terça-feira, 23 de novembro de 2021

P1318: FIGURA DE DESTAQUE NOS U.S.A. MAS NÃO EM PORTUGAL...

               JOÃO RODRIGUES CABRILLO

Nos Estados Unidos da América, e mais propriamente ao longo de toda a costa do Pacífico, o navegador Cabrillo é figura histórica de destaque.

A sua nacionalidade é discutida entre português e espanhol. A coisa complica-se pelo facto de todas as descobertas por ele efectuadas ao longo de toda a costa americana do Pacífico (não se sabe bem até que ponto norte da mesma chegou antes de morrer) terem sido feitas ao serviço de Castela.

Na história norte americana ele está em paralelo com os grandes conquistadores como Cortez (Também andou pela américa central).

Existem estátuas e padrões em memória do mesmo em diversas cidades costeiras da Califórnia.

O nome de família "Cabrillo" existe nas Beiras, tanto Beira Alta como Baixa, existindo mesmo uma povoação que se diz de origem desta família.

Estranhamente em Portugal o seu nome não surge junto dos "descobridores" mais conhecidos.

Exemplos inumeráveis: Cabrillo Beach/Los Angeles; Cabrillo Museu e Aquário/San Pedro California;Caprillio Liceu/Long Beach Cal;Cabrillo auto estrada/California; Cabrillo Monumento /San Diego Cal.+Réplica fiel da Caravela San Salvador usada por Caprillo localizada no Museu Marítimo de San Diego/Cal.

 

João Rodrigues Cabrillo, ou Juan Rodriguez Cabrillo para os espanhóis, foi um soldado e explorador português ao serviço de Espanha. É famoso nos Estados Unidos por ter sido o primeiro europeu a explorar a costa norte-americana do Pacífico em 1542-1543.

Nacionalidade disputada, afirmando os espanhóis que sendo ele de família portuguesa terá no entanto nascido em Espanha (Palma Del Rio a 13 de Março de 1499) e ali sido educado.

Monumento a João Cabrillo
em Montalegre
No entanto mais de uma localidade das Beiras portuguesas afirma ter Cabrillo lá nascido, e que familiares com esse mesmo nome ainda por lá vivem. O que é no entanto certo é que este, de origens humildes, foi educado em Espanha.

Desde jovem se tornou um navegador de renome navegando para as Índias Ocidentais fazendo parte de uma grande armada de 30 navios e 2.500 soldados que colonizou a ilha de Cuba.

Em 1519 foi enviado para o México com a missão de aprisionar o então revoltado Herman Cortez que tinha desobedecido a ordens reais aquando da conquista dos Aztecas.

A missão foi mal sucedida pois Cabrillo juntou-se a Cortez no assalto e saque da capital azteca Tenochtitlán (Hoje Mexico City).

Depois da derrota dos Aztecas juntou-se á expedição militar de Pedro Alvaredo na área geográfica dos actuais México do Sul, Guatemala e El Salvador.

Em 1530 Cabrillo tornou-se extremamente rico com a exploração de minas de ouro na Guatemala. A partir de um porto na costa guatemalteca Cabrillo controlava as exportações e importações para Espanha, não só a partir da Guatemala como também de outras regiões do Novo Mundo.

Aplicou pesados impostos às populações locais e usou muitos dos habitantes masculinos como mineiros escravos nas suas minas de ouro. Ao mesmo tempo entregava os elementos femininos das populações como escravas dos soldados e marinheiros, quebrando deste modo, e conscientemente, todo o tecido social e familiar da vasta região.

Neste período terá tido uma companheira indígena da qual teve dois filhos.

Em 1532,já enormemente rico e famoso, voltou a Espanha onde se casou em Sevilha com Beatriz Sanchez de Ortega. Ela acompanhou-o de volta à Guatemala tendo o casal tido dois filhos.

Cabrillo foi então contratado pelo então Vice-Rei da Nova Espanha, António de Mendoza, para explorar a costa americana do Pacífico, na esperança de serem encontradas mais cidades ricas e, ao mesmo tempo, descobrir uma então mítica ligação do Pacífico ao Atlântico.

Recebeu também instruções para tentar encontrar-se com Francisco Vasquez de Coronado, enviado por via terrestre desde o Atlântico em direcção ao Pacífico.

