quarta-feira, 28 de outubro de 2020

P1256: AÇORDA MOLHADA...

                     ANIVERSÁRIO EM BISSAU

Há alguns dias atrás ocorreu o meu aniversário. Foi a 3 de Outubro.

Tendo chegado à Guiné em Novembro de 1970 e regressado em Novembro de 1972, fácil é perceber que passei os meus aniversários de 1971 e 72, ou seja os meus 23º e 24º aniversários, durante a comissão na Guiné e qualquer deles em Bissau.

Por estes dias li um artigo com algumas recordações do Carlos Pinheiro nas suas deambulações por Bissau e isso inspirou-me a repescar a recordação que se segue.

Não tenho a certeza em qual desses anos se passou o que a memória agora me despertou, creio ter sido em 71 mas é só um palpite, embora o ano seja irrelevante para o episódio.

Por essa altura já estava em “permanência” em Bissau, no “Centro de Escuta” (os meus seis meses de “mato” passados em Piche foram do início de Dezembro de 1970 ao final de Maio de 1971) e nessas ocupações funcionava em regime de turnos já que o serviço era contínuo.

Antes da ida para a Guiné, uma foto durante o estágio em Tancos, em 1971.
O Manuel Martinho à esquerda em cima, o Helder Sousa à direita em baixo


Pois no dia do meu aniversário fui com um dos meus amigos e camaradas de especialidade e do Serviço, um que na hora não estava de serviço tal como eu, um dos que costumo designar por “Ilustres TSF”, o Fur. Mil. Manuel Martinho, jantar ao “Solar do 10”.

Não foi na parte do “Salão Nobre”, aquele com aspecto mais sumptuoso, interior, com reposteiros escarlates, frequentado na maioria pelos oficiais da Marinha, mas sim no espaço anexo, tipo logradouro interior, ao ar livre, embora coberto, sem ser na totalidade, por uma espécie de toldos.

Recordo bem que o prato escolhido foi uma das especialidades de lá, uma “Açorda à Santa Teresinha”, a fazer lembrar uma “açorda de camarão” mas mais rica e com muitos pickles incorporados. Para acompanhar bebemos um “Dão Grão Vasco” tinto.

Bem, bebemos é uma força de expressão.

Em certa altura do jantar, aí a meio, começam a cair uns grossos pingos de chuva e em menos de nada já era o dilúvio que quem lá esteve se deve recordar. Aí ao terceiro pingo foi de imediato agarrar no prato e “zarpar” para debaixo de um alpendre, ficando na mesa a garrafa com rolha (vá lá, vá lá) mas os copos ficaram a transbordar e o vinho que na ocasião lá estava ficou bem baptizado.

O Manuel Martinho e o Hélder Sousa numa foto mais recente, num almoço de confraternização
na Ribeira do Porto, em 2015. Desta vez o vinho não parece ter sido baptizado...


Algum, pouco, tempo depois a chuvada passou, as mesas e cadeiras foram praticamente consideradas “operacionais” e ainda deu para acabar a açordinha…

Não se trata de uma lembrança de uma grande operação, emboscada, nomadização ou mesmo “golpe-de-mão”, mas espero que dê para alguns de nós se recordem dessas grandes e inopinadas chuvadas, que hoje tanta falta fazem.

Lá e cá!

Hélder Valério Sousa

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

P1255: UMA QUESTÃO DE PERSPECTIVA...

O nosso camarigo José Belo já aqui nos contou alguns encontros seus com a fauna que o rodeia no seu cantinho na Lapónia sueca. Quanto a histórias de experiências incríveis com os animais ditos "selvagens", como se pode calcular com tantas décadas de por ali andar, primeiro em longas férias, depois como reformado (feriante eterno!), são inúmeras – refere-nos ele - e algumas nem se atreve a contar pois ele próprio nunca nelas viria a acreditar... Mas deixa-nos hoje aqui mais uma história de um encontro imediato ocorrido numa das suas saídas.

LINCE XXL…

José Belo
De todos os contactos que ao longo dos anos tenho tido com a fauna local, só o meu encontro com a ursa com filhos poderia ter acabado menos bem. Já contei a história neste blogue, no Post 930. Mas, como se pode compreender, desde então nunca mais voltei a esquecer a espingarda em casa!...

Neste momento em que escrevo, veio-me à memória um outro encontro menos agradável, desta vez com aquilo que então a mim me pareceu ser… um  enorme lince…
É uma história já antiga, pois ocorreu numa das primeiras vezes que aqui estive.

Pescam-se fantásticos salmões a bem poucas centenas de metros da casa. Eu (não como os timoratos pescadores das falésias lusitanas frente a ventos e mar revolto) recordo uma silenciosa e calmíssima manhã em que a superfície do lago a perder-se de vista não tinha um mínimo movimento.

Na margem, um grupo de enormes pedras serviam para calmamente me encostar enquanto segurava a cana de pesca.

Passado um bom par de horas (e um bom par de salmões) tenho uma estranha, mas forte, sensação de que alguém me está observando por de trás das costas.

Volto-me e vejo enorme lince (então a "alimária" pareceu-me gigantesca!!!) calmamente sentado, como gato caseiro, a cerca de dois metros acima da minha cabeça, no mesmo pedregulho em que eu apoiava as costas!

Durante  estes anos que se seguiram tenho encontrado bastantes linces por aqui, sendo os adultos nunca maiores do que um cão grande.

O gigantesco (!) lince, visto a dois metros acima da minha cabeça, mais não terá sido que... ilusão de perspectivas feita (para não lhe chamar... medo!)

