quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

P1213: ATAQUE AO ARAME FARPADO


HÁ DIAS DE SORTE

Juvenal Amado
Galomaro, Zona Leste da Guiné, 1 de Dezembro de 1972 .

Franzindo o sobrolho por trás dos óculos, o radiotelegrafista José Confraria, à minha frente, acabava de reprovar uma jogada minha na partida de sueca que nos opunha ao Glória e ao Costa, dois Sapadores da nossa Companhia.

Faltavam talvez 15 minutos para as 22 horas, hora do fecho da cantina.

A cantina não é mais que um telheiro em chapa de zinco, com duas paredes, uma onde está o balcão com as arcas frigoríficas a petróleo e a outra em frente, que tapa a vista para as palhotas do povoado de Galomaro. É pois um sítio, que tem uma abertura tipo esplanada, que dá para o arame farpado do lado do campo de futebol e, do outro lado para o Restaurante da Morte Lenta (1).

A partida era, como sempre, muito animada com muitos ralhos da parte dos nossos opositores, que era bem de ver estavam a perder e a caminho de terem que pagar as cervejas correspondentes aos dez traços marcados a lápis, num bocado de papel.

Escusado será dizer que pagar as cervejas era mesmo assim muito menos doloroso que ouvir as piadas de quem ganhou. Quem ganhava eram sempre uns leiteirosos. As desforras ficavam logo ali prometidas.

O som dos geradores que forneciam a sempre precária iluminação ouviam-se sem descanso. Os holofotes iluminavam o Quartel em redor, uns cinquenta metros para além do arame farpado.

O Destacamento que servia de casa aos cento e tal homens que compunham a CCS era um rectângulo que tinha a nascente o campo de futebol, a Norte a pista de terra batida onde podiam aterrar avionetas ou helis e a Sul e a Poente éramos rodeados pela povoação.

Foi pois nessa luz pouco precisa, que o Gasolinas (2) viu um estranho movimento de um rebanho de ovelhas e carneiros que, de forma muito ordeira, se estendiam numa linha paralela ao campo de futebol, partindo do lado direito, onde estava o posto de sentinela à frente da oficina da ferrugem, para a esquerda na direcção da bem visível sala da cantina.

O Lourenço periquito (3) que estava de serviço ao mesmo posto, embora fora da sua hora de sentinela, começou a dizer ao atarantado Gasolinas que eram turras, e que fizesse fogo.

Mas o medo do que o Comandante podia fazer a quem desse tiros sem razão era ainda maior e o nosso camarada recusou.

O Lourenço vai ao nosso abrigo, agarra na G3 e corre para o posto, onde tinha presenciado os tais movimentos suspeitos.

Acabo de bater uma carta e nisto, uma rajada de metralhadora soa agressiva. Fiquei tenso, com o coração aos pulos, podia ser engano e alguém ter disparado sem querer. Mas outra rajada e já estou a correr na direcção do meu abrigo. Entro e está o Caramba com os seus quase dois metros, sentado no beliche a rir e a contar entre as gargalhadas, que tinha sido o periquito a dar os tiros e que agora estava lixado com o Comandante (4): “Logo lhe vai passar a vontade de rir.”

Não me convence, estou a pôr as cartucheiras e a pegar na minha G3, pois a minha experiência de andanças pelas companhias operacionais diz-me que ali há coisa da grossa.

Ouve-se a terceira rajada. Os guerrilheiros após a terceira rajada, sentem que foram mesmo descobertos e é nesse momento, que iniciam o ataque. Neste lapso de tempo ainda se começa a ouvir o tenente Raposo (5) a gritar: - “Quem foi a besta que deu os tir…”

Já não se ouve o resto da frase pois as explosões e o matraquear das automáticas abafam a sua voz.

O barulho é ensurdecedor, olho pela fresta do abrigo que está virada para a pista de aviação, meto a espingarda e disparo uma rajada, e acto contínuo uma bola de fogo vem na minha direcção. O Caramba puxa-me para baixo, o RPG explode a poucos centímetros de onde eu tinha feito os disparos, já não ouço nada, estou meio cego pelos clarões, olho para a porta e o que vejo são autênticas cortinas de tracejantes. É necessário sair para a vala e responder ao fogo do inimigo, não sabemos se já há reacção da nossa parte ou não, aqui está a funcionar o nosso instinto de sobrevivência.