Cabrillo, inteligentemente, construiu com capital próprio a nau almirante da expedição navio San Salvador (Hoje reconstruído à escala exacta, assim como interiormente decorado, atraindo milhares de visitantes anuais).

Com o seu investimento de capital na construção do maior navio da expedição, tornado sua propriedade pessoal, colocou-se em óptima posição para beneficiar de possíveis ligações comerciais a serem estabelecidas, ou tesouros encontrados pela expedição.

A 24 de Junho de 1540 partiu do actual porto de Manzanilho/México com o seu navio almirante, acompanhado de dois outros, o Vitória e o San Miguel.

Quatro dias depois encontraram uma baía que forma um excelente porto de abrigo, actualmente denominada San Diego Bay.

Exploraram seguidamente as ilhas próximas da costa da Califórnia, Santa Cruz, Catalina e San Clemente.

Foram encontradas inúmeras pequenas localidades povoadas ao longo da costa, todas elas sem quaisquer riquezas (Curiosamente, os espanhóis só voltaram a estas áreas em 1769 (!), fazendo-se então acompanhar de soldados e missionários).

A exploração continuou rumo ao Norte tendo atingido um local que denominaram de Cabo de Pinos (actual Point Reyes).

Os fortes temporais do Outono obrigaram-nos a voltar para o Sul da costa até à Baía de Los Pinos (actual Monterey Bay).

Neste local da costa, e devido aos densos nevoeiros aí normais, não descobriram a entrada para a Baía da actual cidade de Säo Francisco (San Francisco Bay). Curiosamente, este erro devido às densas neblinas foi repetido por numerosos navegadores nos dois séculos seguintes.

A expedição regressou então a S.Miguel onde passou o Inverno. Na véspera de Natal foram atacados por guerreiros indígenas (Tongva). Procurando auxiliar os seus homens Cabrillo escorregou e caiu sobre algumas pedras pontiagudas.

Posteriormente o ferimento veio a criar cangrena, morrendo Cabrillo a 3 de Janeiro de 1543. Julga-se ter sido sepultado na ilha de Catalina.

A expedição voltou a navegar ao longo da costa e rumo ao Norte. Terá, segundo se julga, atingido a costa do actual Estado Norte-americano do Oregon. Regressaram à Natividad em Abril de 1543.

A expedição de Cabrillo não atingiu os objectivos de encontrar ricas cidades costeiras, a mítica passagem entre o Pacífico e o Atlântico, ou o encontro com o explorador terrestre Coronado. Obteve no entanto uma vastíssima área costeira norte-americana a partir do México. Esta área viria a ser efectivamente ocupada e colonizada pela Espanha dois séculos mais tarde.

E... mais um português famoso em muitos locais, menos em Portugal!

Para além da auto-estrada costeira da Califórnia, esta ponte tem o seu nome.

                                                                                                                                         José Belo

terça-feira, 16 de novembro de 2021

P1317: RIOS QUE FICARAM NA NOSSA MEMÓRIA

Recuperamos um texto do nosso camarigo Juvenal Amado, publicado no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné há já uns aninhos (Julho de 2015), sendo por isso natural que muitos não o tenham ainda lido. Com a devida vénia ao autor e à Tabanca Grande, que o publicou.

                   A VIDA TAMBÉM CORRE COMO UM RIO

Na minha terra existem dois rios que se juntam, um vindo de Nascente e outro vindo de Poente formando assim um só rio denominado Alcobaça. São rios dóceis quase inexistentes, praticamente tapados por arbustos que crescem nos seu leitos e margens durante grande parte do ano, mas no entanto, não deixam de crescer e avolumar-se quando as chuvas caiem nalguns anos com maior precipitação sobre toda zona de Alcobaça.

Nessas alturas as águas descem as encostas, engrossam ribeiros que por sua vez descarregam no rio Baça ou no Alcoa provocando cheias, prejuízos, inundações em habitações, interrompem estradas e caminhos, inundam os campos de cultivo que vão desde Mendalvo até aos campos da Fervença com as outrora famosas Termas da Piedade, aos do Valado dos Frades, Cela Nova e por fim à sua foz na Nazaré, onde o mar fica barrento durante o tempo em que duram as chuvas.


