segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

P1445: SINEIRO DE RECURSO...

                  O “ALEGRE” FUNERAL DA MINHA AVÓ

Deixo-vos aqui uma pequena lembrança do que acima indico, o dia do funeral da minha avó Josefa, que me ocorreu ao deparar com uma foto dela, que eu tirei, foto essa que a minha irmã tinha (e tem) lá na casa da aldeia onde agora vive.

Não sei precisar que idade eu tinha por essa ocasião, creio que uns 15 ou 16 anos (no limite em 1964) e, por esse tempo, o meu Avô “Xico” Valério - que, diziam, era “mau como as cobras”- era uma espécie de “regedor”, já que tomava conta da casa da Junta de Freguesia ao mesmo tempo que operava também como uma espécie de “sacristão”, já que também zelava pela Igreja da aldeia e coadjuvava o Pároco que aos domingos e pelas Festas (de datas religiosas e das datas profanas) vinha do Cartaxo.

O meu Avô era como as pessoas dos meios rurais daqueles tempos, ajeitava-se para fazer “tudo e mais alguma coisa”. Por via disso, dados esses seus conhecimentos - de trabalhos de construção civil, de agricultura, lavoura, lidar com gado, etc. - trabalhou numa então grande propriedade em Vila Chã de Ourique, a “Casa Francisco Ribeiros”, na qualidade de uma espécie de “feitor”, cabendo-lhe orientar trabalhos e dirigir o pessoal. Aqui é que as coisas se complicavam, pois, naqueles tempos, a rudeza do trabalho, a falta de formação das pessoas e a propensão para desafiar qualquer autoridade (fosse ela qual fosse ou de quem fosse), obrigavam a ser duro, inflexível, pois caso contrário seria “trucidado”. Daí a fama de “mau como as cobras”, mas completamente injusta.

Naturalmente, quando a minha avó faleceu, em casa, como era habitual (não sei se se lembram, mas não havia SNS e nos meios rurais, e não só, morria-se em casa depois de se experimentar várias “mezinhas caseiras”) o meu avô estava por lá procurando fazer o que seria necessário para o funeral que seguiria de casa para o Cemitério da terra, a Aldeia de Vale da Pinta.

Mas não havia ninguém que pudesse, ou soubesse, tocar o sino a acompanhar o desenvolvimento do funeral e o meu avô não o poderia fazer.

Por essa ocasião fiquei muito desapontado com a Igreja e os seus seguidores pois revelaram uma grande falta de piedade cristã, o que me levou de imediato a tomar a decisão de ir “tocar o sino” e depois a afastar-me de tal grupo de “falsos cristãos”.

Como não tinha experiência de “tocador de sino” e também, verdade seja dita, estava revoltado com a situação, lá fui puxando as cordas e … bem …, a “sinfonia” que se ouviu durante o funeral, em vez de batidas compassadas, lúgubres, soou bem mais a “toque de festa”, com badaladas quase contínuas, que pareciam transmitir “alegria”.

Pelo menos foi o que ouvia dizer pelas “gentes piedosas” quando me inquiriam (quando souberam que tinha sido eu o “sineiro”) o que tinha sido “aquilo”.

Para mim foi uma grande e boa homenagem que consegui prestar à minha Avó a qual, havendo Céu, estará lá com toda a certeza.

Hélder Valério Sousa

sábado, 13 de janeiro de 2024

P1444: PROTEJA-SE DO FRIO!

               CONSELHOS ÚTEIS PARA O TEMPO QUE SE FAZ SENTIR

O tempo frio pode trazer vários problemas para a saúde e por isso a Unidade Local de Saúde do Médio Tejo (ULS Médio Tejo) deixa aqui alguns conselhos muito simples para que se mantenha protegido:

𝐏𝐚𝐫𝐚 𝐦𝐚𝐧𝐭𝐞𝐫 𝐨 𝐜𝐨𝐫𝐩𝐨 𝐪𝐮𝐞𝐧𝐭𝐞 🧥🧤🧦🧣
· Use luvas, cachecol, gorro/chapéu, calçado e roupa quente, utilizando várias camadas de roupa.

