segunda-feira, 26 de julho de 2021

P1303: VELHAS HISTÓRIAS DAS TERMAS DE MONTE REAL

    O “CAPITÃO DOS JORNAIS”


Há uns bons anos atrás, vinha sempre fazer tratamento termal, hospedando-se no Hotel Monte Real, um Oficial do Exército já reformado, com alguma idade.

Este senhor tinha uma peculiaridade muito especial: Andava sempre com uma pasta, a qual continha apenas e só jornais “velhos”…

O que é mais estranho é que estes jornais serviam para o referido senhor “limpar”, por exemplo, os talheres da sua mesa às refeições, utilizando-os depois para comer!

Pior do que isso, “forrava” com esses jornais as marquesas dos tratamentos termais, que já estavam cobertas por lençóis brancos, deitando-se por cima desses mesmos jornais.

O problema é que, dada a humidade provocada pela água quente utilizada nos tratamentos, os lençóis ficavam sempre num estado miserável e de difícil lavagem.

Tinha ainda outro mau hábito que era chegar às termas para fazer tratamentos pouco antes do meio dia, (sabendo que os balneários fechavam ao meio dia), provocando assim a necessidade das empregadas dos balneários terem que ficar à sua espera e saírem mais tarde do que o seu horário previa.

Um dia este senhor pediu o livro de reclamações, onde escreveu uma reclamação mais ou menos nos seguintes termos: «Quando passava num determinado corredor dos balneários termais, por volta do meio dia, do dia “tantos do tal”, as empregadas que ali estavam não se perfilaram (esta foi mesmo a palavra utilizada), à minha passagem, o que considero uma falta de respeito pela minha pessoa.»

Enviada a reclamação para o então chamado “Inspector das Águas”, um funcionário superior do Estado, a mesma foi devolvida com seguinte nota, que aqui reproduzo, mais ou menos, nos seus termos: «Agradece-se que a Administração das Termas de Monte Real, informe o Sr. Capitão… de que os balneários termais não são nenhum quartel do Exército, nem as empregadas dos mesmos militares das Forças Armadas, pelo que, não têm que se perfilar à passagem de quem quer que seja. 

Informe-se ainda o referido senhor que, a continuar a prática de chegar em cima da hora de fecho dos balneários, lhe poderão ser negados os tratamentos termais nesse espaço de tempo.

Obviamente o senhor era conhecido pelos empregados, quer do Hotel, quer das Termas, e até por alguns hóspedes assíduos, pela alcunha de “capitão dos jornais”!

Joaquim Mexia Alves

 

 

segunda-feira, 19 de julho de 2021

P1302: UM GRANDE VIVEIRO DE FORMAÇÃO DE CONSCIÊNCIAS

                  A IMPORTÂNCIA DAS COLETIVIDADES

Ao relembrar o que mais recentemente aqui escrevi, sobre o “Depois da Guiné” e também das peripécias relacionadas com a quase colhida no meu aniversário, dei por mim a pensar numa situação que vivi e que considero que me foi benéfica.

Trata-se das coletividades e da importância que elas tiveram e ainda poderão ter, na formação humana, cívica, social e também desportiva das pessoas que elas conseguem “tocar”.

Em Vila Franca de Xira, onde cresci, onde vivi a infância, juventude e adolescência, tive a oportunidade de beneficiar da existência de várias coletividades onde fui tomando parte e consciência de muitas realidades que então me rodeavam.

Desde que me lembro havia (e há ainda) o A.A.V. (Ateneu Artístico Vilafranquense), tendo por base a música, a formação musical dos seus associados, com Banda de Música com qualidade e que, para além disso mesmo potenciava a elevação mental e cívica dos seus membros. O meu pai chegou a integrar a Banda, como tocador de clarinete, e muitas vezes o acompanhei quando a Banda ia abrilhantar as corridas de toiros.

Para além de pequenas coletividades, ou clubes, de bairro, ou localmente circunscritos, havia o “Grupo de Foot-Ball Operário Vilafranquense” que, ao contrário do que o nome pudesse sugerir, era mais o clube das simpatias dos endinheirados e proprietários; o clube de futebol “Águia Sport Club Vilafranquense” que, também ao contrário do que o nome possa sugerir era uma sucursal de “Os Belenenses” e o clube que congregava maior adesão popular; o “Hóquei Clube Vilafranquense” dedicado à prática da modalidade e que concitava o apoio da “classe média” e ainda o “Ginásio Vilafranquense” que se dedicava à prática da ginástica e também promovia a prática do campismo como forma de solidariedade e interação dos seus membros e como forma de procura de construção de um novo Homem, mais saudável.