Por aqui estes animais nunca atacam humanos, São mesmo dos mais difíceis de serem observados, tanto pelo seu camuflado  de inverno, como pela grande reserva que mostram quanto a aproximarem-se, principalmente quando os aqui indispensáveis cães estão envolvidos.

Causam estragos (económicos) por na Primavera matarem numerosas renas jovens, e no Inverno atacarem renas adultas.

O Estado sueco compensa estas perdas mediante pagamentos aos donos das manadas.
E, só à volta desta última frase poderia encher duas interessantes páginas sobre estes pagamentos estatais…

…E lá iríamos cair nas histórias de velhos à lareira!
Um abraço do
José Belo



quarta-feira, 14 de outubro de 2020

P1254: PARA RECORDAR... (PARTE 1)

BISSAU, CIDADE COLONIAL DOS ANOS 60/70

Uma publicação surgida há já dez anos no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que agora reeditamos com algumas adaptações e que tem por base a extensa colecção de fotos disponibilizadas pelo nosso camarigo Agostinho Gaspar, em que podemos ver algumas zonas mais relevantes da cidade de Bissau nos já distantes anos 60/70 do século passado. Para os mais saudosistas recordarem…

Os bilhetes postais pertencem à edição “Foto Serra” da Colecção “Guiné Portuguesa”, que aqui publicamos com a devida vénia e um agradecimento especial ao Agostinho Gaspar, pela sua disponibilidade.

Vista aérea de Bissau, tendo em primeiro plano o Palácio do Governador 
e a Praça do Império.
Monumento ao Esforço da Raça, na Praça do Império.
Avenida Carvalho Viegas, local de grande comércio.
Praça Honório Barreto e Hotel Portugal.
Palácio do Governador e Câmara Municipal.
Vista parcial da cidade, vendo-se ao longe o Ilhéu do Rei.
Ponte-cais de Bissau, com o monumento a Diogo Cão em primeiro plano.
Avenida da República, vendo-se ao fundo o Palácio do Governador 
à direita a Catedral de Bissau.

Com a devida vénia à "Foto Serra" (autora das fotos), Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (que reproduziu as fotos em Post há 10 anos) e ao Agostinho Gaspar (que as comprou... e disponibilizou).
Os editores


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

P1253: A PROPÓSITO DE UM RELÓGIO...

COMPRAS NA GUINÉ HÁ 50 ANOS


Carlos Pinheiro
O meu Seiko 5 (five) parou ao fim de 50 anos...

Comprei-o na Guiné, na Casa Costa Pinheiro, em Bissau, onde trabalhava no escritório nas minhas horas vagas.

Já não me lembro quanto dei por ele mas não era barato - mas era e foi muito bom durante estes cinquenta anos. Foi a peça que lá comprei que durou mais anos.Comprei lá também um transístor SONY que não sei quanto tempo durou porque um camarada apropriou-se dele enquanto eu estava a tomar o último banho da Guiné, poucas horas antes de seguir para o cais - de regresso a casa depois de 25 meses e 10 dias de Guiné.

Também comprei uma máquina fotográfica FUJICA que durou ainda bastantes anos mas certamente por deficiência de uso também um dia parou mesmo de tirar retratos.

Mas o Seiko 5 deixou-me hoje ao fim de tantos anos.

A Casa Costa Pinheiro era talvez a maior casa comercial logo a seguir à Casa Gouveia da CUF. Importava de tudo e tudo vendia em quantidades impressionantes.

Eram os automóveis Toyota Corolla, os Crown, as carrinhas Hi-Lux e as Staut e acima de tudo os camiões Toyota que por cá nunca apareceram.

Eram os relógios Seiko - como facilmente do texto se pode deduzir - bem como todos o material Sony, desde os pequenos transístores até aos mais potentes gravadores profissionais (de fita como era uso naqueles tempos) e, claro, as máquinas fotográficas Fujica e respectivos acessórios mais os indispensáveis rolos.

Eram as motas e as motorizadas Suzuki que nessa altura começaram a superar a Honda.

Era o material de som Nivico, mas também o Garrard, para grandes salões e para profissionais.

Eram os produtos de beleza da Max Factor para as senhoras... a Colgate Palmolive que toda a gente usava nos quartéis - excepto nas operações no mato, claro - as esferográficas BIC que tantos milhares de aerogramas encheram de noticias, os tapetes da Issing Trading de Itália, que a malta comprava como recordação, eram os discos da Ansónia dos EUA, com os merengues a toda a prova, as porcelanas da Prago Export da Checoslováquia depois de ter também importado, em anos anteriores, os automóveis Skoda.

Enfim. Era uma casa muito grande se bem que não dava muito nas vistas, mas facturava muito bem.

Tantos milhares de letras ali preenchi referentes às vendas a prestações, especialmente dos carros e das motorizadas e motas. As letras ficavam em carteira e os juros ficavam em casa sem intervenção do BNU que na altura era o único Banco da Guiné.

Nas madrugadas em que o Boeing da TAP ia a Bissau e voltava para Lisboa, era o dia e a noite toda a fazer-se correio para os mais variados fornecedores por esse mundo fora e para as mais variadas companhias de seguros, porque parte importante das mercadorias perdia-se na viagem entre Lisboa e Bissau, sabe-se lá porquê. Mas as Companhias, depois do exame prévio na Alfandega e com a confirmação do Agente das seguradoras, garantiam a cobertura dos prejuízos.

E tudo isto para dizer que o meu Seiko 5 parou, ao fim destes 50 anos de vida e de trabalho sem parar... até que parou de vez. É a vida…

Carlos Pinheiro