É uma atração ir à Cela Velha, e lá do alto, admirar os campos todos encharcados pelo então rio Alcobaça, onde desapareceram os canais de irrigação para a agricultura e por vezes só se vêm as árvores de fruto acima do nível das águas. Quando vivia na Av. Bernardino de Oliveira onde morei entre 1962 e 1980, o rio Baça, que nasce na localidade de Vimeiro, passava do lado de lá das casas e da estrada. Nessa altura inundava os terrenos e lembro-me bem da aflição dos moradores do pátio do Joaquim do Talho mesmo à entrada da minha rua, também popularmente conhecida por Portas de Fora, quando as águas o invadiam a ponto de pôr em risco as moradias ao nível térreo. Não podíamos ir à Fonte Nova, que para além de local de namoro para os/as alcobacenses, também tinha água corrente e servia de passeio no Verão para ir buscar água numas bilhas de barro, que a mantinham fresca.

Dizia-se que quem bebesse água daquela fonte ficaria para sempre ligado à outrora vila de Pedro e Inês e daí o poema da canção que Tavares Belo escreveu e a cantora Maria de Lurdes Resende imortalizou, que diz “Quem passa por Alcobaça/ Não passa sem lá voltar”.


O rio atravessa grande parte da hoje cidade, por baixo de algumas ruas e acabava por galgar por cima da ponte, invadir a Avª João de Deus, arrastando alguns carros, pois os muros que o apertavam acabavam por ceder. Também ali exercitei a pontaria com espingarda pressão-de-ar atirando às ratas, que eram quase do tamanho de coelhos bravos e quem sabe, se não devo a isso a boa nota que tive na carreira de tiro em Coimbra durante a recruta.

As águas do Baça também invadiam tumultuosas o próprio Mosteiro, onde os monges construíram no curso do rio uma extracção de água, apelidada de Mãe de Água. Este foi o ponto de partida de uma canalização de 3,2 km, na sua maior parte subterrânea, que abastecia o Mosteiro com água fresca e limpa.

O Rossio pagava a factura durante os Invernos mais rigorosos e ficava cheio de lama e pedras que desciam empurradas pelas águas desde a encosta da Vestiaria ou do Casal Pereiro galgando passeios e entrando nas lojas e acabando por engrossar caudal, que por vezes o rejeitava de tão espartilhado estar, que saía pelas grelhas dos biqueirões ou pelas pias de despejo das casas mais baixas .

Quanto ao rio Alcoa, nasce em Chiqueda, era também atracção quando o seu nascente rebentava nos Olhos de Água ou Poçoão e as rápidas cheias que provocava. No Verão tomava-se banho nalguns locais e as mulheres iam lavar a roupa disputando o sítio e enxotando a garotada. Aí rio tomava a alcunha do dono das terras por onde corria e passava a chamar-se rio Narciso, ou Aníbal, num local que fica perto da Junta Nacional dos Vinhos. Era à vontade do freguês.

O rio Tejo também está para sempre ligado às minhas visitas aos meus tios na rua da Saudade, onde através da janela da cozinha eu via o rio e os barcos que lá navegavam. Saborosas foram também as travessias até Cacilhas no cacilheiro e a esperança de ver algum golfinho. Mais tarde este rio ficou associado a momentos dolorosos como a partida do meu irmão para Moçambique e mais tarde, a minha própria partida para a Guiné.

Mas como era de prever, ao ir para a Guiné deixei para trás o rio da minha terra, mas os rios continuaram a fazer parte da minha experiência além-mar, embora não houvesse nenhum em Galomaro.

Naveguei cinco vezes no Geba, deliciei-me com a abundância de água no Corubal, que banhava o Saltinho.

O Geba era uma artéria viva e indispensável ao reabastecimento da zona Leste e navegava-se até ao Xime ou até Bambadinca. Em Bafatá era majestoso e dava beleza à cidade.

Havia porém rios pequenos, daqueles que nós nos esquecemos que existem, pois eram insignificantes durante quase todo o ano, até que chegavam as chuvas e se tornavam num bico de obra.

Havia um desses rios no caminho para Cancolim, que nos deu como se pode chamar água pelas barbas, quando tentávamos abastecer a Companhia 3489. Mal começava a chover, o malvado engrossava e corria rápido por baixo de uma pequena ponte, que tinha parte do tabuleiro danificado por uma mina com que o IN a tentou destruir. Só tínhamos lugar para as rodas das viaturas passarem e, quando a águas submergiam a ponte, nós deixávamos de ver o trilho.

