quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

P1357: O NOSSO PRÓXIMO ENCONTRO

              Caros camaradas

Prosseguimos as nossas diligências no sentido de se encontrar a melhor proposta para a realização do próximo convívio da Tabanca do Centro, apontado para 25 de Janeiro de 2023.

Na sequência do contacto com a gerência da Quinta do Paul, na Ortigosa, recebemos agora a resposta que transcrevemos:

---------- Mensagem encaminhada de Gerência Quinta do Paul 

Assunto: EMENTA AMIGOS Joaquim Mexia Alves 2 Quartas Feiras 22

Para: Joaquim Alves

Votos de Santo Natal, Sr Joaquim M Alves

Os preços baixos  serão sempre adversários da qualidade.

Dispomos de um excelente serviço de Buffet a 18,5€ por pessoa com bebidas. Único senão: Não é em sala exclusiva, no entanto temos a possibilidade de reservar uma zona da sala com uma separação com cortinado.

O Buffet é comum, faça-nos uma visita e no local avalia essa possibilidade.

O Almoço em sala exclusiva, não conseguimos valores inferiores a 22€  por pessoa. Pressupondo saída cerca das 14h30/15horas

Os convidados também devem ter em conta que se almoçarem em casa gastam 10€, ao almoçar fora só tem o custo da diferença ou seja 12€.

Melhores Cumprimentos

Gerência Fernando Vieira Cardoso

Quinta do Paul   

Consideramos que a opção Buffet parece ser interessante pois deixa a cada um a possibilidade de escolher a comida que mais lhe agradar. Tendo em consideração os preços propostos, um pouco elevados para o habitual nos nossos encontros, parece-nos sensato optar pela proposta de Buffet a 18,50€, com utilização de um cortinado para separar o grupo dos restantes clientes, dando-lhe alguma privacidade.

Gostariamos de saber a vossa opinião sobre esta proposta que, embora um pouco cara, tem a seu favor uma perspectiva de boa qualidade do serviço, ementa prática para o pessoal e facilidade de estacionamento das nossas viaturas.

Ficamos a aguardar o vosso parecer, para o que poderão utilizar a caixa de comentários deste Post, ou enviando uma mensagem para tabanca.centro@gmail.com

Naturalmente convirá que os vossos pareceres nos cheguem nos próximos dez dias, tendo em atenção a abertura das inscrições em 15 de Janeiro próximo.

A Tabanca do Centro

P1356: DO RIBATEJO AO MAR

Uma descrição exemplar de uma zona da nossa Tabanca do Centro, pela pena do saudoso poeta António Lúcio Vieira, nosso camarada, que nos deixou em Junho de 2020.

                        UMA REGIÃO SINGULAR

NO CENTRO DE PORTUGAL

Invulgarmente diverso e rico em atractivos turísticos é, indubitavelmente, todo o espaço, numa cintura de poucas dezenas de quilómetros, que circunscreve a periferia de Torres Novas.

Situada na fronteira entre a região estremenha e o Ribatejo, erguendo-se numa paisagem única em Portugal, a uma altitude que atinge os 678 m, distingue-se, na região, o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, mais de dois terços do Maciço Calcário Estremenho, no qual se englobam as duas serras que lhe dão o nome e abrange os municípios de Alcobaça e Porto de Mós, no distrito de Leiria; Alcanena, Rio Maior, Santarém, Torres Novas e Ourém, no distrito de Santarém.

Numa área bela e agreste, recheada de escarpas, de grutas e algares, encontram-se, em profundos vales e encostas, para além de uma vasta e diversa fauna e flora, muros de pedra solta, rústicas aldeias de pedra, por onde, de quando em vez, deambulam praticantes de desportos radicais, do montanhismo ao BTT, da espeleologia aos passeios equestres.

No alto da longa Serra de Candeeiros, de onde se desfruta toda a vasta paisagem circundante, o visitante pode sentir-se nas “nuvens” e reparar em cada pormenor de uma belíssima paisagem, que se estende de Peniche ao Cabo da Roca e da Serra de Sicó a Torres Vedras.

