quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

P1365: PARA O PESSOAL DAR O SEU PARECER...

           PREPARANDO O NOSSO 84ª ENCONTRO

         Caros camaradas

Em contacto anterior informámos que ainda não está definida a data para a realização do próximo convívio da Tabanca do Centro, que pretendemos efectuar no decorrer do mês de Fevereiro.

Tal resulta do facto de a data tradicionalmente prevista para esse evento – a última 4ª feira do mês – coincidir no mês de Fevereiro de 2023 com a 4ª feira de Cinzas (22FEV), imediatamente a seguir ao período de Carnaval (19 a 21FEV), o que poderá afastar muitos potenciais participantes.

Não terá interesse adiar o evento uma semana certa (para a 4ª feira seguinte) pois já entramos no mês de Março, aproximando-o do convívio seguinte. Parece-nos mais prático para este caso pontual adiar o convívio por dois dias, passando-o para 6ª feira 24 de Fevereiro.

Aliás, poderão alguns pôr em causa o critério de se manter o almoço à 4ª feira, pois a razão  de ser dessa escolha prendia-se simplesmente com o facto de ser nesse dia da semana que a D. Preciosa preparava o cozido que nos alimentou durante 10 anos e 80 encontros…

Gostaríamos de saber a vossa opinião sobre estas duas questões que vos deixamos:

1 – Concordam com o adiamento por dois dias do convívio de Fevereiro, passando-o para 6ª feira 24 de Fevereiro, de modo a evitar proximidade com a época do Carnaval e a 4ª Feira de Cinzas?

2 – É vosso parecer que se deve manter a 4ª feira para a realização dos nossos encontros, ou seria preferível definir um outro dia da semana (por exemplo, 6ª feira)?

Ficamos a aguardar um parecer vosso, que deverá ser colocado na caixa de comentários deste Post ou enviado por mail para tabanca.centro@gmail.com.

A abertura das inscrições para o almoço é feita normalmente 15 dias antes do convívio. A ser feito em 24 de Fevereiro, as inscrições deveriam iniciar-se em 9 de Fevereiro, por isso não temos muito tempo para tomar decisões…

Pedimos alguma celeridade no envio da vossa opinião. Ficamos a aguardar…

A Tabanca do Centro

sábado, 7 de janeiro de 2023

P1360: LEMBRANDO TRAGÉDIA ANTIGA

AS CHEIAS (ESTAS E AS OUTRAS)


A propósito das últimas cheias em Lisboa, um texto do nosso camarada Hélder Valério Sousa, publicado recentemente no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné, que reproduzimos com a devida vénia ao autor e à Tabanca Grande, que o publicou.

Há alguns dias atrás, ocorreram o que agora se designam por “fenómenos extremos” originando, principalmente na zona de Lisboa (mas não só) um conjunto de circunstâncias das quais resultaram avultados estragos em estabelecimentos comerciais, em elevados prejuízos económicos, resultando ainda na morte de uma senhora.

Tudo isto é lamentável, e uma morte que seja, é sempre uma vida humana que se perde estupidamente.

Muito se falou. As televisões dedicaram largos períodos do seu dia a fazerem reportagens sobre as diversas peripécias dos acontecimentos, onde não faltarem as arengas dos “especialistas de tudo” que agora aparecem em todos os canais.

Foi tudo abordado: a construção em leitos de cheias, a impermeabilização dos solos, a falta de limpeza das sarjetas (claro que ninguém se responsabilizou pelo lixo que faz e deita para a rua), a falta de meios de intervenção (com o costumeiro “aqui ninguém apareceu”), o atraso ou ausência de informação sobre a possibilidade de chuvadas fortes (normalmente ninguém liga seriamente aos “avisos laranjas” e outros), etc..

Aqui e ali, de fugida, ainda houve algumas referências às “cheias de Novembro de 1967” mas rapidamente isso foi ultrapassado, diria submergido, pelo imediatismo do dia e pela publicidade das medidas previstas e já em curso, para a construção de túneis e reservatórios tendo em vista resolver, ou pelo menos minorar significativamente, a questão dos problemas de Lisboa. Passou-se então a discutir a paternidade e a antiguidade das soluções e o resto foi-se diluindo, tal qual a água foi vazando….

Aguardo com interesse o que se começará a dizer quando for mais conhecida a origem da tuneladora adquirida para os trabalhos de perfuração do solo com vista à construção dos tais túneis… é que os preconceitos com o material chinês devem dar para inúmeras reportagens!

Entretanto, uma foto dum artigo que um amigo me enviou, despertou a minha atenção e as recordações desses dias, começados a 26 de Novembro de 1967, assaltaram-me novamente.



