quarta-feira, 29 de abril de 2015

P646: UM VÍDEO QUE ENCERRA A NOSSA HISTÓRIA

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O Miguel Pessoa enviou-me o vídeo acima, pedindo a minha opinião sobre a sua publicação neste espaço da Tabanca do Centro.

Não precisava de escrever mais nada, a não ser que, quando vi o vídeo me vieram as lágrimas aos olhos.

Curiosamente naquele momento senti-me honrado, (eu e os meus camarigos), por aquela família, por aquele militar, por aquela empregada do café.

Tenho para mim que uma das coisas que mais me doem neste facto de ser combatente, é a indiferença, e até por vezes o desprezo, por vezes tão retratado na forma como a nossa história é contada, sobretudo aos mais novos.

Já passou muito tempo, e era bom que se percebesse que os militares, milicianos ou profissionais, não servem regimes, nem políticas, servem as suas nações, às vezes até mesmo não concordando com a missão que lhes é dada.

Não vou aqui repetir as inúmeras queixas sobre o modo como nós combatentes, fomos e somos tratados, pelos nossos governos e até por alguns cidadãos.

Prefiro, perante este vídeo, agradecer a todas as portuguesas e portugueses, que longe de querelas políticas ou de qualquer outro tipo, reconhecem o esforço inaudito da nossa geração na guerra que Portugal travou em África.

Monte Real, 29 de Abril de 2015
Joaquim Mexia Alves

Nota:
Peço encarecidamente a todos os que queiram comentar, que se abstenham de polémicas de qualquer tipo.


O vídeo é demasiado tocante e por isso deve ser vivido em paz e tranquilidade.
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domingo, 26 de abril de 2015

P645: UMA ESTREIA NA TABANCA DO CENTRO

Com a devida vénia ao site "Dos Veteranos da Guerra do Ultramar" (ver em http://ultramar.terraweb.biz/Memoriais_concelhos_Pombal_Abiul.htm) e ao autor do texto, apresentamos imagens já algo datadas, de Agosto de 2012, referentes a uma cerimónia de homenagem aos combatentes da freguesia de onde é natural o autor e nosso camarigo Manuel Ferreira da Silva, uma recente "aquisição" para a Tabanca do Centro, presente no nosso recente convívio de 27 de Março.

Embora datado, como já referimos, este texto serve como apresentação deste nosso camarada ao grupo, estando previstas futuras contribuições do nosso camarigo Ferreira da Silva relatando a sua vivência na Guiné no período de DEZ1971/NOV1973. Lembramos que ele passou durante aquele período por Bolama e Gadamael.


Homenagem aos Combatentes da
Freguesia de Abiul - Pombal


Caros amigos
Realizou-se no dia 11 de Agosto [de 2012] em Abiul (Pombal) uma Homenagem aos Combatentes da minha Freguesia, que incluiu a inauguração de um monumento com os nomes de todos os participantes na Guerra do Ultramar.
Estiveram presentes as entidades oficiais e delegações da Liga e Associações de Combatentes.
Julga-se um exemplo a seguir, pois fomos a melhor geração depois dos Descobrimentos, e a justiça deve ser feita também na Terra.
Um abraço.
Ferreira da Silva


Monumento inaugurado no dia 11 de Agosto de 2012




Imagens de Manuel Ferreira da Silva, publicadas em
http://ultramar.terraweb.biz/Memoriais_concelhos_Pombal_Abiul.htm

terça-feira, 21 de abril de 2015

P643: X Encontro da Tabanca Grande - Monte Real, 18 de Abril de 2015

Muitos dos habituais participantes nos encontros da Tabanca do Centro estiveram agora igualmente presentes no X Encontro Nacional da Tabanca Grande (Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné). Deixamos-vos aqui um slideshow de fotos tiradas pelo Miguel Pessoa, participante neste Encontro, que decorreu no passado dia 18 de Abril em Monte Real, no Monte Real Palace Hotel.
Contamos publicar brevemente a revista "Karas" de Abril, igualmente dedicada a este evento.