O Dias (6) está à minha frente e quando ele salta para fora eu salto de seguida e mergulho de cabeça na trincheira; corremos agachados e espezinho o Borges cozinheiro, que está só em cuecas no fundo da vala.

O cheiro dos explosivos sufoca-nos, disparamos sem cessar mas sem vermos nenhum alvo, a não ser os clarões dos disparos. Dentro da minha cabeça, parece que alguém bate sem parar tampas de panelas.

Os RPG explodem contra os telhados, abrigos e à falta de encontrarem onde bater, explodem no ar, mandando uma chuva de estilhaços para baixo.

Os apontadores do morteiro 81 mm colocado entre o meu abrigo e a messe dos oficiais, fazem finalmente o primeiro disparo, na atrapalhação penso que não tiraram a cavilha do projéctil, mas tiraram dos outros - a provar isso foi o efeito devastador nas árvores que foram atingidas.
Do outro lado do quartel o maqueiro Russo tinha entrado no abrigo do morteiro 60 mm, disparou a primeira granada. Quando constatou que a mesma tinha ultrapassado o quartel e rebentado na orla da mata, disparou sem parar e talvez tenha sido a reacção dele que tenha posto em fuga o inimigo.

A nossa posição tinha sido atingida pelo menos com cinco impactos directos de RPG, o abrigo da metralhadora MG estava destruído, eles vinham bem informados das nossas defesas e posições.

O som das explosões tinha abrandado, só se ouviam as nossa rajadas, as saídas de morteiro e o som cavo do rebentamento no chão das suas granadas.

Nisto, com os faróis acesos na direcção da mata, avança pela pista de aviação um Jeep com o Comandante aos gritos para que parássemos com os tiros, pois o inimigo já tinha retirado. Felizmente não se tinha enganado.

No silêncio e na escuridão olhei para os meus camaradas que estavam na vala, o Caramba, Dias, Piriquito, Ermesinde, todos pensávamos nos mortos que decerto tínhamos a lamentar.

O que se tinha passado tinha sido de uma tal violência, que não podíamos esperar outra coisa. O Pel.Rec. tinha saído em patrulha nocturna. Como normalmente um pelotão era largado ainda de dia, numa zona a seis ou sete quilómetros do Quartel e depois progredia até um ponto pré determinado onde se emboscava.

Fazia parte da segurança, mas no caso envolveu riscos, pois os guerrilheiros meteram-se entre o quartel e o Pelotão no mato e o batimento de zona, podia ter atingido esses nossos camaradas.

Só pensava no que lhes teria acontecido. Na minha confusa cabeça, fervilhava toda a espécie de cenários de catástrofe. O que teria acontecido aos meus colegas de jogo? Passado o combate não conseguia deixar de tremer.

A pouco e pouco tudo volta ao normal na anormalidade que era a nossa situação. Passaram horas e alguém vem informar, que o Pelotão de patrulha está perto do aquartelamento e que é preciso não os confundirmos com o inimigo e começarmos a disparar sobre eles. Temos os nervos em franja e tudo pode acontecer.

Com o passar das horas fico a saber que afinal não tinha morrido ninguém e nem feridos havia, para além de escoriações motivadas pelas aterragens no chão; havia contudo alguns camaradas atingidos com pequenos estilhaços.

Quando finalmente amanheceu, o cenário era de alguma destruição a nível dos telhados. Havia grandes pedaços de metralha espalhados por todo o lado. O meu abrigo tinha vários buracos de granada mas só uma tinha entrado ao nível do tecto cortando, como se cartão fosse, as barras de ferro que o sustinham.

Mortes, só as galinhas do periquito, pois a capoeira tinha desaparecido por completo.

Hoje, quando nos encontramos nos almoços ou noutras ocasiões, vêm sempre à baila estes ou aqueles episódios sobre a nossa permanência em terras da Guiné, mas nunca me esqueço do puxão que o Caramba me deu, nem da coragem do Lourenço periquito, que evitou com o seu acto naquele 1.º de Dezembro, que os nomes de muitos de nós figurassem hoje na listagem de mortos de guerra. Quando acabassem de se posicionar os guerrilheiros teriam feito um autêntico tiro ao alvo com os camaradas que se encontravam na dita cantina.