Naquele que é um dos maiores reservatórios de água doce subterrânea de Portugal, reproduzem-se mais de seiscentas espécies vegetais, (cerca de um quinto das espécies existentes em Portugal) muitas das quais não se encontram em qualquer outro local do planeta.

É neste rico e tão diversificado território classificado, que se conservam as Marinhas de Sal, de Rio Maior, importante jazida de sal-gema, em pleno sopé da Serra dos Candeeiros, a trinta quilómetros do mar. Rodeadas de arvoredo e terras de cultivo, as Salinas riomaiorenses (das poucas de origem não marinha existentes em Portugal) apresentam-se como uma minúscula aldeia, com ruas de pedra e casas de madeira, onde se destacam uns peculiares tanques de formas e dimensões irregulares, os quais, a partir de meados da Primavera, se enchem de água salgada e dão origem a verdadeiras pirâmides de sal.

Faça-se então uma ronda pela região e comece-se pelas jazidas, com as marcas de trilhos de dinossauro, na antiga “Pedreira do Galinha”, exactamente na linha de fronteira que separa o concelho de Torres Novas do de Ourém. O Monumento Natural, posto a descoberto no extremo oriental da Serra de Aire, na povoação de Bairro, em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, contém um importante registo fóssil do período Jurássico, as marcas de alguns dos maiores seres que povoaram o planeta Terra: os dinossáurios saurópodes, na laje calcária onde as pegadas de dinossáurios se conservaram ao longo de 175 milhões de anos, podem ser observados cerca de 20 trilhos ou pistas, uma delas com 147m e outra com 142m de comprimento.

Escassos quilómetros adiante, chega-se ao santuário mariano da Cova de Iria, na cidade de Fátima, que a Igreja Católica designa por Altar do Mundo e que se assume como um dos locais de peregrinação mais importante da Cristandade. Aí se diz ter Nossa Senhora aparecido, em 13 de Maio de 1917, a três crianças que pastoreavam rebanhos.

Desde esse distante ano de 1917, não mais cessaram de acorrer à Cova da Iria milhares e milhares de peregrinos, oriundos de todo os continentes, fazendo do local, com a sua presença, um dos lugares de oração mais concorridos do mundo.

Não muito distante daquele local de peregrinação, abrem-se, aos olhos dos visitantes, as deslumbrantes grutas naturais, ainda no maciço calcário do Parque Natural das Serras d’Aire e Candeeiros. Presentes em todos os roteiros turísticos da Europa, as grutas de S. António e de Alvados, nas proximidades, respectivamente das aldeias de Serra de Santo António e de Alvados e a dos Moinhos Velhos, em Mira d’Aire (esta última eleita, em 2010, como uma das Sete Maravilhas Naturais de Portugal) todas abrigadas no rendilhado subsolo da serra de Santo António, constituem outros dos aliciantes desta privilegiada região do centro do país.

Em terras de Ourém, uma antiga fortificação muçulmana terá dado origem ao singular castelo da cidade, já que se acredita ter sido a mesma reconstruída nos primeiros tempos da monarquia, uma vez que remonta a 1178 a primeira referência a um castelo de planta triangular no alto do monte.

Antiga residência dos Condes de Ourém e muito ligado à figura de Nuno Álvares Pereira, o castelo, com os seus invulgares torreões, erguidos em 1450, o paço dos condes e a antiga cidadela, são igualmente motivos justificativos de uma visita.

Ainda no concelho oureense, na margem esquerda do rio Nabão, a praia fluvial e os banhos quentes com águas termais, indicadas para doenças de pele, fazem de Agroal um dos locais da região mais procurados na época estival.

Integrados no mesmo perímetro geoturístico, que abraça o concelho de Torres Novas, encontram-se a vasta albufeira do Castelo do Bode, fonte de vida, espaço de lazer, cuja reserva de água abastece parte de Lisboa, assim como alguns concelhos vizinhos do alto e médio Ribatejo e na qual o turismo e os desportos aquáticos, servidos por deslumbrante paisagem natural, encontram espaço particularmente privilegiado.