domingo, 19 de abril de 2015

P642: NOVA TERTÚLIA EM LEIRIA

Ao pessoal interessado em assistir a mais uma sessão das II Tertúlias "A História Somos Nós" lembramos que irá realizar-se a terceira sessão deste ano no próximo dia 24 de Abril pelas 18H00. Como normalmente realizar-se-á nas instalações da Livraria Arquivo e é dedicada ao tema "Sistema de Ensino", contando com a presença do Cap. Lourenço Faria, Professora Ana Fleming, Professora Purificação Ferreira, Professor Borges da Cunha e Professora Clementina Henriques (moderadora).

É uma organização da Livraria Arquivo em conjunto com o Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes e tem o apoio do Jornal de Leiria. A entrada é livre.


Este ano estão ainda previstas mais duas sessões:

4ª sessão: 29MAI2015 - Missões de voluntariado

5ª sessão: 26JUN2015 - A guerra colonial na imprensa nacional e local

Localização da Livraria Arquivo: Avª dos Combatentes da Grande Guerra, nº 53, em Leiria



sexta-feira, 17 de abril de 2015

P641: Do Manuel Kambuta Lopes

RELATOS DE UMA MADRINHA DE GUERRA


 Eram oito e meia da manhã quando saí de casa para fazer a minha habitual caminhada. Comecei sem pensar no percurso que ia fazer; como sempre, nunca faço a minha caminhada madrugadora dois dias seguidos pelo mesmo percurso.

Tinha pensado fazer a passeata atravessando a minha linda vila de Monte Real, percurso que adoro fazer pois encontro sempre pessoas amigas e conhecidas para conversar um pouco. Foi o que aconteceu desta vez. Parei numa pastelaria junto ao Monumento dos Combatentes do Ultramar, bem no meio da vila. Estava a precisar de um café bem quente, para aquecer a máquina - mesmo caminhando sentia frio.

Tomado o café, ia para sair da pastelaria para continuar a minha caminhada, entrou então uma senhora muito minha amiga que começou logo a puxar conversa, a que não me fiz rogado; agradeci-lhe cá no meu pensamento, pois a conversa que era até me interessava. Esta senhora começou por apontar o Monumento dos Combatentes do Ultramar que se encontrava ali mesmo a poucos metros, dizendo que, todos os Combatentes além dos monumentos mereciam muito mais, pelo sacrifício que tinham feito em defesa da nossa bandeira, a que ela sabia dar o valor pois sabia muito bem o que eles tinham sofrido. E explicou que tinha sido e ainda era madrinha de guerra de cinco soldados, três de Angola, um de Moçambique e um da Guiné.

Conforme ia desenrolando as suas histórias e conversas ia dizendo, “Manel, tu não imaginas, nem consegues compreender o que aqueles heróis passaram nas antigas províncias ultramarinas. Eu sei pois escrevia-lhes sempre; assim que recebia os aerogramas respondia-lhe com rapidez para os ajudar a passar o tempo e a atenuar o seu sofrimento e a confortá-los nos momentos de dor e de saudade, pois, Manel, como vês, nem te passa pela cabeça o que eles desabafavam comigo”.

Esta minha amiga não sabia a minha idade verdadeira, pensava que eu era mais novo e que não tinha andado no ultramar. Deixei-a falar e desabafar, pois estava a ouvir coisas que também se tinham passado comigo, outras que desconhecia da parte das madrinhas de guerra. 

Estava em pulgas para saber mais e cada vez mais, ela dizia que andava ansiosa para desabafar com alguém que se interessasse e lhe desse ouvidos e eu ia pedindo para continuar a contar, que estava a gostar.

Foi então que ela começou a contar que, assim que começou a escrever para um “afilhado de guerra” logo teve mais quatro pedidos, ficando a ser madrinha de cinco, sem interesses de namoro envolvidos. Tinha-se sentido tão feliz e contente como ninguém imaginava, e logo convidou quatro suas amigas para serem também madrinhas de outros combatentes e pedindo aos afilhados para envolverem outros camaradas. Foi o que aconteceu.