Anotações do autor:

(1)  Refeitório dos praças.
(2) Gasolinas, alcunha dada ao nosso camarada que era responsável pelos combustíveis. Infelizmente veio a falecer já depois do nosso regresso em acidente de viação.
(3) Periquito, alcunha dada aos soldados maçaricos, da qual o Lourenço nunca se livrou, embora ele só tivesse chegado à nossa companhia, após quatro meses depois de nós.
(4) O Tenente-Coronel José Maria Castro e Lemos era o Comandante de Batalhão.
No dia da nossa chegada a Lisboa após alguma espera, tomou a atitude largamente ovacionada por nós, de nos mandar desembarcar do Niassa, uma vez que por parte das autoridades do regime, nenhuma comissão de boas vindas ao Batalhão se apresentou como era da praxe.
(5) Tenente Raposo, Comandante de Companhia.
(6) Dias, Soldado do Pelotão de Reconhecimento e Informação. que veio a falecer, segundo me disseram, debaixo de um tractor na sua terra natal.


Fotos reproduzidas do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", com a devida vénia.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

P1212: CARNAVAL, NUNCA MAIS!...


O MEU CONTACTO COM O PERIGO

Helder Valério Sousa
A história que quero partilhar convosco hoje não é propriamente o meu “baptismo de fogo”, pois apesar de não ter sido um “operacional”, como sabem, acontecia a muita boa gente na Guiné ser “contemplada” com a diversidade da oferta que generosamente era distribuída por todo o território (não seria certamente por capricho de alguém que toda a “província” era considerada Teatro de Operações.

Chegado a Piche em Dezembro de 1970

Nessa perspectiva, e sem qualquer intuito de me aproximar sequer daquelas situações por que passaram todos os que fizeram patrulhas, emboscadas, assaltos, vigílias, em operações de rotina ou integrados em operações de maior envergadura, da tropa de quadrícula ou de operações especiais, também tive a sensação particular que se tem quando se é alvo de um ataque, quando se ouvem as “saídas” e se espera pelo rebentamento (que se quer longe), quando os segundos parecem minutos, quando a dúvida se instala de modo avassalador (já acabou? ainda não? haverá mais? estes sons agora são dos nossos?, etc.), 

Isto numa situação de absoluta dependência do valor, da coragem e de eficácia da resposta de outros (os “nossos”) pois, não sendo operacional, não tinha local distribuído a não ser tentar garantir que o rádio funcionaria com uma alternativa qualquer, em caso de “força maior”.

Também me integrei em “colunas” para fazer as estradas do leste (Nova Lamego a Piche, o sentido inverso, por Bafatá, Bambadinca, Xime, novamente ida e volta duas vezes), sempre dependente da sorte e da qualidade dos “operacionais”, pois nem sequer tinha arma distribuída. Essas “viagens”, principalmente entre Nova Lamego e Piche, eram sempre um mundo de apreensões, de dúvidas, de angústia, pelo desejo de que acabassem depressa e bem.

Tendo chegado a Piche no início de Dezembro de 1970, salvo erro a 4 ou 5, tive a oportunidade de “saborear” flagelações ainda nesse mês de Dezembro, depois em Janeiro e Fevereiro, ataques com foguetões e morteiros, isto a Piche, em directo, e também ouvir um pouco mais ao longe um ataque a Cambor (em 6 de Janeiro de 71) e a Canquelifá (2 de Fevereiro).

Portanto, já tinha alguma vivência das consequências da vida no “mato”.

Piche, 22 de Fevereiro de 1971

O que quero então agora referir é uma outra situação, passada exactamente nesta mesma data, 22 de Fevereiro, mas em 1971 - portanto há 49 anos - e era também época de Carnaval. Nunca falei disto, a não ser com o meu filho mais velho, um dia destes faz pouco tempo.

Nessa ocasião tinham decidido as “altas esferas” desencadear uma forte operação de artilharia, com bombardeamento das zonas das alegadas bases do IN para lá da fronteira. Para isso concentrariam em Piche uma quantidade apreciável de “obus 14”, força essa que depois se deslocaria até sul de Piche, na margem do Corubal e fariam o seu festival de metralha.

