segunda-feira, 23 de maio de 2022

P1340: INTERROMPIDOS HÁ MAIS DE DOIS ANOS...

               CONVÍVIOS DA TABANCA DO CENTRO

Recentemente tenho sido contactado por vários camarigos perguntando pelo possível regresso dos nossos convívios da Tabanca do Centro.

Tendo trocado impressões com o Miguel Pessoa, falei com a D. Preciosa para lhe perguntar da possibilidade de voltarmos aos nossos almoços de cozido à portuguesa em Monte Real.

Infelizmente informou-me que tal não seria possível, pois já tinha retirado o seu “equipamento” de cozinha, etc., do espaço onde normalmente aconteciam os nossos almoços.

O espaço que agora tem é muito pequeno e, sobretudo, sendo numa cave, não é de todo aconselhável para uma ocupação total (que nunca poderia exceder cerca de 30 pessoas), dada a situação que ainda decorre da pandemia do Covid.

Vamos procurar alternativas aqui na zona, mas é bem provável que os valores praticados até agora nesses almoços (11 euros) sejam impossíveis de manter.

Veremos o que podemos conseguir.

No entanto temos também que reflectir seriamente se já é aconselhável reunirmo-nos novamente em grande número.

Com efeito - e infelizmente - as notícias sobre o desenvolvimento da pandemia não são nada animadoras para já e, dadas as nossas “provectas idades”, todo o cuidado é pouco, para não causarmos alarmes às nossas famílias e a nós próprios.

Não é uma questão de medo. É uma questão de bom senso.

Estamos a procurar locais para a possibilidade de retornar aos convívios e assim que soubermos alguma coisa sobre locais e comida, faremos a proposta a todos para saber do vossa opinião e interesse.

Até lá, abraços fortes e amigos

Joaquim Mexia Alves

segunda-feira, 16 de maio de 2022

P1339: 25 ANOS DEPOIS DE ABRIL

ALVORAR

                                                                                Um poema do António Lúcio Vieira 

era quase alvor a liberdade

era quase a vida quase a voz

era um rio em cheia quase foz

brandos ventos feitos tempestade

++

e foi alevantado este meu povo

gente viva, erguida, agigantada

era um tempo velho feito novo

tempo aceso luz na alvorada

++

assim nasceu esta ânsia de nascer

de novo neste chão por amanhar

chão regado a pranto e a sofrer

chão de medos, chão de tanto esperar

++

e das noites algemadas de morrer

e das horas avisadas de acordar

que eu sou do povo que então quis saber

quanto de si o povo sabe dar

++

e sou também desta terra feita

de cravos, de soldados e canções

da pátria onde me deito e onde se deita

a gesta que moldou mil gerações

++

e sou o filho e sou também irmão

dessa gente que já vive na memória

sou da noite de escrever libertação

com a pena do poeta coração

e as musas de inventar a nova história

++

e era assim o dia a madrugar

no sangue e no fio de uma espada

esperança tanto sonho embainhada

olhos tanta noite a vigiar

++

e as lágrimas que correram tanto mar

e as vozes que rasgaram tanta estrada

e as armas onde a flor se viu plantada

não eram já as armas de matar

que o povo tem no peito e na raiz

a seiva da floresta libertada

++

aqui, e era Abril e era amar

estava a renascer o meu país

quando se alvorou a madrugada


                          António Lúcio Vieira

                25-4-1999 - 25 anos

segunda-feira, 9 de maio de 2022

P1338: AMIGOS DO PEITO

O Cafezinho foi um puto reguila, voluntarioso, sempre a armar confusão, mas todos nós miúdos gostávamos da sua liberdade e de o ter por perto. Era um valdevinos mas um líder, nem sempre pelas melhores razões. Tenho saudades dele, pois faz parte da minha juventude e dos tempos que já não voltam.

Juvenal Amado


O CAFEZINHO

Amparado pelo enfermeiro, o “Cafezinho” deu dois ou três passos titubeantes na recepção das urgências do hospital de Alcobaça.

Um penso na cabeça denuncia o traumatismo, do qual foi tratado pelos serviços daquela unidade hospitalar. Toda a gente o conhecia. Era uma figura simpática, que nos habituámos a ver passar numa pasteleira enorme, onde se gingava no selim para chegar com os pés aos pedais. Infelizmente o combustível da bicicleta era tinto normalmente.

Pequeno, com ar teatral, abriu os braços e num gesto de quem está num palco cantou com voz pastosa, “Tuudo ééé preciso nasss passagens deeesta vidaaaaa!!”