Foi-me dizendo que as cinco amigas andavam sempre ansiosas esperando pelos tão esperados aerogramas azuis ou amarelos dos seus afilhados para saberem as boas notícias. Quando alguma amiga recebia, ou quando calhava receberem todas os aerogramas, eram lidos um dia na casa de cada uma, metidas num quarto em segredo, para os pais não descobrirem. Naquele tempo não era bem visto pelas famílias que as raparigas escrevessem para rapazes que não conheciam, como  era o caso.

Foi contando que no final da leitura dos aerogramas todas elas escreviam rapidamente, respondendo em conjunto a dar as notícias e novidades aos afilhados. E que no final se ajoelhavam todas com os aerogramas nas mãos, e rezavam viradas para o crucifixo que tinham comprado em conjunto e que guardavam religiosamente, o qual as acompanhava sempre para os quartos delas para a leitura e escrita para os afilhados de guerra.

E continuava a falar pelos cotovelos, mas eu reparava que as palavras lhe saiam do coração, o que cada vez me ia deixando mais emocionado, as minhas lágrimas a quererem explodir, o que eu a muito custo fui impedindo.

Foi quando chegou o momento que me atirou por terra, quando ela contou que uma amiga dela, do grupo das cinco, tinha recebido uma carta e, ao abrir a carta, vinha uma foto do afilhado deitado na cama do Hospital Militar de Luanda. Por trás da foto mandava a informação que tinham sofrido uma emboscada na zona da Pedra Verde, que tinha sido ferido numa perna mas que não era grave, que já tinha alta para regressar à enfermaria do seu Quartel e que, pior sorte tinham tido alguns camaradas seus que tinham tombado sem vida.

A minha amiga foi contando que tinham chegado a ir a pé ao Santuário de Fátima em peregrinação para pedir a Nossa Senhora para proteger os seus afilhados e todos os combatentes do ultramar e que, ainda nos dias de hoje, se sentem felizes por tudo o que então fizeram pelos combatentes.

E a senhora lá ia contando e chorando como as beiras, eu via naquelas lágrimas o sofrimento de todas as madrinhas de guerra, assim como as minhas. Ali, ao ouvir contar todas aquelas verdadeiras histórias, a serem lavadas com aquelas lágrimas que mais pareciam o puro sangue dos combatentes que por lá tombaram, fiquei ainda mais emocionado e o coração a querer saltar do meu peito.

Mais uma vez me convenci que estas, hoje senhoras já com certa idade, na altura raparigas, as Madrinhas de Guerra, foram e são tão combatentes como nós, os combatentes que andámos nos palcos da guerra, pois foram o escudo e o pára-raios de todos nós, era com elas que nós desabafávamos o que não podíamos desabafar com as nossas mães e pais.

Ao terminar a conversa e quando ia para se despedir de mim, a senhora apontou mais uma vez para o monumento aos Combatentes do Ultramar dizendo “Pois é, Manel, repara no sofrimento de que te safaste”.

Foi então que o meu coração não aguentou mais e eu explodi, abraçando-a com quanta força tinha dizendo, “Minha querida amiga, não sabia mas fica sabendo, eu sou um desses combatentes do ultramar, sou dos que passei por tudo o que me esteve a contar; minha querida amiga, só lhe quero dizer, se nós merecemos um monumento e muito mais, vocês queridas Madrinhas de Guerra também merecem um monumento e muito mais. Repare, minha amiga, aquele monumento que se encontra ali, também é vosso; vamos lá os dois dar um beijo naquela sagrada pedra, que é o Nosso e o Vosso Monumento”.

Lá fomos nós os dois chorando, abraçados, beijar o monumento aos combatentes do ultramar da minha linda vila de Monte Real. Era para mandar tirar uma foto no local, mas achei que não era o momento certo pois a emoção era muito forte para nós dois.

Tudo isto foi real e verdadeiro, aconteceu mesmo e ainda me sinto arrepiado enquanto escrevo.