Seriam escoltados e com segurança pela CCAV 2749, salvo erro (do nosso “tertuliano” Luís Borrega (infelizmente já falecido), com quem também estive em Santarém). Era a Companhia pertencente ao BCVA 2922 que estava na sede do referido Batalhão, reforçada pela CART 3332, não me recordo se só com essa finalidade se por outros motivos operacionais - para além, é claro, do pessoal do PELREC Fox de Bafatá, que tinha um Destacamento em Piche.

Tenho também a ideia de que estavam por lá, ou passaram, pára-quedistas que teriam por finalidade tentar explorar as esperadas vantagens resultantes da tal operação de artilharia que iria ter lugar.

O principal problema, em minha opinião, é que alguém se deve ter esquecido de fazer uma “fita de tempos” para a preparação da operação, no CAOP ou lá onde fosse. Ou então as coisas correram mal e pronto!

É que os vários “obus 14” não chegaram a Piche, foram chegando..! Para além dos existentes em Piche, vieram peças de artilharia de Canquelifá, de Sare Uale, de Sare Banda, de outros locais e até de Pirada. A questão é que a meio da tarde da véspera da data da operação chegaram uns, ao fim da tarde outros, ao princípio da noite outros e até no dia seguinte, dia da operação, chegaram os de Pirada, se a memória não me atraiçoa. Ou seja, não houve uma concertação dos meios para mais facilmente se obter o efeito surpresa.

O movimento de tropas era fora do normal e em número elevado, o tipo de equipamentos era não usual, daí que os elementos informadores do PAIGC tivessem podido suspeitar que algo de grande envergadura estaria para acontecer. Convenhamos, dada a natureza dos equipamentos, não seria de estranhar que concluíssem tratar-se de uma operação de bombardeamento, restando-lhes adivinhar exactamente aonde, embora também não devessem ter muitas dúvidas a esse respeito.


A Acção Mabecos, sob o comando do Major Mendes Paulo

No livro do Fernando de Sousa Henriques (“No ocaso da guerra do ultramar”), pertencente a uma Companhia do Batalhão que foi render o BCAV 2922, onde o autor faz a história da sua “viagem” pela vida militar e da sua própria Unidade, há lá uma referência ao acontecimento que tenho estado a relatar.

Essa referência à Acção “MABECOS” dá conta, de forma resumida e com todo o aspecto de ser coligida do registo oficial das operações, do que se passou “na operação”, ou seja, no acto em si. Não refere os antecedentes nem os subsequentes.

No que podemos ler, sabe-se que as forças das NT foram comandadas pelo Major Mendes Paulo (à data oficial de operações do BCAV 2922, homem muito conceituado no seio da Arma de Cavalaria, da confiança do General Comandante-Chefe, falecido em 6 de Setembro de 2006 e autor dum livro intitulado “Elefante Dundum”) e que o IN “composto por brancos e pretos sujeitou as NT a forte emboscada da qual resultou 3 mortos, 1 desaparecido (“apanhado à mão”), 2 feridos graves, 3 feridos ligeiros e a destruição de um Unimog e uma White”, sendo que é indicado terem sido infligidos ao IN 6 mortos e vários feridos.

A questão é que “antes” também ocorreram problemas. Com a situação que descrevi de estarem no mesmo aquartelamento muitos mais militares do que estavam normalmente e, tendo em conta que não houve um ritmo sequencial para as diferentes fases da operação (pela tal situação de “irem chegando” os meios), criaram-se alguns atritos entre as “altas esferas” no local, com uns a alegarem que as condições estavam deterioradas (pela falta do elemento surpresa, que já não o era) e outros a insistirem que a operação deveria avançar logo que estivessem todos os meios previstos.

Um grave acidente, no aquartelamento, provocando uma série de feridos graves

Esta situação, que para alguns foi presenciada “in loco” e para outros, onde eu me incluo, foi o de “ouvir dizer”, gerou um conjunto de ordens e contra ordens com o pessoal a ser mandado equipar para seguir para a operação, depois a ser mandado desequipar, novamente a equipar, novamente a aguardar, sem desequipar, numa caserna, que seria a da Companhia local e onde estava “a monte” todo o pessoal incluindo agora também a CART 3332.

É quando nessa situação há nova ordem para avançar que, dentro da caserna, alguém deixa cair qualquer coisa que deflagra, com um estrondo enorme, ouvem-se de imediato gritos e mais rebentamentos e mais gritos, coisas que deflagram por “simpatia”, balas que são disparadas, enfim, um inferno.