Do passado medieval da região, emergem, próximo do perímetro militar de Tancos, o romântico castelo de Almourol, cofre de lendas, encimando pequena ilha rochosa no leito do Tejo e o Convento de Cristo, sobranceiro à bela cidade de Tomar, ambos seculares legados dos cavaleiros Templários, cuja sede da ordem Gualdim Paes aquartelou na cidade do Nabão.

De deslumbre em deslumbre, parte-se à descoberta, ali mesmo ao lado, do Parque temático de Astronomia, do Centro de Ciência Viva, do enlace dos rios Tejo e Zêzere, do horto e da Casa de Camões, tudo ali na romântica e cativante vila de Constância, a quem o poeta Vasco de Lima Couto chamou “vila-poema”; do aprazível oásis, constituído pela cativante praia fluvial, rodeada por espaços verdes, estruturas de apoio e restauração, parques de campismo e infantil, de um outro moderno Centro de Ciência Viva e de um exemplar Observatório dos Morcegos, na aprazível região de Olhos d’Água, junto à nascente do rio Alviela, em Alcanena.

A nordeste, à beira da N1 e já próximo da costa atlântica, ergue-se o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, vulgarmente conhecido por Mosteiro da Batalha, caracterizado pela singularidade das suas capelas inacabadas: as Capelas Imperfeitas.

Um pouco abaixo, depara-se o visitante com o majestoso e romântico Mosteiro de Alcobaça, oficialmente designado por Real Abadia de Santa Maria de Alcobaça; morada dos eternos amantes Pedro e Inês. Ambos os monumentos são jóias histórico-arquitectónicas e autênticas páginas vivas do passado de Portugal.

Mais para oeste, estendida no regaço da Pederneira abre-se, na costa marítima, a enseada da típica praia da Nazaré, a mais bela e romântica, a mais cantada das praias de Portugal. Lugar eleito pelos amantes do surf, cavaleiros das gigantescas ondas que fazem daquela privilegiada zona atlântica o cartaz turístico-desportivo mais divulgado no mundo entre os amantes da modalidade.

A Feira Nacional da Agricultura e do Ribatejo, em Santarém e a do Cavalo, pelo S. Martinho, na vizinha e característica Golegã, a Festa da Bênção do Gado, na vila de Riachos, no concelho torrejano e a dos Tabuleiros, em Tomar, a Festa dos Rios, na encantadora Constância, que o Tejo e o Zêzere abraçam; o Festival da Enguia, na aldeia torrejana de Boquilobo, berço do lendário Humberto Delgado, tal como a Feira Nacional dos Frutos Secos, que há muitos anos tem lugar na torrejana cidade almondina, são outros tantos eventos de legítimo destaque, nesta multifacetada e tão bafejada região do centro do país.

Na cidade ferroviária de Entroncamento abrem-se, entretanto, as páginas da história do comboio em Portugal, no Museu e na Rotunda das Locomotivas, da Fundação do Museu Nacional Ferroviário.

Servida pela mais estratégica rede rodoferroviária nacional, através da qual se parte para a Europa, ou dela se chega e onde, no espaço de escassos quilómetros, que se estendem por uma nesga de terra, aqui se descobre e se desfruta de um mundo de cativantes atractivos, onde os ecos da História, as belezas naturais, os costumes, a aventura e o laser, a fauna e a flora, a gastronomia, o artesanato e as tradições religiosas e profanas, os monumentos e a actividade turístico-desportiva, se conjugam para fazer deste pequeno rincão, do centro de Portugal, um museu vivo, um manual de História, de estórias e de lendas, um caleidoscópio de belezas e visões e sabores, um pequeno mundo, afinal, onde tudo se oferece e se desfruta.

Um pedaço de Portugal, tão diverso, mágico e cativante, como um bazar oriental, tão deslumbrante e colorido e tão singular, que nenhuma outra região do país o iguala.

António Lúcio Vieira ©

23-3-2015

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

P1354: UM CONTO DE NATAL

                        CONTO DE NATAL 2022

Aproximava-se o Natal e a inspiração não vinha.