Manuel Kambuta dos Dembos

terça-feira, 14 de abril de 2015

P640: JERO - CRÓNICAS DOS TRIBUNAIS / 6

UM INVENTÁRIO… MEIO INVENTADO!

Em pacata localidade do outro lado da serra chegava à comarca de segunda classe o jovem Delegado do Procurador da República.

Com apenas 27 anos de idade e 9 meses de experiência anterior em comarca de 3ª.classe carregava mais interrogações e dúvidas do que certezas e sólidas convicções.

No seu primeiro dia no Tribunal foi interpelado por um homem de idade indefinida, de aspeto doentio, que certamente informado de que ia chegar um novo magistrado não foi de modas nem se pôs na fila para perguntar pelo seu processo.

- “Quando me chama vossa excelência a declarações?”

O Delegado pediu-lhe que esperasse e chamou o escrivão, para saber de que processo se tratava.

O Sr. Rodrigues, com muitos anos de tarimba nas lides judiciais, disse-lhe que o individuo do corredor era o Sr. Rafael, que não tinha nenhum processo pendente em Tribunal.

Sem nada que fazer, sem parentes próximos e com uma doença do foro oncológico,  era visita habitual do Tribunal onde queria que por força corresse um inventário por morte de sua mãe. Que já tinha morrido há dezenas de anos.

“O que ele quer é ter um processo”, rematou o escrivão Sr. Rodrigues.

“Pois se não tem passará a ter”. Assim decidiu o novo Delegado.

Convocados o Juiz e os funcionários da secção, o Conservador do Registo Civil, para as certidões relativas ao estado das pessoas, o Conservador do Registo Predial, para certificar os imóveis, e o Notário, todos acordaram, com a prestimosa colaboração dos respetivos funcionários, na instauração e no acompanhamento do processo de inventário facultativo, a requerimento do Sr. Rafael, logo ali “nomeado” cabeça de casal. 

Prestou declarações, juntou certidões, apresentou a relação de bens, deslocou-se de repartição em repartição. Interrogava com frequência o Delegado a fim de se informar do estado dos “autos”, como aprendera e gostava de dizer.

Tinha (finalmente) um processo! Parecia realizado e feliz.

A doença que o minava não parava de alastrar e um dia chegou a notícia do seu fim. Foi um alívio no Tribunal, que não mais teria que o aturar!...

O seu desaparecimento não constituiu um alívio.
De alguma forma com a sua morte, todos deixaram de ter “o seu processo”.

Um processo simulado, é certo, feito de documentos falsos. Mas com entrada dada, autuado e registado, como mandam as regras. Um processo como os outros. O que reforça a gravidade das “infrações” que comportava. O decurso do tempo determinou a sua destruição e, para os mais puristas, fez prescrever os “crimes” que exuberantemente documentava. Aí, o “processo” estivera ao serviço da justiça!...

Esta história de vida aconteceu e o Delegado do Procurador da República desse tempo e dessa comarca de 2ª.classe de uma pacata localidade do outro lado da serra chamava-se – e chama-se ainda hoje - Álvaro Laborinho Lúcio.

Que desempenhou vários cargos na área da Justiça. Foi diretor do Centro de Estudos Judiciários e vogal do Conselho Superior de Magistratura. E Ministro da Justiça, bem como Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores.

Álvaro Laborinho Lúcio, que é atualmente Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça na situação de jubilado, esteve recentemente em terras de Cister a convite dos Rotários de Alcobaça. À sua maneira falou longamente de um seu novo livro “Um Chamador”. Entre a apresentação e o tempo de perguntas e respostas passaram cerca de três horas. Foi uma noite de afectos preenchida com histórias de vida. De amor pelos outros e de bom senso. Estivemos lá. Fica este registo em jeito de homenagem e agradecimento.

JERO  

domingo, 12 de abril de 2015

P639: QUESTIONÁRIO CASEIRO...

UM INQUÉRITO CÁ PARA CASA…

Tendo em vista o texto explicativo do José Belo sobre determinados aspectos da vida na Suécia,publicado recentemente neste blogue,  não quis deixar de responder também ao inquérito do Miguel Pessoa, sobre os mesmos aspectos no nosso querido Portugal.

