segunda-feira, 31 de maio de 2021

P1295: UM TESTE EXAUSTIVO

 UM RELÓGIO À PROVA DE CHOQUE

Pouco antes de rumar à Guiné, comprei um relógio de pulso para me orientar no tempo por terras de África. Não tinha a veleidade de, como certos “rambos”, conseguir saber as horas pelo sol!!!!

O relógio era um Kienzle, muito simples, e segundo “rezavam” as instruções, à prova de choque.

A verdade é que o dito cujo lá foi fazendo a Comissão no meu pulso, com quedas, saltos, “mergulhos” forçados em águas estranhas, pancadas daqui e dacolá e sempre resistindo e dando as horas em bom estado e quase sempre certas.

Não sei precisar se foi já no fim da Comissão ou durante uma estadia em Bissau para visitar a psiquiatria, (um dia também conto essa história), encontrei um grande amigo meu de Lisboa, que tinha sido mobilizado para a Guiné, e estava no Grupo de Artilharia de Bissau, acho que era assim que se chamava.

Era um amigo do tempo dos copos e das touradas e, portanto, quando nos encontrámos logo se combinou uma noite de copos que acabou nas instalações do tal Grupo de Artilharia.

Os álcoois começaram a falar mais alto, e a dada altura alguém chamou a atenção para o seu relógio, que era isto, aquilo e aqueloutro, ao que eu, obviamente, contrapus que o meu é que era bom e até à prova de choque.

Claro que foi necessário provar a qualidade do mesmo e tirando-o do pulso deixei-o cair no chão, tendo o “aparelhómetro” continuado a trabalhar sem problemas.

Logo disseram os outros que assim era fácil, que só o tinha deixado cair, e que, por isso, tinha que ser atirado com alguma força para se provar a resistência do mesmo.

Claro que de imediato atirei o relógio ao chão com alguma força, mas o desgraçado continuou a trabalhar!

Estava provada a sua resistência, mas o álcool falou mais alto e, assim sendo, atirei-o contra a parede com alguma força e … continuou a trabalhar!!!

Ora não havia de ser um “relogiozeco” qualquer que havia de vencer um “corajoso guerreiro” como eu e, por isso, tomando balanço com o braço, aí vai o relógio contra a parede outra vez. Saltaram algumas peças do relógio, pois claro, e o gajo deixou mesmo de trabalhar!

Conclusão: Afinal a maquineta não era nada à prova de choque, como tinha sido perfeitamente demonstrado!!!!

Publicidade enganosa, claro!!!!

Joaquim Mexia Alves

segunda-feira, 24 de maio de 2021

P1294: COM UMA PERNA ÀS COSTAS...

 PRENDA DE ANIVERSÁRIO “ORIGINAL”

Nem sei bem porquê, mas hoje veio-me à lembrança uma situação ocorrida na terça-feira dia 3 de Outubro de 1967, dia do meu 19º aniversário.

Bem, “não saber” não é bem verdade, pois estando a remexer em coisas antigas encontrei uma foto mais ou menos dessa data (que junto em anexo, embora seja de 1968) e depois sim, foi fácil associar ideias.

O que se passou foi muito simples. Vivia em Vila Franca de Xira e “vivia” os seus ambientes. Por lá existe um evento chamado “Feira de Outubro” que acontece a partir do primeiro domingo desse mês, sendo que nesse ano de 1967 o dia 1 de Outubro, início da Feira, foi ao domingo. 

Na Feira acontecia o que ocorria em muitas outras terras, com exposição e venda de artigos variados, loiças, roupas, brinquedos, etc., com carrocéis, pistas de “carrinhos de choque”, Circo, “poço da morte”, etc. e, por se estar em pleno coração do Ribatejo, o toiro ocupava lugar de destaque, quer pelas “corridas de toiros” quer também, de modo a poder proporcionar uma maior participação popular, pelas “esperas” seguidas das “largadas”.

Sim, eu sei que, hoje por hoje, a questão “toiros” transformou-se num “cavalo de batalha” de muitos “urbano-depressivos” que encontraram na oposição à “festa dos toiros” uma “questão fracturante”, com a qual procuram ganhar adeptos, mas esta polémica não cabe aqui e agora, tanto mais que me estou a referir a um acontecimento já velho de 53 anos, portanto não seria honesto apreciá-lo e/ou criticá-lo à luz de (pre)conceitos atuais.

Acontece então que nesse dia, talvez com alguma euforia pelos meus 19 anos, e provavelmente “convencido da invencibilidade” que a adolescência muitas vezes nos induz, também me encontrava na rua, “brincando” com os toiros. Por norma não me afoitava muito, permanecendo a uma distância que considerava segura para percorrer, em fuga, o espaço até um abrigo.

