os percursos a pé. E mesmo quando ia para as discotecas só as largava para dançar…

O carro era um modelo 2+2, com lugares apertados atrás, mas cheguei a levar 5 ou 6 ocupantes no carro… Tinha alguns requintes de carro fino, com estofos em cabedal e uma posição de condução espectacular, a que se juntavam algumas mazelas do uso, tal como a 2ª velocidade que por vezes arranhava quando entrava; o travão de mão posicionado por baixo do tablier, à esquerda do volante, também não era muito prático. O escape era ruidoso, como era hábito ter naquele tempo, e o depósito de gasolina, enorme (80 litros), tinha já em suspensão muita porcaria, o que originava que acima dos 150 km/hora o carro podia engasgar-se por entupimento dos carburadores… E os dois carburadores Weber duplos também não eram muito poupados, o que me levava a fazer médias de 10 litros aos cem…

Lembro-me da cara dos funcionários das bombas ao atestarem o carro e da sua preocupação, depois de metidos os primeiros 50 litros, de olharem para baixo do carro a ver se havia alguma fuga pois não acreditavam que pudesse levar tanta gasolina!

Foram mais as coisas boas que as más e devo dizer que este carro me deixou muitas saudades, tendo-me acompanhado durante dois anos nas viagens que fazia de e para a Ota e posteriormente de e para Monte Real, e em todas as passeatas que fui fazendo ao longo desse período.

O carro acabou por ter um fim prematuro nas minhas mãos quando na viagem final de Monte Real para Lisboa, a poucos dias do embarque para a Guiné, o motor se finou quando percorria as rectas de Rio Maior a 130 Kms/hora. Trazido por reboque para Lisboa e dispondo eu de pouco tempo para grandes decisões, acabei por vender o carro como salvado ao meu mecânico, por 6 contos…

A história poderia acabar aqui, pois entrei então numa fase da minha vida em que optei por não ter carro nenhum… até casar. Mas, curiosamente, no ano de 2010, tendo visitado na FIL a Feira de Carros Clássicos, no meio de todas as máquinas em exposição deparei com uma foto bastante ampliada de um Alfa-Romeo em tudo semelhante ao que eu tinha tido… e mais espantado fiquei ao ver a matrícula (GF-83-27), precisamente a matrícula do meu antigo carro!

Só posso imaginar que algum apreciador da marca tenha resolvido investir na recuperação total do carro – e por aquilo que se pode apreciar nas fotos fê-lo com algum cuidado, devolvendo-lhe a cor vermelha original (no meu tempo o carro era côr de laranja), colocando-lhe os retrovisores do modelo original e certamente tendo considerado muitos outros pormenores que a foto não deixa perceber.

Presumo aqui que o carro rodava ainda 50 anos depois do seu fabrico (!) e que uma recuperação destas não é posta de parte de ânimo leve por um apaixonado pelos carros clássicos, pelo que tenho a certeza que ele andará ainda por aí, embora de mansinho, devido à idade…

Ah! E tenho a ideia de que quando embarquei para a Guiné já tinha acabado de pagar os três carros!

Miguel Pessoa