terça-feira, 28 de agosto de 2018

P1050: OS MEUS CARROS DE SOLTEIRO - 2


A TER QUE IR À BRUXA…

Miguel Pessoa
Terminado o curso de pilotagem em Novembro de 1969 e garantida a minha entrada no quadro permanente da Força Aérea, sem outros compromissos a apoquentarem-me decidi investir na aquisição de um carro mais moderno. Na altura o NSU TT 1200 estava na moda, sendo bastante utilizado nos rallies. Longe das performances dos carros de hoje era no entanto um carro interessante e agradável de conduzir, pelo me decidi a trocar o Hillman Imp que tinha pelo NSU TT.

Infelizmente o exemplar que comprei parece ter sido perseguido pela adversidade, acabando por se finar com apenas seis mesitos de idade. Ainda antes do estouro final, já duas desgraças me tinham sucedido com aquele carro pois duas semanas antes, quando contornava o clube de oficiais da BA2, Ota, deparei-me com uma camioneta de transporte que, parada junto à porta do armazém resolveu de repente fazer marcha-atrás sem confirmar se tinha o caminho livre… Sem tempo para eu reagir, a traseira da camioneta entrou pela frente do carro, deixando esta bastante amarrotada…

Tentando ultrapassar esta contrariedade contactei um mecânico civil que trabalhava na Base e simultaneamente fazia uns biscates num oficina no Carregado. Assim, lá levou ele o carro… para me aparecer duas horas depois, com ar constrangido, a informar-me que no percurso para o Carregado um condutor mais desatento tinha resolvido entrar pela parte de trás do carro, deixando-a igualmente amarrotada…

Depois dos arranjos adequados, duas semanas depois - numa 6ª feira -  tinha eu finalmente em mãos o carro, à primeira vista completamente recuperado. Mas nesse fim-de-semana não poderia testar a condição em que se encontrava pois tinha marcada uma missão de navegação para Madrid, em T-33.

Regressado à Ota na 2ª feira, lá pude finalmente ir testar o comportamento do carrito, tendo-me acompanhado para o efeito o Aspirante SV, pessoa com quem tinha um bom relacionamento. A estrada que liga a parte alta com a parte baixa de Alenquer era sinuosa e pejada de moradias, não permitindo velocidades muito elevadas. Claro que os 60 ou 70 Kms/hora a que eu seguia já eram uma velocidade razoável, principalmente se tivermos em conta que numa das curvas encontrei espalhada uma quantidade grande de cascalho de construção que tinha escorregado de um montículo existente ao lado da estrada.

O carro pareceu ganhar patins e percorreu rapidamente os 3 ou 4 metros de distância que o separavam da árvore mais robusta da zona… e ali se enfiou. Para quem não se lembre do NSU TT, posso acrescentar que era um carro bastante seguro… enquanto não saía da estrada. Com o motor colocado atrás, a parte da frente (a bagageira) era oca e funcionava como um harmónio numa colisão frontal. Como acertei na árvore mais do lado direito do carro, foi esse o lado que mais encolheu – os faróis foram encostar-se ao painel e a roda direita veio encostar-se ao banco do pendura, deixando este em maus lençóis…

O carro passou a assentar em cinco pontos no chão - as quatro rodas e uma parte empenada do chassis... E da análise à parte amassada do carro verificou-se que na sequência do embate tinha deflagrado um princípio de incêndio na caixa dos fusíveis, pronta e afortunadamente debelado pelo rebentamento dum extintor que eu tinha guardado na bagageira. Um sistema de corta-fogo que na época as equipas de Fórmula 1 não desdenhariam ter...

Resumindo, resultou desta cena que acabámos os dois num quarto do Hospital Militar, eu na cama da esquerda, ele na cama da direita – precisamente como íamos no carro... Mais grave o estado do meu pendura – tinha fracturado o fémur em dois sítios e rasgado o nariz – nem por isso eu fiquei muito melhor pois para além de amarrotar a fachada (onde ainda levei uns tantos pontos) fracturei o colo do fémur, o que me originou uma imobilização ainda grande no hospital e um período de 6 meses até poder voltar a voar. 

Claro que com esse atraso lá se foi o curso de T-33 que estava a frequentar: Quando voltei à Ota os meus companheiros de curso já tinham arrancado para a BA5, Monte Real… e eu ingressei no curso seguinte, entretanto iniciado por novo grupo. Resultou daqui um atraso irrecuperável na minha preparação para uma comissão em África, tendo por esse motivo sido o último a partir para essas bandas, com um atraso de cerca de 6 meses a um ano em relação aos outros do meu curso original.