Essa foto encabeça um artigo da “NiT” (que reproduzo com a devida vénia), a propósito dessas cheias de 67 e mostra a Rua Serpa Pinto, em Vila Franca de Xira. Essa rua era onde o meu pai e o sócio tinham o seu comércio/oficina de mobílias (nesse tempo alguns móveis ainda vinham “em branco”, sendo necessário trabalhá-los) e foi aí que que os “meus trabalhos” começaram. A loja ficava do lado direito, na foto, no piso térreo, onde se vêm pessoas numa varanda, e não posso garantir que o vulto que se vê, empurrando detritos, seja eu, mas também não desminto.

A manhã desse sábado apareceu chuvosa, aquela chuva miudinha, embora persistente e apanhei o comboio para Lisboa bem cedinho, pois tinha aulas às 08:00 da manhã.

A chuvinha continuava, umas vezes mais forte outras mais branda, mas sempre presente. Da parte da tarde começou a engrossar e quando regressei a casa, a Vila Franca, cerca das 19:00, estava desconfortável, foi só tomar banho para aquecer, jantar e, ao contrário do que era habitual, já não saí, indo para a cama muito mais cedo do que o costume.

Cerca das 5 da manhã de domingo tocam insistentemente à campainha a avisar que havia enxurradas, que as ruas eram um mar de água, lama e em alguns sítios com coisas a boiar (automóveis, caixotes, etc.), que a água saía das sarjetas pois a maré estava alta e, salvo erro, eram “águas grandes”. Na Serpa Pinto já tinham subido bastante e estavam a entrar para os estabelecimentos.

Claro que fomos logo para lá, tentar evitar o mais possível os estragos. Na foto já era de dia, o pior já tinha passado, já se estava, naquele local, no “rescaldo” mas, entretanto, começam a chegar as notícias do drama e do desastre (catástrofe) humanitário que tinha assolado a aldeia das Quintas, povoação que viu mais de metade dos seus habitantes perecerem, 89 de 150. Os corpos, resgatados pelos bombeiros foram sendo depositados nas capelas de Vila Franca e da Castanheira e começaram depois a surgir notícias de outros locais.

No dia seguinte, segunda-feira, fui para Alhandra dar apoio a colegas e seus familiares, para ajudar a limpar toda aquela desgraça de que foram alvo. Ali, em Alhandra, a desgraça, em termos de vítimas, não atingiu as proporções que eventualmente poderiam ter acontecido, devido a uma composição ferroviária de mercadorias estar estacionada onde a enxurrada investiu, vinda de São João dos Montes, evitando que tudo aquilo entrasse de supetão pelas ruas e casas da então vila. A atriz e encenadora Maria João Luís estava lá na ocasião, em casa de familiares, e ainda não deixa de ser com um frémito de emoção que exterioriza quando recorda esse episódio.

Durante essa 2.ª feira, o Movimento Estudantil de Lisboa, mobiliza-se para criar brigadas de apoio aos vários locais sinistrados nos concelhos de Vila Franca, Loures, Carenque e zonas de Lisboa, protagonizando (principalmente os alunos de Medicina) uma campanha de vacinação contra o tétano e outras possíveis infeções. Tal voluntarismo naturalmente que não foi bem aceite pelos poderes de então, pois não só lhes fugiu ao controlo como também permitiu um maior conhecimento das realidades, da tragédia em si, dos números das vítimas (coisa que o poder procurou minimizar), das condições de vida de largas franjas da população e foi um motor para a tomada de consciência da necessidade de mudança de muitos jovens de classes menos desfavorecidas que, até aí, estavam a “salvo” desses problemas.

Não é correto comparar coisas apenas parcialmente comparáveis. Tanto naquela altura como agora, choveu muito. A precipitação não foi igual mas, ainda assim, originou muitos problemas. Em termos de prejuízos materiais também há semelhanças. As causas foram diferentes, em alguns aspetos, mas muitos outros houve em que os velhos e eternos problemas estiveram presentes. A maior e principal diferença foi o número de vítimas mortais: 1 agora e mais de 700 então.

Já as questões sociais, não sendo iguais, também refletem semelhanças. Naqueles dias, passei uma noite com outros dois colegas, a imprimir uns panfletos onde se procurava demonstrar causas para a desgraça ocorrida e a apontar responsabilidades e, por via disso e para fazer chegar à população tal documento, saí de madrugada, de camioneta da carreira para Alenquer, onde fui fazendo a distribuição até já ser dia e perceber que a GNR estava a montar cerco para chegar ao autor da distribuição. Tendo percebido isso, tomei precauções, passei sem percalço pela barreira formada, tomei a camioneta de regresso a Vila Franca e essa aventura terminou sem consequências.