Desde há mais de dez anos que em cada Natal escrevia um Conto que, volta e meia, relia e se espantava como tinha tido tal inspiração.

A verdade é que, normalmente, quando se aproximava o Natal, numa qualquer madrugada acordava às seis ou sete da manhã, (o que tantas vezes lhe acontecia), e, sem perceber como ou porquê, a história para o Conto surgia no seu coração, no seu pensamento.

Depois era só escrever, mais tarde, e ao tempo que escrevia iam surgindo as frases encadeadas.

Mas este ano, nada!

O tempo estava a acabar e nem uma “luzinha” sequer de uma qualquer ideia para o seu Conto de Natal de 2022.

Percorria na memória cenas bíblicas, histórias passadas, episódios natalícios, mas nada, nenhum desses pensamentos lhe transmitia aquela “segurança” que costumava sentir quando lhe vinha ao coração e ao pensamento a trave mestra de cada Conto de Natal.

Bem, pensou ele, chegou ao fim este ciclo de Contos de Natal.

Acabaram-se as ideias, acabaram-se as razões, ou, simplesmente, haverá outro modo de escrever sobre o Natal, porque a escrita para ele, era um contínuo processo em que as palavras iam aparecendo conforme escrevia.

“Arrumou” os pensamentos na “gaveta mental” dos Contos de Natal e decidiu procurar outro modo de escrever o Natal.

Naquela madrugada de 24 de Dezembro, mais uma vez, acordou às seis da manhã.

Seria para rezar, certamente, porque o Conto de Natal já estava “arrumado” na memória.

Foi então que ouviu dentro de si uma voz que lhe dizia.

Queres um Conto de Natal, Joaquim?

Ficou em silêncio com receio que aquele momento acabasse de repente, mas no seu coração apenas dizia sim, mil vezes sim.

Novamente ouviu, ou sentiu, no seu coração aquela voz que lhe disse:

Pois bem o teu Conto de Natal este ano, Joaquim, sou Eu!

És Tu, Senhor? - Perguntou sem perceber.

Sim, Joaquim, sou Eu!

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que sofrem.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que nada têm.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão doentes.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão presos.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão em guerra.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão abandonados.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão desesperados.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão sós.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que são perseguidos.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que são ofendidos.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que estão traumatizados.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que não têm esperança.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que não têm amor.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que Me afastam.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que não acreditam.

O teu Conto de Natal este ano sou Eu naqueles que cantam, apesar de todas as dificuldades, «glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.»

Abriu os olhos, sorriu, e disse numa prece do seu coração:

Que lindo Conto de Natal, Senhor! Só podia ser escrito por Ti!


Marinha Grande, 21 de Dezembro de 2022

Joaquim Mexia Alves

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

P1347: EM CONTAGEM DECRESCENTE...

 




Nota: Se precisarem de observar os mapas mais em pormenor, podem aumentar a imagem carregando simultaneamente no botão "CTRL" e rodando a rodinha do rato (scroll). No fim da visualização não se esqueçam de retomar o tamanho normal da imagem (no meu caso uso os 110%).

domingo, 23 de outubro de 2022

P1345: JÁ FOI HÁ 54 ANOS...

        O MEU EMBARQUE PARA A GUINÉ


23.10.68 – 23.10.2022

Tudo começou muito antes.

A Inspecção Militar a que todos os mancebos eram sujeitos era o princípio da vida militar e era feita na sede do concelho de residência dos referidos, no ano em que se faziam vinte anos. Eu, porque tinha nascido e morado sempre em Alcanena, foi na minha terra que fui inspeccionado juntamente com os outros quarenta e nove. Logo de manhã fomos para o Salão Nobre do edifício da Câmara Municipal, portas fechadas e janelas corridas, mandaram-nos despir e deram-nos um papel onde um soldado apontou o nosso peso e a nossa altura. Todos nus, com um papel na mão.