E assim também sucedeu. O problema é que, por um lado, ou não estava realmente à distância segura, ou a minha rapidez foi menor que a do “bichinho”. No entanto o problema foram as calças…

À data, as “calças de ganga” que tinha não eram dessas atuais “jeans” maleáveis, eram de material bem mais rijo e por isso, quando em corrida acelerada, pois estava perto de mais do toiro, procurei entrar lateralmente numa “tranqueira” (elemento vedante da rua por onde não se quer que o toiro circule e construída por grossas tábuas de madeira horizontais e também verticais) consegui entrar com o meu lado direito do corpo mas a carcela da braguilha ficou presa numa dessa tábuas, originando que a perna esquerda ficasse do lado de fora, exposta ao que pudesse acontecer.

E aconteceu!

Vá lá! Este não era o Hélder Sousa...
O “bichinho” vinha em grande velocidade, em cima de mim, mas quando passou felizmente que não deu com o “piton” (a ponta do corno) mas sim uma “tarrascada” (pancada com a parte de fora da haste/corno) com violência, mas seguindo a sua corrida em busca de outros vultos.

Na ocasião não dei “parte de fraco”, ainda estava “quente”, mas depois a “coisa” ficou vermelha, depois negra, amarela, mas com os dias (e uma pomada) lá voltou ao “normal”.

Muitas vezes ouvia os mais velhos a dizerem, “vai mudar o tempo, os meus ossos estão a dar sinal” e eu achava que isso eram tretas. 

Posso dizer que não senhor, não eram. Nos dias de hoje posso dar testemunho da veracidade dessa afirmação, já que a “perninha” me dá sinal das mudanças que irão ocorrer proximamente.

Em traços gerais, foi isto, e foi assim que “ganhei” uma prenda de aniversário especial, se bem que praticamente ninguém ficasse a saber!     

Hélder Sousa

Fur. Mil. Transmissões TSF

segunda-feira, 17 de maio de 2021

P1293: DO BAÚ DOS TESOURINHOS ESQUECIDOS...

UM AEROGRAMA ESPECIAL

Foi recentemente que, ao investigar o conteúdo de uma caixa há muito esquecida, encontrei este aerograma que no Natal de 1972 despachei para casa dos meus pais. Não me lembro de ter enviado muitos aerogramas à família; e neste, como poderão observar, também não são dadas notícias para os tranquilizar – limitei-me a utilizar algum jeito que tinha para o desenho e inventei um postal de Boas Festas que enviei para o meu irmão.

Solteiro e despreocupado na altura, reconheço hoje que não tive para com a família o cuidado de manter com eles um contacto que hoje, como pai preocupado com o bem-estar dos filhos, considero essencial para a minha paz de espírito. Mas erros são cometidos, e temos que viver com eles…

No destinatário  é curiosa a referência ao meu irmão como “Menino”, mas temos que ter em consideração que embora eu tivesse 26 anos, o meu irmão tinha menos 21 anos do que eu…

Só depois de rever o aerograma é que certos pormenores foram relembrados, tais como o código postal da casa dos meus pais em Benfica (Lisboa-4) e o código postal do SPM da Base de Bissalanca (SPM 0828).

Lamento a falta de qualidade do material apresentado, pois não me foi possível digitalizar o aerograma, tendo-me socorrido da máquina fotográfica para a sua reprodução. Mas não quis deixar de partilhar convosco esta lembrança...

Miguel Pessoa



PS - O Pateta que vai a pilotar o avião não foi escolhido por acaso - ele é a figura central do emblema do meu curso de pilotagem - "Turbilhões" - emblema esse que também foi desenhado por mim quatro anos antes...

segunda-feira, 10 de maio de 2021

P1292: SEPARAÇÃO


Palavras do Juvenal Amado:

Cá vai mais uma pequena estória, embora uma ficção, que se repetiu vezes sem conta ao longo dos anos de Guerra.
Como digo na introdução, em que falo de dois casos reais, ela surge da correspondência mantida com o nosso camarada Vasco Joaquim. Ele pertenceu ao BCAÇ 2912, que nós fomos render.
Um abraço a todos os camaradas.
Juvenal Amado

ADEUS, ATÉ AO MEU REGRESSO

Introdução

Casado desde os vinte anos, ela com dezoito e após 40 anos de matrimónio, já com cinco filhos, a forma como o Vasco Joaquim fala do grande sofrimento que foi a separação durante os anos que esteve na Guiné, mais precisamente em Galomaro, (BCAÇ 2912 de 1970 a 1972), é elucidativa do drama que o atingiu com a separação.

Também me levou a recordar uma situação passada com o meu camarada Lourenço Periquito, que também já era casado e tinha um filho quando embarcou para a Guiné.