Imediatamente, alguns elementos que estavam fora da caserna, três ou quatro, entre os quais eu me incluia (tinha acabado de almoçar e estava na conversa no alpendre da messe de oficiais e sargentos, mesmo ao lado da caserna onde ocorreu o acidente), corremos e entrámos no local sinistrado para (sabia lá para quê!) retirar de lá os feridos que não conseguiam sair por si.

Recordo-me que ajudei a segurar pelas pernas um militar que parecia mal, estava a ser segurado pelos braços pelo Cap Pissarra, da CCAV 2749, arrastando-o para o exterior e lembro-me de ouvir silvos à volta da cabeça. Deixando-o o chão, no exterior, voltámos a ajudar outros a sair até que a coisa acalmou.

Nessa ocasião, quando a tensão principal afrouxou, o cheiro a pólvora e a sangue, a poeira levantada no ar e com as mãos com um líquido viscoso, quente e avermelhado, deram-me volta ao estômago e acabei por vomitar o almoço na vala ali mesmo ao lado. Nessa altura tive vergonha dessa “fraqueza” mas hoje vivo bem com isso, afinal eu não tinha treino de “operacional”!

O resultado desse grave incidente foram vários feridos, tanto quanto me lembro 4 com gravidade, evacuados por meios aéreos que se pediram e utilizando também uma DO que estava na pista. Houve mais cerca de uma dezena de outros elementos que ficaram com ferimentos ligeiros, salvo erro todos da CART 3332 que, como se pode imaginar, ainda antes da operação já estava com a moral “bastante elevada”.

Foi no seguimento da confusão gerada, com as evacuações dos feridos e o reagrupamento das forças físicas e mentais para se iniciar a operação, que se constou que tinha sido pedido para que a DO destinada ao “Comando aéreo” fizesse um voo de reconhecimento mas, constou também, não posso confirmar, que isso foi negado.

Constou ainda que foi sob protesto que o Major Mendes Paulo assentou dar o início à coluna. Já se sabe que a mesma foi fortemente emboscada (está no relato do livro do Fernando de S. Henriques) só que reconhecimentos posteriores confirmaram que não só aquele trilho por onde a coluna seguiu como também os outros dois possíveis estavam emboscados, através de sinais que puderam ser detectados. Quer dizer, se tivesse havido reconhecimento aéreo talvez tivesse sido possível evitar a emboscada.

Um major que arranca os galões e que se tranca no quarto… 
...até o Com-Chefe, dois dias depois, o demover

Da operação propriamente dita já se sabe o que consta dos registos mas se já falei do “antes”, houve também um “depois”.

É que no regresso, o Major Mendes Paulo de forma deliberada, ostensiva e quase até teatral, arrancou os seus galões e deitou-os num caixote que se encontrava à porta do seu quarto, recusando-se a sair de lá e a comer, até que alguém com responsabilidades superiores fosse lá falar com ele.

E não é que 2 dias depois o Comandante-Chefe, Sr. General A. Spínola (himself) apareceu por lá vindo do céu para conversar com o Sr. Major (e não só), acabando por “convencê-lo” a terminar a atitude de rebelião e a retomar as funções? Pois foi isso mesmo!

Entretanto, nesses dias que se seguiram ao regresso da operação, a força anímica da maioria do pessoal estava um tanto abalada, o que parece natural, com tudo o que se tinha passado. Os calmantes esgotaram-se e eu próprio cheguei a ajudar o Fur Enfermeiro Santana a dar “genéricos de ocasião” (ou seja, os “valium” tinham-se acabado mas sempre havia aqueles comprimidos de sal que se colocavam na água e que para quem não estava no seu perfeito entendimento serviam mesmo de calmante).

Foi desse modo que consegui que o meu amigo Fur Centeno (homem do Porto, familiar de um vulto da cultura portuense, e não só, Ivete Centeno, e pertencente aos elementos que operavam a artilharia de Piche) ficasse mais calmo pois, obviamente, o remédio que eu lhe estava a dar só podia ter esse efeito...

Tudo isto aconteceu enquanto em Portugal se brincava ao Carnaval. É claro que a festa em si não teve culpa, e até já nessa altura havia um escrito dum alegre poeta, que tinha estado em Angola, que dizia “… em Portugal, na mesma, isto é, a vida corre!”, a propósito da contradição sentida pela vida que se levava nas zonas de combate e a vivida no que se suporia ser a “retaguarda”.