No Gabinete do Presidente da Câmara estavam os médicos militares que nos inspeccionavam, um a um, muito à pressa e lá nos davam a notícia que estávamos “apurados” para todo o serviço militar. É certo que um ficou “esperado”, porque era baixo e gordo e outros dois ficaram “livres” sem se saber porquê.

Quando nos íamos vestindo, o tal soldado que nos tinha pesado e medido vendia-nos uma fita verde e vermelha, com um alfinete, para colocarmos na lapela do casaco, a dizer que estávamos apurados. Os que ficavam livres, tinham direito a uma fita branca.

Nesse dia, apesar de tudo foi dia de festa. Houve jantarada do grupo e depois baile até de madrugada. Era assim.

Depois foi só aguardar que os editais nos chamassem para a vida militar. A minha sorte mandou-me para a Escola Prática de Cavalaria em Santarém, no dia 10 de Outubro de 1967. Era uma segunda-feira e tudo era novo para aqueles trezentos e sessenta recrutas do Curso de Sargentos Milicianos. A maioria, onde eu estava incluído, só entrou depois do almoço e depois de ter sido dado mais um toque no cabelo, e lá entrámos. Logo de seguida fomos receber o fardamento, deram-nos um número – eu era o 2060/67 – indicaram-nos a caserna e o nosso número lá estava numa cama. Nada de enganar.

Aprendemos, assim, a formar para o jantar. O refeitório era do outro lado da parada, no primeiro andar. E lá jantámos tendo-nos sido dito que às nove horas tínhamos uma palestra no mesmo refeitório para aprendermos o que era a tropa. Claro que ninguém faltou. Todos presentes para aprender onde estávamos metidos. O porta-voz foi o Comandante do meu Esquadrão, o Tenente Sentieiro que em palavras simples nos elucidou perfeitamente onde estávamos e o que o futuro nos reservava.

Dessa palestra há passagens que ficaram na memória e que hoje aqui merecem ser recordadas. Por exemplo: “Essa coisa onde estão a deitar a cinza dos cigarros e as beatas, agora é um cinzeiro, mas amanhã de manhã é uma chávena de vista alegre para beberem o café com leite e à hora do almoço é um copo de cristal por onde vão beber o vinho ou a água”. Afinal aquilo era só um púcaro de alumínio…

Outra dessa noite com alguma piada, mas sem graça nenhuma, foi quando o orador nos disse que só poderíamos sair para a rua quando soubéssemos todos os postos da hierarquia militar e bem assim os que mereciam ser cumprimentados militarmente – com continência – para evitar que fossemos bater pala ao porteiro do Hotel Abidis que tinha uma farda que parecia um marechal. E assim foi.

No outro dia foi o princípio. Aprendemos a marchar, aprendemos a rebolar nas barreiras, a saltar ao galho, a fazer a ponte interrompida, saltar a vala, rastejar, subir ao pórtico e lá fazermos alguma manobras, saltar das camionetas a não sei quantos à hora, devidamente enrolados, e sempre a marchar.

As barreiras, antes da recruta acabar, foram proibidas. Não por causa de alguns braços partidos e outros pequenos ferimentos, mas porque as fardas estavam a desfazer-se.

O tiro era treinado, de dia e de noite, na Carreira de Tiro fora do quartel com todo o tipo de arma desde a pistola até às várias metralhadoras pesadas.

As instruções nocturnas eram normalmente às terças e quintas-feiras e duravam até depois da uma da manhã, quando não era até mais tarde. Íamos para as Ómnias, lá para as margens do Tejo, para o Monte do Zé Morto, para o caminho de Rio Maior e na semana de campo fomos para lá da Chamusca, sempre a pé e com a carga toda às costas, incluindo a Mauser e o Capacete na cabeça. Nessa semana nem uma tenda pôde ser montada, apesar de irmos carregados com todos os apetrechos. Parece que o “inimigo” estaria ali por perto. Ordens são ordens. Esta semana de campo foi depois da tragédia das cheias, inundações e morte de centenas de pessoas na zona de Vila Franca, Alenquer, Loures e Odivelas. Só para nos centrarmos no tempo.