𝐏𝐚𝐫𝐚 𝐦𝐚𝐧𝐭𝐞𝐫 𝐚 𝐜𝐚𝐬𝐚 𝐪𝐮𝐞𝐧𝐭𝐞♨️🔥
· Verifique se os equipamentos de aquecimento estão em condições de ser usados e o estado de limpeza da chaminé da lareira;
· Se utilizar lareiras, braseiras, salamandras ou equipamentos de aquecimento a gás, ventile as divisões da casa. Tenha muito cuidado: a acumulação de gases pode causar intoxicação ou morte.

𝐂𝐮𝐢𝐝𝐚𝐝𝐨𝐬 𝐜𝐨𝐦 𝐚 𝐬𝐮𝐚 𝐬𝐚𝐮́𝐝𝐞 🫖🚰💊
· Hidrate-se: ingira líquidos e sopas;
· Mantenha-se especialmente atento se tiver algum problema de saúde;
· Tome a sua medicação habitual conforme a indicação do seu médico;
· Não tome antibióticos sem indicação médica.

Mantenha-se resguardado, mas se tiver de sair de casa, tenha cuidado com as quedas. O frio pode levar à criação e acumulação de gelo o que pode causar acidentes. ❄️

📞 Se ficar doente não vá de imediato para a urgência hospitalar. Deve sempre ligar primeiro para o SNS24 (808 24 24 24), uma linha telefónica gratuita, disponível 24 horas. Em situações de emergência, o contacto deverá ser realizado diretamente para o 112.
Mantenha-se em contacto e atento aos outros, sobretudo os mais vulneráveis. Siga estes conselhos!

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

P1442: OBRIGADO, ALFERES MOTA

   Texto escrito há mais de 15 anos pelo nosso camarada Juvenal Amado, com os nossos 
agradecimentos ao autor e à Tabanca Grande, que publicou o texto.

"Tem cuidado, deixa essas conversas para a Metrópole. 
O africano veio fazer queixa de ti."
                                                                                                         Por Juvenal Amado

Naquele momento sentiu desabar sobre ele uma infinidade de sensações. Umas de revolta por ser tão ingénuo, outras de espanto por alguém que sendo também um oprimido, tinha feito queixa dele.

O Alferes Mota era o Comandante do Pelotão das Transmissões e por conseguinte o Oficial Superior do nosso camarada. Estava de Oficial de Dia, tinha recebido a denúncia. Após ter-lhe feito a recomendação, dirigiu-se para a messe.

Meio atarantado, o Rádiomontador Filipe dirigiu-se para o seu abrigo cheio de medo e pensando:
– Desta vez não me safo - criticar o regime na nossa situação, pode ser considerado traição.

Tudo se tinha passado no Regala (*), pequena loja de utilidades que também servia uns bitoques com um tempero africano, que era de comer e chorar por mais.

O Filipe na esplanada do Regala com dois camaradas do STM e Centro de Operações

O Filipe, como de costume, tinha algum prazer em iniciar as discussões. Dessa vez não foi diferente e a forma como se estava a ministrar o ensino da língua portuguesa, às crianças da Guiné, era para ele motivo de crítica. Um individuo de cor chegou-se à mesa ninguém sabe bem como. Cada um pensou que ele era amigo do outro e ninguém fez reservas. Entrou na conversa sobre a escola e o ensino que estava a ser administrado nas escolas primárias.

O Filipe entusiasmou-se com a conversa e sem se aperceber de inicio, com a retirada estratégica da conversa que os companheiros de mesa fizeram, soltou tudo que pensava e quanto mais os outros se retraíam, mais ele avançava.

Mais alguns mas... da parte do negro (possivelmente professor) o Filipe, subia o nível as criticas ao Estado e à guerra, aliás assunto que já lhe tinha causado alguns dissabores e apertos. (**)

O africano levantou-se e dirigiu-se na direcção da Porta de Armas, que ficava talvez a quinhentos metros.

O Filipe que tinha caído em sí e desconfiado, seguiu-o até o ver entrar no Quartel.
Ficou com o coração apertado, mal disse o seu feitio de ser pouco cuidadoso com quem falava, pois ele sabia como as opiniões politicas contra o regime eram tratadas.
Mas ele era assim, quando via ou ouvia algo que lhe desagradasse, tomava partido e como era costume, raramente alguém compreendia as suas razões.