Mas é claro que, para mim, brincar no Carnaval foi coisa que nunca mais me passou pela cabeça. Nem gosto, vá lá saber-se porquê!

Também não é menos verdade que, hoje em dia, friamente, se pode questionar da sanidade mental de quem se “atira” literalmente para uma zona de “inferno na terra” mas, sinceramente, naquelas ocasiões não se pensa, age-se e reage-se. Podia-se ficar paralisado, tolhido, acobardado, esconder na vala ou mesmo fugir para qualquer lado longe do problema mas não foi isso que fiz, o instinto de solidariedade que cultivava e ainda cultivo (apesar de tudo) foi mais forte que o instinto de sobrevivência - e disso também não me envergonho. Simplesmente tive sorte, ou fui contemplado com a protecção divina.

Não será o mais apropriado para enquadrar na série “o meu baptismo de fogo”, mas pode servir.

Um abraço e bom Carnaval, para vocês!

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

P1207: REVISTA "KARAS" DE FEVEREIRO

Ainda cedinho, uns vindos de Lisboa, outros do Porto, já o grupo inscrito pelo Manuel Ferreira da Silva (da AAA de Bor) ocupava as mesas da esplanada da frente do Café Central. Vemos aqui o Joaquim Vieira, Alírio Amorim, Manuel Teixeira e Luís Uva.
Entretanto o Manuel Ferreira da Silva aproveitava para pôr a conversa em dia com o Joaquim Amorim, por ele inscrito. Afinal, contactos só pelo telefone ou e-mail, que um mora em Lisboa e o outro no Porto...
Outros aproveitavam o sol exterior, como é o caso do Vitor Caseiro, aqui no meio do Juvenal Amado e do Almiro Gonçalves.
E no bar do café outros iam em busca de um cafezinho, que o almoço ainda demorava um pouco. O Paulo Moreno tem aproveitado o actual horário rotativo de que dispõe no seu trabalho para tentar estar presente nos nossos convívios. E o pessoal só tem a lucrar com isso, que muitas das fotografias que aqui vêm são da sua autoria... Aqui trocando impressões com o Manuel Frazão Vieira que, mais uma vez, não teve oportunidade de rever o "seu" Capitão Vasco da Gama. Pode ser que para a próxima...
Não, o Miguel Pessoa não está a pintar um modelo à escala... O avião, uma miniatura dum F-86, pertence ao Paulo Moreno, que montou o modelo e pediu a pilotos seus conhecidos que tivessem voado aquele modelo de avião que inscrevessem a sua assinatura na miniatura. Já lá estava a do Fernando Moutinho, agora foi a vez do Miguel Pessoa e é melhor aproveitar e arranjar rapidamente mais umas assinaturas, que esses pilotos já não se fabricam há uns tempos...
O grupo de Aveiro desta vez vinha completo. Pelo sim pelo não o Miguel Pessoa foi à mesa contar as cabeças e conferiu - Carlos Augusto Pinheiro, José Luís Malaquias, Carlos Prata e Manuel Reis, a tripulação completa do táxi de Aveiro...
Um dos fundadores da Tabanca do Centro, o Juvenal Amado, não quis deixar de estar presente no 10º aniversário da sua/nossa Tabanca, e veio de Lisboa com o Miguel Pessoa. O Artur Soares deslocou-se da Figueira da Foz, enquanto o Almiro Gonçalves jogava em casa, pois só tem que se deslocar meia dúzia de quilómetros...
O grupo de Torres Novas tem jogado desfalcado do Lúcio Vieira, a contas com problemas de saúde. Vemos os três remanescentes - o Manuel Ramos, Carlos Pinheiro e Alexandre Fanha - a que se junta aqui o Carlos Morte, retornado após alguns meses de afastamento.
O Jorge Lima Basto e o Júlio Pereira costumam vir juntos de Lisboa, tendo ainda por hábito na deslocação visitar a loja do Paulo Moreno na Marinha Grande. Apreciadores do material produzido pelo Paulo, observam com atenção uma oferta deste para a Giselda, um emblema de pano com o perfil do AL-III, uma aeronave que foi palco de muitas das evacuações por ela feitas na Guiné. 
O Carlos Santos, para além do grupo que habitualmente inscreve, trazia desta vez um estreante, o Carlos Pereira.