Depois de tudo isto, lá chegou o dia do Juramento de Bandeira e logo a seguir ficámos a saber que a maioria do pessoal, daqueles dois Esquadrões de Instrução, tinha chumbado e passado para o Contingente Geral. Dos trezentos e sessenta, foram só duzentos e um que chumbaram. E mais tarde, já na Guiné, é que vim a saber de fonte segura a razão de tanto chumbo. Foi o Comandante daquele Grupo de Esquadrões de Santarém, que também estava na Guiné e, infelizmente, lá morreu no acidente do helicóptero que caiu e onde iam também alguns Deputados da Assembleia Nacional que estavam de visita à Guiné que morreram também, que me disse que tinha havido um erro na classificação das pautas de tiro, que dependiam da Direcção da Arma de Infantaria a quem podiam pedir a revisão das mesmas. Mas como éramos de Cavalaria, ficou assim.

Não vale a pena continuar a falar, agora da especialidade, nem do resto do tempo até ao embarque. Mas passei pelo RTM no Porto onde tirei a especialidade, fui depois para o BT, na Graça, em Lisboa, a seguir para o QG em Tomar, depois de mobilizado voltei ao BT, e logo de seguida fui para o 15 em Tomar, que foi a minha Unidade Mobilizadora e na véspera do embarque fui passar a noite aquele hotel estrelado que era o Depósito Geral de Adidos.

É verdade. Parece que foi ontem e já lá vão CINQUENTA anos desde o dia do embarque para a Guiné, mas está tudo bem guardado na memória.

Depois de uma noite muito mal dormida nos Adidos, na Calçada da Ajuda, logo de manhã lá estava ataviado a preceito para embarcar para a guerra.

Dois dias antes, ainda no RI 15 em Tomar, a minha Unidade Mobilizadora, soube que ia para o BCaç 1911 - que nunca vi e que parece que veio no barco onde fui. Apanhei uma boleia com um senhor da minha terra que lá foi buscar o filho, para também embarcar para a guerra, salvo erro era para Angola. Lá fomos os três no Volkswagen 1300 do senhor, a caminho dos Adidos em Lisboa. Almoçámos, já não me lembro onde, e lá chegámos à capital do Império e aos Adidos. 

Entrámos os dois pela porta de armas, cada um foi para o seu sítio, mas no dia seguinte deixei de o ver. Afinal acabou por ficar cá - não chegou a embarcar. Tinha as suas mazelas certamente.

No dia do embarque, no dia 23 de Outubro de 1968, como disse, logo de manhã lá estava fardado como deve ser, de saco às costas com os meus pertences. Foi só esperar que as camionetas começassem a chegar para levar toda aquela malta de rendição individual para o cais de Alcântara. Éramos cerca de sessenta, tudo de cabeça baixa, sem saber para onde íamos.

Quando chegámos ao Cais o grosso dos expedicionários já estava devidamente formado; era o Batalhão de Caçadores 2856, também do RI 15 de Tomar, constituído por quatro Companhias, mais um Pelotão de Polícia Militar que ia para Cabo Verde e ainda outras Unidade mais pequenas, género Pelotões de Canhão Sem Recuo, Pelotões de Apoio Directo, etc.

Nós ficámos livres da formatura e, certamente por isso, fomos dos primeiros a embarcar. Ao cimo das escadas lá estavam as senhoras do MNF – Movimento Nacional Feminino - a darem um maço de cigarros "Porto", um isqueiro e uns aerogramas a cada um. Também por lá se viam uns senhores de chapéu e de sobretudo, que alguns mais vividos diziam serem da PIDE.

Uíge atracado à espera, com a tropa formada, depois de um General ter passado revista às forças ao som de uma Banda Militar, depois dos discursos da ordem, lá começaram a embarcar, sempre com a Banda a tocar marchas militares.

Os nossos familiares estavam do outro lado das barreiras e muitos nas varandas da Gare, com os lenços brancos nas mãos e as lágrimas nos olhos.