Ora aqui vai:

A electricidade das casas na zona é garantida como? Com um gerador?

Não é bem garantida, porque às vezes falha!
Há sempre a hipótese de ir ao comércio mais perto comprar um pouco de electricidade em pó!!!
Por cá não se gera nada!
Aproveita-se o que há ou saca-se ao vizinho!!!

Para evitar que os canos rebentem tem que se manter o seu aquecimento, mesmo quando se está fora?

Esse é um problema que não se coloca cá.
Estando fora, há sempre uns amigos do alheio que em pouco tempo desmontam os canos, pelo que não há a mínima possibilidade de rebentarem, pois já não existem.

Havendo cães, como fazer quando se está uma temporada fora?

Outro problema que não se coloca cá.
Se os cães são de raça pura, alguém os rouba, pelo que compete a esses alimentá-los.
Se não são de raça, que se desenrasquem porque a vida está difícil para todos, até para os cães!

Na ausência do proprietário por períodos grandes, alguém olha pela casa?

Sem dúvida!
Há grupos organizados, ou mesmo particulares, que estão sempre de olho nas casas que estão sem ser habitadas.
Depois, para as mobílias, aparelhagens eléctricas, televisões, etc. não apanharem pó e não se estragarem com a falta de uso, levam-nos, especialmente à noite, e vendem-nas a alguém que lhes dê bom uso, visto que o legitimo dono as abandonou ao “deus dará”!

Todas as casas dispõem certamente de uma garagem ou armazém para guardar os veículos. Supomos que não ficam lá fora...

Nem por isso!
Aliás tanto faz ficarem na garagem como no exterior, pois se a casa estiver desabitada, alguém se encarrega de os levar para a sua garagem, ou para garagens que “graciosamente” desmontam os veículos, para melhor os “conservar”!

Como funcionam as comunicações naquele local? Telefone por satélite? Equipamento rádio? Internet? Qual a cobertura que têm? Antenas dispersas? Por satélite?

Temos tudo isso, mas o mais normal é um gajo abrir a porta de casa e gritar bem alto: 
"Ó vizinho, o seu telefone tem rede???"


No Blogue da Lapónia vê-se a imagem de uma outra casa isolada. Supomos que não será um vizinho…

Não, não é a casa do vizinho!
É a casa de férias de algum politico cá do sítio, mas que não tem problema de poder ser roubada, porque mesmo que não tenha lá ninguém há com certeza um polícia a guardá-la!
Aliás, por cá, se houvesse uma casa naquelas condições, seria um trabalho mensal para a polícia a desocupação da referida casa!

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Espero ter dado uma resposta cabal às perguntas do Miguel.

Perdoe-se, claro está, o exagero, mas o humor é assim!

Monte Real, 12 de Abril de 2015
Joaquim Mexia Alves


segunda-feira, 6 de abril de 2015

P634: VIVER NA LAPÓNIA - PORMENORIZANDO...


Em 6 de Fevereiro passado publicámos neste blogue uma compilação de mails do nosso camarigo José Belo, que juntámos num texto a que demos o título "Viver na Lapónia". Pretendia-se com essa abordagem desvendar um pouco o modo de vida de um povo com mentalidades e maneiras de estar bem diferentes das nossas, associadas a um clima  bem mais agreste que o deste nosso cantinho.

Ficaram então na nossa mente algumas questões que não eram ali suficientemente esclarecidas, pelo que mais uma vez pedimos a colaboração deste nosso camarigo para elucidar este nosso grupo. As suas respostas foram agora compiladas num segundo texto, que serve como complemento do anterior.

Para relembrar o que na altura foi descrito pelo José Belo, poderão querer rever esse primeiro texto; nesse caso, vejam aqui. Se ainda se recordam do seu conteúdo, então avancem para a leitura do texto que se segue.