O Joaquim Espírito Santo Oliveira e o José Luís Rodrigues à conversa com o Carlos Santos e o Carlos Pereira. Até nos admiramos de ver o José Luís sentado, ele que passa o período da concentração de pé, provavelmente para crescer ainda mais um bocadinho...
A Isabel Gaspar e a Giselda são presença habitual nos convívios e aproveitam para pôr a conversa em dia. Certamente falaram das mazelas do Agostinho nestes últimos dias antes do encontro. Sorte para o editor da revista ele já se sentir em condições de estar presente, pois tinha ficado a promessa de lhe levar o almoço a casa se ele estivesse de cama... (Só se aplica a quem é totalista!)
Já é hábito o Manuel Frazão Vieira inscrever igualmente o Benjamim Mira Dinis. Os dois trocam aqui impressões com o Miguel Pessoa.
Um grupo directamente ligado ao núcleo de Leiria da Liga de Combatentes - Jorge Paulo Marto Silva, Lurdes Machado e Mário Ley Garcia.
O José Luís Rodrigues não podia faltar. Desde que apareceu pela primeira vez não nos lembramos de ele ter faltado a algum convívio, sendo sempre dos primeiros a inscrever-se. E o Almiro Gonçalves vai pelo mesmo caminho! Bom, quanto ao Artur Soares, vai aparecendo, embora com menos regularidade.
O Carlos Cordeiro inscreveu também o José Salgueiro, que podem ver numa outra foto. Aqui com o António Sousa, que parece ter debelado os problemas de saúde que o impediram de estar presente em alguns convívios.
Aproximavam-se as 13H30, tempo de posar para a habitual  foto de grupo, e o pessoal lá começa a dirigir-se para o passeio junto à fachada do Café Central. É sempre difícil  empurrar o pessoal para o sítio da fotografia - uns chegam atrasados à foto, outros baldam-se cedo demais...
Para se ver melhor a fisionomia dos retratados, resolvemos dividir a chapa em duas, Como é habitual falta sempre gente - dos 44 participantes, nesta foto só juntámos 38. Dos que faltam, dois até são os fotógrafos...
E iniciava-se a debandada em direcção ao local do almoço. Ajudados pela fomeca e pelo declive da rampa que desce até à entrada, o percurso desde o Café Central faz-se num instante...
À chegada é o granel do costume enquanto o pessoal procura um local para se sentar.
Mas rapidamente a situação acalma e tudo fica a postos para a chegada do petisco. E a D. Preciosa e a D. Dulce lá estão prontas para apoiar os mastigadores.
Os três do grupo de Torres Novas - Alexandre Fanha, Carlos Pinheiro e Manuel Ramos - numa mesa em que têm a companhia do José Salgueiro, António Sousa e, lá ao fundo, o regressado Carlos Morte.
O casal Almiro Gonçalves/Amélia Gonçalves, presença garantida nos nossos convívios. E do núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, a Lurdes Machado e o Jorge Paulo Marto Silva. Ao fundo podemos ainda ver o José Luís Malaquias e o José Luís Rodrigues.
O JERO e o Mário Ley Garcia faziam companhia ao Miguel Pessoa na mesa.
E a família Gaspar não pôde contar com a companhia habitual do Luís Branquinho Crespo, retido no leito do Hospital de Leiria com problemas de súde. Os nossos votos de rápido restabelecimento a este nosso camarada.
Ao fundo ainda podemos ver o Manuel Ferreira da Silva e o Joaquim Vieira, em conversa com a Giselda.
O Juvenal Amado não podia faltar ao aniversário da Tabanca do Centro. Vemo-lo acompanhado do Joaquim Espírito Santo Oliveira e dos dois camaradas habitualmente inscritos pelo Carlos Santos - Joaquim Sousa e Joaquim Rolo.
Do outro lado um dos nossos tesoureiros, o Carlos Oliveira, acompanhado do estreante Carlos Pereira, trazido pelo Carlos Santos.
Estava na hora de fechar a loja e era preciso pôr as contas em dia com a D. Preciosa. O tesoureiro-mor Vitor Caseiro confere as entradas com os adjuntos Carlos Santos e Carlos Oliveira - 44 pagantes e mais uns euros a juntar para uma futura ajuda a algum combatente mais carenciado.