Os lenços brancos a acenar eram mais do que muitos. Da minha parte lá estavam os meus pais e os meus tios que moravam em Lisboa. Sabia mais ou menos onde eles estavam posicionados porque tínhamos combinado antecipadamente. A amurada do barco do lado do Cais estava repleta de militares o que provocava um relativo adornar do navio.

Entretanto, cerca do meio-dia, as máquinas do navio começam a fazer mais barulho e a silvar. Vêem-se já os rebocadores que o há-de ajudar a largar e a ganhar o rumo da Barra do Tejo. Foram momentos difíceis de descrever. Adivinhávamos facilmente que os familiares no Cais choravam. Alguns até gritavam e ouvia-se bem apesar da distância ser cada vez maior. Mas ouvia-se. 

                                                Navio Uíge em Bissau  /  Foto: Torcato Mendonça

A bordo também havia lágrimas em muitos olhos. O barco ganha rumo, a ponte "Salazar", era assim que se chamava a que hoje se chama "25 de Abril", começa a ficar cada vez mais perto, até que passámos por baixo dela. Dali até à Barra e depois ao mar alto parece que foi um momento.

Mal ou bem lá fomos encaminhados para os nossos aposentos, para largarmos o nosso saco e para tomarmos conhecimento dos nossos beliches. A esmagadora maioria - onde eu estava incluído - viajou nos porões, que noutras viagens transportavam tudo e mais alguma coisa. O cheiro era horroroso. As camas eram mesmo tipo beliche, mas em madeira de pinho, com colchões de palha e uma manta da tropa em cima. A estrutura das mesmas, porque em madeira, estava já cheia de dedicatórias de toda a ordem que se possa imaginar, fruto de outras viagens de idas e de regressos.

Já no mar alto fomos para a primeira refeição, o almoço, numa sala grande, a sala de jantar do barco, e a comida era aquela que nos quiseram dar, porque os orçamentos naquela altura já eram apertados, mas ninguém se queixou…

Depois foram cinco dias a ver-se só mar e céu, tudo azul, e de vez em quando uns peixes voadores a acompanhar o Uíge, e por vezes até golfinhos como que a desejarem-nos boa viagem. Raras vezes avistámos outros barcos, mas sempre ao longe. Passámos relativamente perto das Canárias. Disseram-nos que, como aquilo era um Transporte de Tropas, estávamos a ser a ser acompanhados por um submarino. Já era a psicossocial a funcionar.

No convés havia uma espécie de um bar onde se vendia cerveja e Coca-Cola, sendo esta uma novidade autêntica uma vez que na Metrópole a mesma ainda era proibida. A cerveja era holandesa. Eram garrafas de meio litro, verdes, que nós nunca tínhamos visto. Claro que com estes estimulantes a viagem e o tempo parece que custavam muito menos a passar.

Nos porões, logo no primeiro dia, foram montadas bancas para a batota, neste caso a lerpa, e os profissionais dessa jogatina lá assentaram arraiais e foram depenando os mais desprevenidos, que eram a esmagadora maioria.

E assim chegámos a Bissau no dia 28, ao final do dia, tendo o barco ficado ao largo e o pessoal desembarcado para barcaças que de imediato tinham rodeado o navio por todos os lados.

A todos os companheiros, camaradas e amigos que vão sobrevivendo e que há 54 anos viajaram comigo no Uíge, um grande abraço e votos de muita saúde.

Carlos Pinheiro
23 de Outubro de 2022

 

sábado, 15 de outubro de 2022

P1344: É BOM SER MAIS VELHO...

        O ELOGIO DA VELHICE

Deus concedeu-me a graça de ter 4 filhos.

Acredito que cada um deles me há-de pegar pela mão e ajudar a atravessar a estrada que se vai agora apresentando à minha vida .

Agora ainda acham graça às minhas expressões de dor que vai percorrendo todo o meu corpo mas sei e sinto que lá no fundo se vão preocupando com o pai que continua, apesar de tudo, forte e vivo.

Claro que as dores são fruto da idade, mas também muito fruto das asneiras da vida que levei e que foram muitas, (algumas forçadas, como a guerra, mas a maior parte de livre vontade), e tinham forçosamente de marcar os meus anos mais velhos

Um tal Variações cantava que “quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga”!