Portanto, o que se passou há 55 anos foi, em termos de vítimas, muito mais grave do que agora mas não se deve menorizar os atuais acontecimentos pois eles refletem a inércia das autoridades, dos poderes instituídos, a incapacidade ou falta de vontade política de enfrentar e resolver os problemas.

Por isso aqui deixo estas reflexões (e informações) que espero não sejam passíveis de repetição daqui a algum tempo (porventura pouco), devido à maior frequência e amplitude com que alguns “fenómenos extremos” vêm ocorrendo.

Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

P1359: LEMBRANDO ANTÓNIO LÚCIO VIEIRA

Enviado pelo nosso camarada Carlos Pinheiro:

Hoje partilho mais um poema do saudoso poeta António Lúcio Vieira, de Julho de 2016, que o Orlando Freitas me enviou há pouco. Para mim é mesmo inédito.

Um mail  que o nosso grande amigo Lúcio me enviou em altura de maior perturbação, que por vezes passava  pela  sua agitada mente.

“Dos poemas que me tocaram mais, talvez pelas solitárias noites que por mim vão passando.  

Já não é novo.

Trago-o aqui e deixo-to, porque levei o diabo da noite tomado pela insónia. E lembrei-me dele.
Não é nada importante: trata-se, tão só de um poema.

Nem é novidade em mim: já escrevi outros, ao longo de outras noites. E nunca aconteceu nada extraordinário.

Não é grave, como vês.

Um abraço de bom dia, neste início de torreira que para hoje se anuncia.”

      ESTE MARTÍRIO DE VIVER A NOITE

a noite é sempre um tempo de vazios

conto as horas dos dias e quando a noite vem
sinto o fel da angústia de mais um dia
de menos um dia antes do dia de não ver mais noite
 
é de noite que me encontro em mim e me reflicto
num balanço de contas de um imenso rosário.
Não gosto da noite. Já gostei
quando antes a noite me falava das causas
me trazia o aconchego dos oásis
as luzes e os sons do vazio das horas gastas
os risos, os gestos, as pessoas
o nada de um dia onde quase nada tinha corpo e voz
 
tudo à noite, nessas noites, era maior e mais medonho
avolumavam-se então as sombras e os ritos
na noite de Lisboa o Américo dizia-me vamos à Chafarica
o Vum-Vum cantava chorando memórias da África-mãe
por entre espumas da cerveja que transbordava e partia ao rio
e o Américo dizia-me vamos, chega de noite
 
o Américo morreu há mais de um ano. De noite
 
restou no desvario o Mário Santillana
arrebatado lírico das noites
puro e comovente como as lágrimas cantadas do Vum-Vum
sôdade/ sôdade/ dês nha terra S. Nicolau –
e era a dor da noite que só de noite se sente e se semeia
e a Lia  Gama a santificar o Pessoa e a Sophia no D. Sebastião
e nós quase sem pudor a beber mais a noite dos segredos
do que os aromas, os mistérios e o rum dos rituais
 
mas doía porque era noite e de noite a dor é tão maior
que não cabe nas contas deve e haver da vida
nem no sangue que se derrama dos olhares
nem nas águas que dos beirais se soltam
que nos benzem os pecados da noite
e escrevem nas paredes as sombras dos mistérios e as setas
que nos dizem o caminho para o dia que se apressa
 
e depois a perene magia das ruas
o Américo não sabia quantas ruas da cidade conhecia
mas conhecia as ruas todas e os segredos e as mulheres de cada rua
e  escrevia nelas, nas ruas e nas mulheres
os excessos das noites e as frustrações dos dias.
Morreu sem bem se encher de vida
a bem dizer sem quase dizer quanta vida bem viveu
e deixou-me assim órfão e tão vazio como as noites da Chafarica
quando o Vum-Vum chorava e calava o canto nos soluços
e o Mário parava de beber e da janela que se vira para a rua
onde o sol daí a pouco, intruso, nasceria
gritava às mulheres que das janelas acordavam:
 
vocês só agora acordaram e eu ainda não fechei os olhos desde que nasci
 
É por isso que a noite se insidia nos meus dias e me atormenta
é por isso que sempre regresso quando a noite cai
ao flagelador ritual do exorcismo das horas
entre as horas que acendem as noites e a luz
que da alvorada me descerra mais um dia
de martírios e de alma em sobressalto
até que o doce elixir de novo  transborde e corra ao rio
e eu me deixe levar nesse caudal que procura o mar
enquanto a voz da Lia desflorava poemas e se derramava
dolente e embaladora pela calçada da rua
vazia, vazia, vazia
como são agora as amargas horas da noite - das noites -
onde cumpro o castigo de existir

António Lúcio Vieira