O seu nome era José, a alcunha ganhou-a quando foi preso, por contrabandear café durante a guerra civil espanhola. Uns tiveram sorte, ele teve pouca. O filho, que o esperava fora da sala, abananou a cabeça e disse: - “Pois, e agora cantas…”

Todos nos rimos e o Cafezinho aproveitou para tentar logo vender lotaria aos presentes.

Vendedor de jogo de lotaria, era um autêntico vendedor de jogo branco. Eu próprio junto numa sociedade, lhe comprei sempre o mesmo número durante uns anos. Era o 25209, nunca deu nada, até terminações foram poucas. Comecei antes da tropa e só abandonei quando saí da empresa em 1980.

Mas a estória que quero contar é a do filho Zé Café, sim, o mesmo que o esperava naquele dia.

Andámos na escola primária até à quarta classe, embora ele fosse mais velho que eu. Era o que se pode chamar um pardal de calções, fazia toda a espécie de tropelias e arcou com muitas que ele não fez. Uma fisga era uma arma infalível nas suas mãos. Escolhia as pedras com todo o cuidado e voltava da caça com inúmeros pardais á cintura.
Era visita frequente do posto da polícia. Quando não havia culpado à vista logo alguém se lembrava do Cafezinho.

Um dia também fui parar à esquadra, por me ter envolvido à pancada com ele, coisa de que me arrependi de imediato, pois levei uma carga de pancada no jardim junto ao campo de ténis. Quem jogava ténis naquele tempo era uma meia dúzia de colunáveis da terra, que pagavam aos putos para lhes apanharem bolas. Ora aí estava um bom ponto de discórdia, entre a canalha miúda.

Entretanto saímos da escola e fomos trabalhar, cada um seguiu uma adolescência diferente.

Voltámos a tornar-nos mais íntimos quando, feita a minha recruta no CICA 4, sou enviado para o RI6 na Senhora da Hora, na cidade do Porto. Lá estava ele quase pronto, pois era da incorporação anterior. Eu, o Zé Lourenço, que fez a recruta comigo e o Zé Café tornámo-nos inseparáveis. Vínhamos a casa de fim de semana, no regresso o Cafezinho arranjava-nos boleia nas camionetas dos porcos do senhor Manel Inácio. O cheiro agarrava-se a nós o resto da semana.

Quando chegávamos à porta do quartel por volta das três da manhã, já íamos munidos do jornal para em cima dele nos deitarmos, junto ao muro até abrirem a Porta de Armas.

Cafezinho foi o nosso cicerone pelo Porto fora. Alguns bares na Praça da Batalha e a feira do palácio de Cristal, eram normalmente o nosso destino.

Aí o Cafezinho dava show. Nas barracas de brindes com a espingarda, era cada tiro cada gaio. Era de frente, de lado de costas, ou com um espelho não falhava um tiro. Juntava um monte de gente só para o verem disparar.

Nós três quotizávamo-nos e só ele é que atirava. No fim de cada sessão, lá vinha a prenda entregue de mau modo pelo dono da barraca, que via o negócio ser pouco rentável com gente como nós.

Um dia, quando estava a dar-nos uma garrafa de ginja, que tínhamos ganho, perguntou-nos com um ar agastado se nós nunca mais éramos mobilizados. Respondemos-lhe em ar de gozo, que já tinha passado o nosso número mecanográfico e que íamos acabar a tropa ali mesmo no Porto.

Bem, o Zé Café foi para Moçambique, o Zé Lourenço para Angola e eu para a Guiné.

Quando regressámos cada um foi à sua vida, embora quando nos encontrávamos, havia sempre dois dedos de conversa a relembrar.

O Zé Cafezinho foi atropelado em Lisboa, esteve entre a vida e a morte, pois ficou todo migado. Nunca mais largou as canadianas, não conseguiu continuar a trabalhar na Crisal e o seu sustento foi buscá-lo à venda de jogo da lotaria, concessão que era do pai. Após a morte do pai a mesma ficou para ele. Continuei a comprar o tal número, que entretanto já não eram os mesmos do inicio a associar-se.

Passados uns anos saí de Alcobaça e a morte dele acabou por me passar ao lado. Fiquei espantado quando falei nele e me disseram que ele tinha falecido.

25209. Amanhã vou fazer uma aposta e vou utilizar os mesmos números. Talvez em vésperas de também eu engrossar o fundo de desemprego, vá buscar um pouco de sorte que o Zé Café tentou vender e nunca a teve para ele.

Juvenal Amado

Obs:  Um texto do Juvenal Amado publicado em 25 de Janeiro de 2010, que reproduzimos com a devida vénia ao autor e ao blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que o publicou.