Era então preciso que os camaradas que iam fazer a escolta, dessem as mãos uns aos outros e assim com água pelo peito, indicarem-nos por onde podíamos passar. Não era fácil para eles nem para nós. Eu tirava as botas e as cartucheiras não fosse o diabos tecê-las.

Depois de passarmos, mais atascanço menos atascanço, lá chegávamos a Cancolim e começávamos a fazer contas de cabeça a respeito do regresso, pois o problema do rio estava lá à nossa espera, a não ser que entretanto as águas baixassem, facilitando assim o nosso regresso.

Uma vez o rio encheu de tal forma que não houve nada a fazer e as mercadorias tiveram que ser passadas em botes e carregadas em viaturas do lado de lá.

Como se pode ver, os rios foram uma constante na minha vida, mas a melhor experiência com eles, foi a minha viagem do Xime para Bissau quando o 3872 em Março de 1974 foi rendido. Pudera, era a peluda que se aproximava à medida que nós embarcámos e descemos aquele rio barrento, de cor acinzentada, na direcção de Bissau.

Cantávamos então: Galomaro/Tem mais encanto / Na hora da despedida, com música de uma conhecida balada de Coimbra logo seguida de Cheira bem / Cheira a Lisboa...

Juvenal Amado

terça-feira, 9 de novembro de 2021

P1316: O VELHO CONTO DO VIGÁRIO...

 OS VIGARISTAS E A GUERRA DO ULTRAMAR

A história do Juvenal sobre o “conto do vigário” - aqui contada recentemente - fez-me lembrar um episódio que aconteceu comigo, já passada mais de uma dezena de anos depois de ter saído da Guiné.

Quem me conhece bem, sabe que por detrás desta aparência de “bruto”, está um sujeito grande, (em tamanho, claro), mas muito sensível, de lágrima fácil, sobretudo no que diz respeito a certas coisas que me tocaram e deixaram mais “frágil”, como a guerra da Guiné.

Ora um dia (finais dos anos oitenta), quando era administrador das Termas de Monte Real, estava a sair do Hotel depois de almoço e fui abordado por um sujeito que me perguntou se eu era o Alferes Mexia Alves que tinha estado na Guiné.

Disse-lhe que sim e o homem, pouco mais novo do que eu, apresentou-se pelo nome - que não recordo - dizendo que tinha sido soldado de uma das Companhias (não me lembro qual) do meu Batalhão 3873.

Olhei para ele e não o reconheci, mas achei isso perfeitamente natural, até porque mesmo que fosse da minha Companhia seria difícil lembrar-me, a menos que fosse do meu Pelotão.

Conversámos um bocado e o sujeito deu mostras de conhecer o que tínhamos passado na guerra, bem como alguns pormenores da minha vida na Guiné, (comandar tropas africanas, Mato Cão, Mansoa, etc.), e outras coisas mais.

Ganha a confiança, contou-me uma história da sua vida pessoal depois da sua vinda da Guiné, história triste mas perfeitamente plausível, que, claro, “derreteu” o meu coração.

Obviamente precisava de dinheiro e eu preparava-me para lho dar, talvez 5 contos naquela altura, quando um dos porteiros do Hotel, que tem praticamente a minha idade e esteve em Angola na guerra, se aproxima e pergunta ao sujeito se ele não tinha estado num dos cafés de Monte Real a fazer perguntas sobre mim, etc., etc.

O sujeito começou a “trocar os pés pelas mãos” e muito rapidamente se percebeu que não me conhecia de lado nenhum, que não tinha estado em guerra nenhuma e que no fundo tinha sabido que eu era um dos proprietários das Termas e foi para os cafés fazer perguntas sobre mim.

Aí soube que eu era um “gajo porreiro”, que tinha estado na Guiné e tudo o mais que lhe foram dizendo sobre mim e de que ele depois se serviu para construir a história que me ia levando à certa.

Safou-se de levar dois pares de murros por estarmos mesmo à saída do Hotel!

E por aqui me fico, depois de ter feito figura de urso!!!

Joaquim Mexia Alves