Embora com uma recuperação mais lenta que a minha, penso que o meu companheiro de infortúnio SV não terá ficado no entanto com mazelas psicológicas relativamente às velocidades na estrada, pois tive a oportunidade de ver nos jornais da especialidade que ele terá mesmo participado em rallies nos anos seguintes…

O NSU TT ficou irrecuperável, como se deduz pelas fotos, mas eu ainda teria mais dois anos até terminar as minhas qualificações e arrancar para a minha comissão em África. Por isso estava nos meus planos adquirir uma nova viatura, plano que comecei a desenhar ainda deitado na cama do Hospital. Mas isso será desenvolvido num terceiro e último texto que irei publicar aqui…

Miguel Pessoa





quarta-feira, 22 de agosto de 2018

P1049: OS MEUS CARROS DE SOLTEIRO – 1

Nesta fase morna do Verão, propensa à publicação de temas ligeiros que não puxem muito pela cabeça, lembrei-me de falar dos carros que possuí no meu tempo de solteiro. Vão por isso ser publicados sucessivamente três textos em que faço referência às máquinas que tiveram a desdita de me passar pelas mãos nessa fase, um texto por cada um dos carros, afinal todos eles relacionados com o início da minha carreira militar tendo, cada um à sua maneira, deixado gratas recordações.

BIFES N’ “O RELENTO” E RAMPA DA PENA…

Miguel Pessoa
Estávamos em finais de 1968 e iniciava eu então o meu tirocínio como Aspirante a Oficial-Piloto-Aviador, na Base de Sintra. Começando a auferir um vencimento mais robusto, pensei então em avançar com a compra de um carro para as minhas deslocações. Não dispunha no entanto de dinheiro para avançar com uma compra a pronto, pelo que teria que me contentar com uma oportunidade que surgisse. E ela veio de um familiar que, através dos seus conhecimentos, conseguia arranjar-me um carrinho com 3 anos de uso e que, convenientemente, poderia adquirir sem entrada inicial e com 35 prestações mensais de um conto de réis cada uma…

Avancei destemidamente com a compra e vi-me proprietário de um Hillman Imp, um carrinho inglês simpático mas que fugia à moda dos Minis que então grassava. Tinha um motor traseiro e tracção traseira, ao contrário dos Minis, que tinham motor e tracção dianteiros e um comportamento bastante diferente.

Na altura a minha preocupação era outra, pois ainda não tinha tirado a carta de condução… Assim, vi-me restringido ao uso do carro dentro da Base, enquanto aguardava o exame de condução, a fazer no Centro de Instrução de Condução Auto, na Base de Tancos, fazendo entretanto umas tantas aulas de condução numa Escola de Condução em Lisboa e ganhando mais alguma experiência no jipe do Oficial de Dia, quando estava de serviço…

Finalmente, no início de 1969 lá fui fazer o exame de condução, o qual decorreu sem problemas de maior pois já tinha adquirido entretanto uma experiência razoável. E, porque poucos dispunham ainda de carro próprio, foi uma mais valia a juntar ao ainda reduzido parque automóvel dos tirocinantes.

Por coincidência, um outro camarada do meu curso – o AM, que o pessoal conhece dos nossos encontros – tinha também um Hillman Imp, embora reconheça que o dele era bem melhor do que o meu – bem calçado de pneus e com um motor mais saudável.

E nos meses seguintes o grupo lá se juntava para umas passeatas fora das horas de serviço, que não raras vezes descambava numas corridinhas por montes e vales, a ver quem chegava mais depressa… E tive a oportunidade de receber desse meu camarada uns ensinamentos na arte de fazer piões, o que me levou a rapidamente ter que substituir os pneus traseiros – que por já serem recauchutados (moda da altura) rapidamente foram perdendo o piso…

E porque o parque automóvel era reduzido, várias vezes foram acordar-me para dar boleia a uns tantos famintos ávidos de uma ceia aconchegante. E lá seguíamos para um restaurante em Algés, “O Relento”, para mandar abaixo o bife à moda da casa… E como a noite ainda era uma criança ainda seguíamos para a Serra de Sintra para fazer a rampa da Pena…

Como o meu Imp era menos potente e não tinha a primeira velocidade sincronizada, o meu camarada AM seguia à frente, que era mais rápido. Já a descer era eu que saía primeiro, que tinha os travões mais fracos… e talvez fosse mais maluco…