Estas 4 agremiações fundiram-se e foi criada a UDV (União Desportiva Vilafranquense) em Abril de 1957, ia eu a caminho dos 7 anos de idade. Se antes dessa fusão assisti a muitos jogos de hóquei no Pavilhão, a vários jogos de futebol no campo do “Operário”, o campo do Cevadeiro e também a vários no campo do “Águias”, a verdade é que depois da existência da UDV fui usufrutuário do que ela tinha para oferecer.

Fui espetador em muitos acontecimentos desportivos, principalmente no rinque junto ao Jardim “Constantino Palha” em empolgantes jogos de hóquei, já que houve uma altura em que a equipa do “Vilafranquense” era bastante boa, batendo-se de igual com as potências da modalidade na região, o Benfica, o Paço d’Arcos, o CACO (Clube Atlético de Campo de Ourique), o Sporting, etc., ouvindo-se por vezes, quando as arbitragens eram más (no nosso entender, claro) o grito ameaçador de “vais pró lodo” em clara referência em atirar o personagem do apito ao rio ali ao lado.

Nessa equipa pontuavam os virtuosos Carlos Doninha e o Casquinha, o Cunha e principalmente o guarda-redes, o Álvaro Guerra, mais tarde ferido na Guiné e incapacitado para a prática da modalidade, tornando-se escritor e diplomata.

Se fui espetador, também fui praticante. A Secção de Hóquei promovia regularmente torneios que depois serviam para incentivo e captação de valores para as equipas do Clube. Dum desses torneios envio a foto da equipa que integrei, tirada em Julho de 1960. Não me lembro do nome que demos à equipa, nem quem representávamos, talvez o café “A Brasileira” mas os componentes da equipa da esquerda para a direita, em cima, eram o Cunha, o Tibério e o Francisco e em baixo, pela mesma ordem, o Belfo, eu e o Tó Horta. O Cunha era sobrinho do outro Cunha da equipa principal e familiar de uma importante e eclética figura desportiva da época, o Jesus Correia, que nos deu, ao Cunha e a mim, já que morávamos no mesmo prédio, uns “sticks”, que utilizei com muito gosto e orgulho.

Em cima, da esquerda para a direita: Cunha, Tibério, Francisco. 

Em baixo, pela mesma ordem, Belfo, eu e o Tó Horta.

Também frequentei a ginástica, fui espetador das várias sessões de cinema que a UDV promovia nas manhãs de sábado, mas foi a Biblioteca e a colaboração na Secção Cultural que me cativaram mais tempo. Aí, as tertúlias promovendo a discussão sobre vários temas, desde a apreciação de um filme, duma peça de teatro (lembro dos contactos com o Rogério Paulo, a Maria Luzia Martins, o Bernardo Santareno, o Morais e Castro), sessões de poesia com o José Carlos de Vasconcelos, debates sobre futebol com as figuras mais em destaque no jornal “A Bola”, leitura e discussão de vários livros com os seus autores, principalmente do neo-realismo como o Alves Redol, filho da terra, o Soeiro Pereira Gomes, Carlos Oliveira, etc., tudo isso foi contribuindo para a formação humana, cultural, social e política de inúmeros jovens entre os quais me incluo.

Dessa colaboração com a Secção Cultural recordo a presença na “Barraca dos Livros”, stand da UDV na Feira de Outubro, com boa frequência - e disso dou conta na foto em baixo, onde indico que sou o que está no interior do stand com roupa mais clara.

Hoje por hoje reconheço que o modo de vida geral, muito mais voltado para o interior, promovendo o individualismo, que para o exterior que promovia a experimentação do grupo, do coletivo, da solidariedade ativa, real (e não apenas virtual) é bastante pernicioso para a formação de uma consciência cívica, mas desconfio que foi isso mesmo que se pretendeu, afastando a possibilidade de, pela experimentação, pela troca de ideias, de opiniões, se pudessem criar mentalidades novas, ativas.

Lamento que as coletividades tenham perdido expressão formativa. Não sei como, nem quando, mas acredito que ainda se encontrarão formas de ultrapassar, criativamente, esta situação.