É engraçado começar a viver agora as recordações daquilo que, quando novo, achava daqueles que tendo a minha idade ou sendo mais velhos, iam dizendo e se iam queixando e como eu desvalorizava esses “queixumes” acreditando que eram para chamar a atenção.

Percebo agora que os nossos “queixumes” nestas idades, são muito mais para nós, são íntimos, do que para chamar a atenção dos outros.

Gostaríamos até de conseguir não nos queixarmos para não preocuparmos os mais novos, mas, caramba, às vezes nem são tanto as dores, são mais as incapacidades de fazer algo tão simples como calçar e descalçar as meias sem ter que “gemer” um pouco!

Mas é bom ser mais velho.

Dá-nos, por exemplo, a capacidade de nos calarmos para não provocar discussões, (embora tenhamos os nossos “repentes” pois claro), conseguirmos “adivinhar” reações, sabermos coisas que os mais novos ficam espantados, contarmos histórias que eles querem ouvir, (às vezes até lhes acrescentamos umas “coisas” para ficarem mais bonitas ou interessantes), lembrarmos sítios que já não existem ou tradições perdidas, enfim, somos quase uma “enciclopédia” de “banalidades” interessantes.

E é tão gratificante quando os mais novos nos pedem para repetir as histórias que já contámos vezes sem fim, mas que eles querem recordar, muito provavelmente para poderem contar quando chegarem à “idade das dores”.

Depois, também, as ofensas que nos fizeram ou nós fizemos, vão-se esbatendo e vamos percebendo o ridículo do incómodo que nos causamos por não perdoar ou não pedir perdão.

Começamos a perceber bem melhor o sentido de viver em paz.

A mim, sinceramente, nunca me preocupou a idade, (a não ser por causa das tais “incapacidades”), e acho até interessante ser olhado como mais velho.

Há sempre algum respeito nesses olhares.

A morte nunca me preocupou e hoje em dia muito menos, pois a Fé que vivo ou tento viver todos os dias, dá-me a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, estarei nos braços de Deus, (depois de purificadas as minhas inúmeras faltas), no gozo do amor que nunca acaba.

E o amor talvez seja o melhor elogio à velhice!

Joaquim Mexia Alves

NOTA: Claro que escrevo o que sinto e na generalidade, pois cada situação é diferente, sobretudo para aqueles que são abandonados pelos mais novos.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

P1343: A QUEM POSSA INTERESSAR...

“DESPOJOS DE GUERRA” , NA SIC

Meus caros

Há já mais de um ano a SIC, através do trabalho da jornalista Sofia Pinto Coelho, preparou a apresentação de uma mini-série a que chamou "Despojos de Guerra", com 4 episódios, já prontos há bastantes meses, mas que as vicissitudes do conflito na Ucrânia levaram a adiar a sua exibição até agora.

Referiu-me agora a Sofia Pinto Coelho que esta mini-série vai finalmente ser apresentada, prevendo-se a sua exibição na SIC numa rubrica “Grande Reportagem” integrada no final do Jornal da Noite da SIC (cerca das oito e picos da noite) nas datas abaixo indicadas:

6OUT - Episódio sobre uma informadora da PIDE

13OUT - Episódio sobre um combatente africano DFA (Deficiente das Forças Armadas)

20OUT - Episódio que acharam suficientemente curioso para abordar uma conversa com a Giselda e Miguel Pessoa…

27OUT - Episódio sobre os Filhos do Vento - crianças que nasceram fruto das ligações de militares nossos a mulheres africanas.

Segundo a jornalista esta apresentação será antecedida de uma promoção prévia no canal SIC – de que não me dei ainda conta; mas, pelos vistos, tendo estado em banho-maria há largos meses, este projecto encontrou finalmente pernas para andar... E, como o primeiro episódio está previsto já para 5ª feira 6 de Outubro, aqui fica o aviso para quem possa estar interessado em ver.

Abraço

Miguel Pessoa