Entretanto, algum tempo depois vai para Bolama, em gozo de férias. Naquele tempo cometia-se toda casta de imprudências, desde beber por copos possivelmente mal lavados, comer marisco de proveniência duvidosa, enfim petiscos porque férias são férias.

As férias foram óptimas naquele ambiente paradisíaco e exótico.
Já perto do regresso a Galomaro, adoece e é já doente que chega ao destacamento. Está todo amarelo, é urgentemente evacuado para o Hospital Militar de Bissau. Está com hepatite e corre perigo de vida.

O Filipe no HM 241 de Bissau

E é lá que está, quando o Alferes Mota chega, também ele doente com hepatite. O Filipe vai vê-lo através da porta envidraçada da enfermaria dos infecto-contagiosos. É numa dessas espreitadelas que vê o enfermeiro junto à cama, com o nosso camarada já morto.

Dois dias após a sua chegada, morre o alferes Mota (***), com os parâmetros das análises mais baixas do que as do Filipe.
A morte passou por ali e fez a sua escolha.

O Filipe esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.

Conhecendo eu o Filipe, o seu romantismo revolucionário, não o deve ter deixado calado por onde passou. Resultado cartas, fotos e objectos, que ao tempo foram considerados suspeitos vá-se lá saber porquê, tudo desapareceu entre Galomaro, Hospital de Bissau e Estrela .

A PIDE também visitou a casa da mãe no Porto, quando ele por sorte estava em Lisboa. A seguir, o 25 Abril veio pôr fim aos delitos de opinião, que as gerações mais novas nem sonham o que era, talvez por nossa culpa.

O Filipe faz um sentido agradecimento à memória do Alferes Mota, por o ter ajudado naquela noite, quando ele regressava do Regala. Eu também lhe agradeço, pois pequenos gestos como o que praticou, ajudaram a anular a suspeita, as escutas e a delação, que eram uma constante nas nossas vidas.

Brancos ou pretos, a PIDE não escolhia cores e o braço era longo.
Obrigado, Alferes Mota.

Algumas notas:

(*) - O senhor Regala era um individuo de origem caboverdiana, que para além de proprietário do café, também faziam colunas de reabastecimento connosco. Homem bem falante e lúcido, quanto aos problemas da sua terra. Dizia-se que tinha relações privilegiadas com a guerrilha e por isso, coluna onde ele fosse nunca era atacada. Galomaro também beneficiava dessa protecção, o que veio provar-se ser mentira, uma vez que fomos violentamente atacados.

(**) - Em dada altura que o Filipe, assistiu à saída de camaradas para os postos avançados e patrulha nocturna, desatou a fazer barulho e a protestar contra o facto. O barulho chegou aos ouvidos do Comandante, que mandou averiguar o que se passava. Dessa vez o anjo protector chamou-se Dr. Pereira Coelho, que abraçando-o, disse-lhe ao ouvido que se fingisse bêbado e assim o salvou.
Por vezes O Filipe, era mal compreendido e se não vejamos o episódio das bajudas; Ao fim da tarde, os soldados iam ter com as lavadeiras, que se acercavam do destacamento. Eram momentos em que os soldados, davam por vezes largas a alguma falta de respeito para com as lavadeiras. Alguns por graça e para as ouvir dizer de uma enfiada só, todos os palavrões que conheciam em português e no seu dialecto. Apalpavam-nas e diziam-lhe que não lhes pagavam, por elas lhes terem partido os botões todos, ao lavarem as camisas como hábito, batendo com as ditas em pedras pois sabão, era coisa que não entrava nos seus apetrechos.
Tínhamos chegado a Galomaro, quando o Filipe se insurgiu contra uma dessas cenas, que verdade se diga não eram muito dignificantes, pois algumas bajudas eram muito novas. Resultado foi ele se envolver em briga, com um dos participantes dessa tertúlia, indo parar ao chão com o estalo que recebeu.

O Filipe com a lavadeira

(***) - O Alferes Mota era um oficial miliciano, antigo seminarista, bastante culto, muito correcto para com os seus subordinados.
Morreu se não estou em erro no dia 26 de Novembro de 1972 com hepatite e não com paludismo como escrevi na minha estória O Ultimo Natal em Galomaro.

PS: Esta estória resulta da correspondência que tenho mantido com o Filipe há já algum tempo.

Juvenal Amado
09.07.08

Fotos © Juvenal Amado(2008). Direitos reservados.