Hélder Sousa

Fur. Mil. Transmissões TSF

Por opção do autor o texto foi escrito em conformidade com o novo acordo ortográfico. Talvez por isso seja de esclarecer que, embora numa terra fortemente ligada à festa brava, os espetadores não são bandarilheiros mas simplesmente pessoal que assiste a um determinado espectáculo...

segunda-feira, 12 de julho de 2021

P1301: MOMENTOS MÁGICOS

                          PÔR-DO SOL EM MATO CÃO

 

Lá longe,

na direcção do Atlântico,

na direcção da foz do Geba,

põe-se o Sol da Guiné.

 

A terra já vermelha de si própria,

torna-se agora cor de sangue vivo

e pinta toda a paisagem.

 

O momento é mágico!

 

Há uma quietude,

uma paz, uma serenidade,

neste momento.

 

Parece que a natureza ajoelha

e presta vassalagem

ao astro rei.

 

Neste momento cessa a guerra,

não há explosões,

nem tiros,

nem gritos,

e as bênçãos do calor do sol

afastam as maldições.

 

Lá no fundo da descida,

do planalto do Mato Cão,

ouve-se o Geba murmurar,

pintado da cor do Céu,

correndo lentamente,

atirando-se para o mar,

abrindo já os seus braços

à espera do macaréu.

 

A noite chega enfim,

envolta num calor espesso,

tingida de um escuro breu.

 

A natureza deita-se,

num lento e doce torpor.

Tudo se aquieta,

tudo se acalma,

excepto o coração,

que quer ver mais longe,

mais para dentro da mata,

para saber se descansa,

ou tem de ficar alerta.

 

Calam-se as vozes em surdina,

apagam-se as poucas fogueiras,

é hora do corpo repousar,

envolvido pela noite,

enquanto a memória avança,

num frenesim sem “parança”

lembrando o que está longe,

mais longe que a vista alcança.

 

O sono vence a lembrança,

fecham-se os olhos cansados.

 

Amanhã é outro dia,

em que o Sol regressará,

e com ele a doce esperança,

de faltar menos um dia,

para sair da Guiné,

deixando tudo p’ra trás

menos o pôr-do-sol,

que torna a terra vermelha,

pintada da cor do sangue,

que a memória sempre traz.

Monte Real, 2 de Março de 2010

Joaquim Mexia Alves

segunda-feira, 5 de julho de 2021

P1300: ESPIONAGEM NAVAL EM PLENA GUERRA FRIA

 INCIDENTE COM O U-137 EM ÁGUAS SUECAS

Por uma questão de equilíbrios talvez tenha interesse recordar, depois da espionagem militar Sueca, a espionagem militar Russa na Suécia.

Em 1981 o submarino soviético U-137 (designação dada pela Marinha Sueca), armado com mísseis do tipo kryssninger, encalhou a uns escassos mil e quinhentos metros (!) da maior e mais secreta Base Naval sueca no Báltico, situada em Karlskrona, Base onde os navios são recolhidos em tuneis abertos na rocha costeira com centenas de metros de tamanho.


Os acontecimentos posteriores à volta deste incidente poderiam ter sido gravíssimos. Temendo represálias posteriores, tanto o comandante do submarino como a maioria da tripulação desejavam pedir asilo político à Suécia.

O então Primeiro Ministro Thorbjörn Fälldin procurou activamente soluções políticas para a situação.

No entanto os Russos apresentaram um ultimato de curtíssimo prazo exigindo a entrega do submarino e a totalidade da tripulação. Caso contrário viriam buscar o submarino usando os meios que para tal fossem necessários.

Isto ao mesmo tempo em que grande parte da frota de guerra Russa no Báltico se concentrou no limite das águas territoriais suecas frente à base de Karlskrona.

A marinha sueca desencalhou o submarino e levou-o até ao limite das águas territoriais entregando-o à marinha russa com a totalidade da tripulação.

Sabe-se que posteriormente a história acabou mal para o comandante do submarino e alguns dos tripulantes.

Os detalhes à volta deste incidente são numerosos e interessantes.

José Belo

Nota sobre o U-137 (retirado da wikipédia): 

O submarino soviético S-363 era um submarino da classe Whisky da Marinha Soviética da Frota do Báltico, que se tornou notável sob a designação de U-137 quando encalhou em 27 de Outubro de 1981 na costa sul da Suécia, a aproximadamente 10 km (6,2 milhas) de Karlskrona , uma das maiores bases navais suecas. 

U-137 era o nome sueco não oficial para o navio, já que os soviéticos consideravam os nomes da maioria de seus submarinos como classificados na época e não os divulgavam. O incidente internacional que se seguiu é frequentemente referido como o incidente do Whisky com gelo (The Whiskey on the Rocks).