UM MUNDO DIFERENTE…

Algumas questões postas por nós sobre o que é viver na Lapónia, que mereceram clarificação por parte do Zé Belo (texto na 1ª pessoa):

A electricidade das casas na zona é garantida como? Com um gerador?

As poucas casas habitadas que existem na zona norte da Suécia estão todas ligadas por cabo à rede eléctrica nacional, sendo no meu caso particular a Comuna (câmara municipal) de Kíruna a responsável pelo serviço. A electricidade produzida por barragens é em mais de 90% originária daqui devido á quantidade de enormes e caudalosos rios, principalmente durante o degelo das curtas semanas do verão local.

A maioria da electricidade segue para o sul, apesar de actualmente nessa zona se usar mais a energia nuclear que a produzida pelas barragens. O governo, na sua política de manter algum povoamento nesta imensidão, é muito cuidadoso quanto a fornecer energia altamente subsidiada tanto aos particulares como às indústrias locais.

As lâmpadas das casas, tanto interiores como exteriores, estão acesas nas 24 horas dos escuros cerca de 9 meses.

Para evitar que os canos rebentem tem que se manter o seu aquecimento, mesmo quando se está fora?

As casas de habitação mantêm-se aquecidas com caldeira central de óleo mesmo quando se não está lá. Para o efeito usa-se um termostato automático. Actualmente é possível aumentar a temperatura antes de se chegar a casa, usando o telemóvel.
(Acaba por sair mais barato ter a casa a uma temperatura constante, mesmo quando se está ausente, do que ligar o aquecimento quando se lá chega).

Havendo cães, como fazer quando se está uma temporada fora?

Caso se não tenha um vizinho (dos tais a uma proximidade de mais de 170 quilómetros…) que tenha cães e que, em troca de serviço idêntico da nossa parte venha a nossa casa alimentar e passear os cães, existem companhias de serviços para esse fim em Kíruna.
É claro que mediante um bom pagamento quanto a deslocações e alimentos…

Como já anteriormente escrevi, a brincadeira dos cães custa caro… mas vale a pena. Tanto pelos passeios no trenó como pela companhia (e segurança!) nas passeatas a pé, no colocar de armadilhas nos trilhos de animais selvagens comestíveis.

Na segurança à casa  fazem uma barulheira incrível (14!) quando algo de estranho se aproxima.

Esta espécie de cães, resultante de um muito feliz cruzamento dos huskies lapões com os siberianos, é extremamente inteligente, dedicada, saudável e forte.

Destes cães alguns são treinados para, em caso de acidente ou doença inesperada, se dirigirem por iniciativa própria (!) para casa e não se acalmarem até conseguirem trazer consigo pessoas de volta ao local do acidente.

Se te virem caído, imobilizado ou sentado na neve, vêm de imediato para junto de ti, colocam-se em círculo à volta dando calor e segurança. Têm reacções rápidas e de tal modo inteligentes que nada têm a ver com os nossos demasiadamente domesticados cães citadinos.

Os ursos que por aqui existem em quantidade (ao contrário dos ursos brancos das áreas costeiras que buscam contacto e atacam humanos na busca de alimentação) procuram evitar a todo o custo contactos tanto com humanos como com os cães.

Mas, surpresas e encontros inesperados, existem com bastante frequência. Claro, como a maioria dos animais de grande porte... se surpreendidos... atacam! Nestas ocasiões é impressionante a agressividade inteligente (e silenciosa!) destes cães. Correm de imediato em linha recta para o urso e param a cerca de 10 metros, provocando a paragem do mesmo.

Depois, continuando em absoluto silêncio, correm continuamente em círculos perfeitos à volta do animal, com a táctica interessante de um correr num círculo da direita para a esquerda e o outro da esquerda para a direita. Passados muito poucos minutos o urso está completamente "marado" e não sabe como reagir.

Começam então (um de cada vez) a morder uma das patas traseiras do urso (sempre a mesma, e no mesmo local dos tendões) até este ser obrigado a sentar-se, ou a arrastar-se dali para fora, isto se o número de cães não for o suficiente para acabar com ele sem grandes riscos.