O Lourenço todos os dias escrevia e recebia carta da mulher. A dada altura essa corrente de escrita quebrou-se, pois o nosso camarada deixou de receber as cartas da esposa. O nosso camarada estranhou, mas lá ficou esperando sem dizer nada a ninguém.

Os dias e as semanas foram passando, o correio não chegava. O desespero levou a umas cervejas a mais, o nosso camarada soltou o seu drama dando largas à sua dor.

Falou-se com o Comandante e a partir daí, logo ele recebeu notícias de casa. Também a esposa estava aflita, pois não sabia como contactar o marido (Os telemóveis só chegariam muitos anos depois).

O incidente foi motivado pelo facto de o carteiro que fazia aquela zona ter ido de férias e o que o substituiu nunca ter levantado o correio da caixa que ficava no pequeno povoado.

O Lourenço recebeu de uma só vez a correspondência de quase um mês, e era vê-lo devorar as cartas com a felicidade estampada no rosto.

Embora esta estória tenha sido gerada pelo testemunho do nosso camarada Vasco - que confidenciou que tanto ele como a esposa, numeravam os aerogramas para terem a certeza que não perdiam nenhum - é intenção minha dedicá-la a todos os que viveram situações semelhantes.

Os dois casos acabaram por ter um final feliz.

ADEUS, ATÉ AO MEU REGRESSO

(Mais uma estória de amor)

Olho os teus cabelos espalhados na almofada.
Nunca te disse quanto te amo. Na penumbra, o meu olhar desce pela curva do pescoço, ombros até ao arredondado dos seios. Finalmente adormeceste, após a longa vigília que prolongou o amor feito de desespero e ansiedade, pela partida próxima.

O teu corpo nú, encostado ao meu, tão perto da despedida. Acaricio-te a pele macia, mexes-te ligeiramente sem acordar. Volto a olhar a curva do teu rosto sereno, de vez em quando atravessado por um leve franzir, como se uma preocupação teimasse em não desaparecer.

Algumas horas nos separaram dos dois anos em que possivelmente nunca nos veremos. Antevejo a dolorosa despedida, não com um até já ou um até logo, mas sim com um até qualquer dia.

Acordo-te suavemente. Abres os olhos e sorris, mas logo o sorriso é substituído pelo pânico: - “Já está na hora?” - Perguntas aflita.

- “Sim tenho que me preparar, não posso perder o comboio” - respondo.

Tinha sido um acto de loucura termo-nos casado antes de eu ter sido mobilizado. Nem casa tínhamos, por isso o termos ficado em casa dos meus pais, ocupando o meu quarto de solteiro, rodeados dos meus livros e discos.

Depois da minha partida, voltará para casa dos pais dela, onde se sentirá mais apoiada. São tempos conturbados estes. O nosso horizonte é limitado pelo fantasma da guerra.

Aquele trocar de olhares no baile, o convite mudo para dançar, fez-me ficar preso à tua juventude e guardá-la para mim, nesse momento único.

Beijámo-nos sem parar. Os lábios sabem a sal. - “Vou-te escrever todos os dias”.

Os sacos pesam como chumbo, ou se calhar são os meus braços que os não aguentam. A despedida é mais violenta que eu alguma vez imaginei.

- “Não chores. Não quero guardar de ti esta ultima imagem”.

- “Todos os dias quero receber carta tua e eu todos os dias te respondo. Prometes?

- “Prometo” - respondo, não conseguindo afastar-me daquele abraço.

Fica à porta, parece mais pequena. Está frio, mas não parece dar por ele. Terei esta imagem dela no combóio, nas árvores, nos rios, nas nuvens e nos momentos de solidão.

Desejarei tê-la comigo ao deitar e ao acordar. A saudade vai-me perseguir cada dia e cada hora até ao intolerável.

O navio já está à espera no Cais. O Tejo está cinzento e um manto de neblina paira sobre ele. A cidade dorme.

Não avisei do dia do embarque. Não seria capaz de suportar outra despedida.

Entro para o barco, estou cheio de frio, não têm conta os cigarros que acendi. Olho para o Cais. Há muitos familiares dos meus camaradas. Foram mais corajosos do que eu…

O barco parece estar inclinado, pois todos nos agrupamos do lado do Cais. Ouvem-se as sirenes e aqueles cabos que ainda nos ligavam a terra já estão soltos. Os gritos e os assobios dos meus camaradas enganam a angústia que todos sentem.

Muitos dos pais vieram a Lisboa pela primeira vez. Uma ocasião para ser recordada pela tristeza.

Vejo o teu rosto em todas as jovens que se despedem com lenços a acenar. 
Também eu aceno, despeço-me de ti em todas elas.