Lembro-me com alguma saudade desses tempos, pois o carrinho proporcionou-me bons momentos. Com a tampa do motor ligeiramente levantada para melhor arrefecimento e o vidro traseiro levantado (à laia de aileron traseiro…) era garantido o cheirinho da gasolina dentro do carro, o que dava um ambiente muito racing

E com o aproximar do fim do curso de pilotagem outras ideias foram surgindo, o que me levou a considerar a possibilidade de trocar o Hillman Imp por um novo carro, mais potente. Mas isso será tema de uma próxima história, que irei aqui contar…

Miguel Pessoa


quinta-feira, 9 de agosto de 2018

P1047: ALCÁCER-QUIBIR


TRAUMAS DO IMPÉRIO

Entre outros, o desastre de Alcácer-Quibir, a 4 de Agosto de 1578, fez agora 440 anos, teve repercussões profundas em Portugal, no Séc. XVI.

No campo de batalha, na localidade de Alcácer- Quibir, em Marrocos, ficaram entre mortos e prisioneiros cerca de 10 mil soldados portugueses recrutados em todo o país, incluindo muitos membros de quase todas as famílias nobres do Reino. Segundo os relatos da época, não havia ninguém, em Lisboa, que não tivesse interesse na guerra de Alcácer-Quibir. Isto, porque quem não tinha, lá, nas fileiras um filho, tinha o pai ou o marido ou um irmão. 

D. Sebastião, então, Rei de Portugal herdou a Coroa, por morte do seu avô D. João III em 1557, tinha então 3 anos de idade. Era um jovem cavaleiro que sonhava com feitos heróicos. Vivia numa ansiedade permanente de retomar, reconquistar o nosso Império no Norte de África. Nesse espírito de luta, atacou os Mouros, na sua terra, exactamente, a 4 de Agosto de 1578, travando-se a mortífera e imemorável batalha de Alcácer-Quibir.

Diz-se que os Portugueses lutaram com bravura e heroísmo, mas, foram esmagados e o nosso Rei D. Sebastião combateu, desesperadamente, até ao fim... não havendo mais notícias do Rei até aos nossos dias. Não se sabe, nunca se soube do "paradeiro" do nosso El-Rei D. Sebastião, após a batalha de 4 de Agosto de 1578.

Para além desta tragédia militar para o Reino de Portugal, no Séc. XVI, Portugal iria viver horas muito tristes porque iria perder o seu maior e precioso bem - a LIBERDADE E A INDEPENDÊNCIA. Quando chegaram os primeiros rumores da derrota portuguesa, em Alcácer-Quibir, esta notícia suscitou, em Portugal, um movimento de «pânico colectivo».

Ao arrepio da finitude irreparável da vida (a morte), sempre se "sonhou" que o nosso El-Rei D. Sebastião pudesse, um dia, no silêncio de uma prometedora manhã de nevoeiro regressar de Alcácer-Quibir... conciliando e apaziguando os espíritos mais sofredores. Daí o cognome de Rei o "Desejado", título patriótico atribuído por um povo que, apesar de tudo, acreditava que o seu jovem Rei D. Sebastião um dia havia de voltar, mas... não voltou!... 

Manuel Frazão Vieira
(Ex-Aferes Mil.º CCAV 8351) 

(O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico)



quinta-feira, 2 de agosto de 2018

P1046: MÁS EXPERIÊNCIAS...


VINHO DE MANGA

O meu Batalhão fez a IAO na ilha de Bolama, quando chegou à Guiné.

Não me lembro se foi nessa altura ou quando estive novamente em Bolama a fazer o curso para comandar forças africanas, que se passou a história rápida que aqui conto agora.

Um dia, numa Tabanca de Bijagós, na ilha de Bolama e junto ao mar, reparei que estavam a fazer uma qualquer beberragem com uma fruta.

Fui indagar o que era, e disseram-me que era vinho de manga, ou seja, estavam a moer e “destilar” mangas, para depois fazerem o tal “vinho de manga”, do qual já tinham algum pronto.

Com a minha curiosidade habitual quis experimentar e lá bebi uma copada daquela coisa, que era verdadeiramente horrorosa para o meu gosto.

Mas o problema maior foi que andei praticamente uma semana com dores de estômago e uma diarreia imparável!!!!

Claro que nunca mais repeti tal experiência!!!

Monte Real, Agosto de 2018
Joaquim Mexia Alves