Como outra curiosidade quanto aos cães de trenó, ao transportarem-se pessoas adultas conta-se com a necessidade de dois cães por indivíduo transportado.

Na ausência do proprietário por períodos grandes, alguém olha pela casa?

A "Securitas", que não sei se aí se sabe que é uma empresa sueca, também faz rondas quando a casa está desabitada... mediante um muito bom pagamento!

É claro que estas rondas têm maior importância quanto ao controlo de que tudo está normal quanto a electricidade, fogos, etc, do que propriamente quanto a possíveis roubos que - por muito que custe a crer - por aqui não existem quanto às habitações.

Todas as casas dispõem certamente de uma garagem ou armazém para guardar os veículos. Supomos que não ficam lá fora...

Veículos - São sempre guardados em garagens bastante aquecidas, e por este motivo sempre um bocado afastadas das residências para evitar possíveis acidentes com combustíveis provocados por um eventual curto-circuito em contacto com fugas de água do gelo derretido.

Quando fora das garagens, o travão de mão não se pode usar... por gelar. E as borrachas dos limpa vidros, quando parqueamos os carros, caso não sejam colocadas na posição de bem afastadas dos vidros, passadas poucas horas partem-se como se fossem de papel…

(São muitas as anedotas que por aqui se contam sobre os citadinos de Estocolmo que por aqui aparecem em turismo familiar com os seus carros, e ignoram estas realidades locais, e isto tendo em conta que Estocolmo não é propriamente... uma cidade quente no Inverno!)

Para carros de modelos com fechaduras exteriores existem uns pequenos sprays a serem utilizados nas mesmas de modo a permitir o funcionamento das chaves, o mesmo sucedendo com as portas exteriores das casas.

No porta bagagens do carro deve sempre existir uma pá, cobertores, alimento à base de chocolate, um pequeno fogão de bateria, etc. e isto para todas as deslocações.

Como funcionam as comunicações naquele local? Telefone por satélite? Equipamento rádio? Internet? Qual a cobertura que têm? Antenas dispersas? Por satélite?

Comunicações - A Suécia tem uma cobertura total tanto quanto a telemóveis como à Internet móvel, baseada em antenas espalhadas por todo o território.

Este extremo norte, em que as fronteiras sueca, norueguesa, finlandesa e russa se encontram (a menos de 100 quilómetros da minha casa está o marco geográfico que situa o ponto de encontro único entre a linha da fronteira norueguesa, sueca e finlandesa) é muito "sensível" pela sua proximidade com as grandes bases militares russas de Murmansk.

A cobertura de comunicações da área é extremamente cuidada pelos governos escandinavos.

Mas, quando decorrem inesperados exercícios russos em grande escala (como sucedeu há pouco, com o maior exercício desde 1967, em que participaram a esquadra russa do mar do norte com 41 navios a somarem-se a 38 mil soldados das tropas paraquedistas e 100 aviões) as interferências electrónicas militares criam sempre caos local.

No Blogue da Lapónia vê-se a imagem de uma outra casa isolada. Supomos que não será um vizinho…
                              
A casa a que se referem, da foto colocada no blogue (que creio ser a que está sob o título "cold-cold") não é a minha, e não é uma casa de habitação.

Faz parte de um sistema de sobrevivência e está devidamente assinalada nos mapas locais para apoio aos exploradores-amadores-turísticos que facilmente se perdem por estas imensidões, ou em caso de inesperados temporais. 

Nestas "casas de portas abertas" durante todo o ano,  mantidas pelas comunas locais, encontram lenha, fogão, enlatados, aquecimento, camas e cobertas.

Tudo lá está colocado e pode ser utilizado por qualquer um, partindo-se do princípio de que nenhum chico esperto lá decida passar uns dias de férias do tipo “Já-agora!".

Bom, resta-nos agradecer ao José Belo a sua disponibilidade para nos prestar estes esclarecimentos. Deixamos para outra altura alguma dúvida que ainda venha a surgir-nos…

A Tabanca do Centro