- “Adeus, até ao meu regresso, meu amor”.
Juvenal Amado

segunda-feira, 3 de maio de 2021

P1291: PRIVILÉGIOS ANTIGOS...

 A REFORMA AGRÁRIA NO

REINO DA SUÉCIA

                                            Caros camaradas

Não sei se terá qualquer interesse para os seguidores dos blogues de ex-combatentes mas de qualquer modo mostra outras facetas da tão mitológica Suécia, talvez inesperadas para muitos.

Consultando-se as estatísticas oficiais, registos prediais e arquivos agrários actuais verifica-se que um grande número de proprietários agrícolas de origem aristocrática vive ainda em palácios e administra as vastas propriedades dos seus antepassados, a maioria das quais adquiridas nos séculos XVII e XVIII.

Propriedades então adquiridas livres de impostos ou resultantes de convenientes casamentos entre ricas famílias nobres.

Ao contrário das ideias hoje existentes de que as grandes propriedades agrícolas não são rendáveis ou se encontram em inexorável decadência, verifica-se que na Suécia formam um importante grupo, resistente, activo e inteligente - tanto administrativamente como na área jurídica.

Estes aristocratas da lavoura constituem um fortíssimo grupo de influência junto dos centros políticos de decisão.

Nas áreas geográficas com melhores condições agrícolas, centro e sul, estão bem no topo das listas quanto à extensão das suas propriedades.

Na zona centro -norte possuem mais de 400.000 hectares e no total estão registados mais de 750.000 hectares.

Estes números são ainda mais significativos se tivermos em conta que a classe nobre não representa hoje mais que 2,5 (não por cento mas por mil!) da população sueca.

Equivalente às antigas leis do “Morgadio” em Portugal, tem na Suécia o nome de “Fideicomisso”, segundo a qual, de acordo com tradição importada das tradições germânicas por altura da guerra dos trinta anos, as propriedades deverão ser unicamente herdadas pelo filho varão mais velho.

Estas leis terminaram em França aquando da Revolução em 1792. Um século depois a Holanda, Bélgica, Espanha e Portugal terminaram também com as mesmas (1830-1840). Em 1810 legislou-se na Suécia o fim dos “Morgadios”… mas mantiveram-se (!) todos os até então existentes.

Depois de inúmeras voltas e reviravoltas parlamentares sem resultados radicais chega-se a 1930 e à política social-democrata quanto às modernas formas agrícolas. Mas em 1959 continuam a existir cento e onze famílias nobres abrangidas pelas leis dos “Morgadios”.

No início dos anos sessenta volta ao Parlamento uma moção segundo a qual estas leis deveriam deixar de existir, por privilegiarem uma classe social, em contradição com os direitos de todos os cidadãos de igualdade perante a lei.

Em 1964 (!) foi decidido no Parlamento que estes direitos dos morgados terminarão quando do falecimento dos actuais detentores .

O morgado passa a ter direito a metade da herança total, enquanto a outra metade fica sujeita às regras relativas às heranças.

No entanto, o morgado além do direito à metade tem também direito à sua parte quanto à divisão da outra metade.

A lei é específica nestas regras. Diz textualmente que deverá ser levado em conta o facto de o “morgado” ter sido até então “preparado“ para uma vida tradicional como herdeiro único. (Quase incrível!)

Em 1994 surge nova oportunidade para os “Morgados” circundarem as novas leis.

Surgem as directivas sobre as garantias de preservação da Herança Cultural ligada aos palácios de famílias nobres, obras de arte e propriedades familiares históricas.

Baseando-se na SOU-1995:128, comissões culturais a nível estatal passam a analisar os requisitos necessários para que estas famílias continuem a dispor dos privilégios anteriormente estabelecidos.

Surge então, não uma nova legislação, mas antes uma nova interpretação da mesma!... O resultado é uma nova legitimação que vai inteiramente ao encontro dos interesses deste grupo.

Nos tempos de hoje, esta continuada procura de afastamento dos herdeiros “femininos” destas muito consideráveis fortunas mais não é que uma reminiscência feudal que, mais de 40 anos depois das moções dos anos sessenta, continua a existir ao longo de sucessivos governos social-democratas.

Pragmatismos…

Os mesmos pragmatismos que levam a que os mesmos sucessivos (!) governos não cumpram o estabelecido no seu programa partidário, onde está escrito como objectivo a eliminação da monarquia.

Inquéritos à opinião pública em anos sucessivos mostram claramente que a percentagem de cidadãos que desejam manter a Casa Real é sempre superior a 80%.

Comparada com as percentagens de votos partidários de cerca de 30% no máximo, compreendem-se os pragmatismos!...

Um abraço do

José Belo