FIZ OS MEUS 22 ANINHOS DESTACADO EM PAREDE
Foi em Agosto de 1974,
já depois do dia 25 de Abril, dia dos cravos cá no Puto.
Eu estava de reserva
de piquete quando o Alferes chegou ao pé de mim e me deu ordens para eu
preparar tudo com urgência; disse-me que íamos ser destacado para uma pequena
povoação de nome Parede, que eu conhecia como as minhas mãos; ia com um grupo
formado com alguns atiradores e alguns sapadores da minha companhia CCS, e,
alguns atiradores do grupo da companhia adida da nossa 3ª companhia.
Ninguém
sabia por quantos dias íamos, só soubemos que tínhamos que ir proteger a
população daquela zona pois um grupo IN andava a ameaçar a população branca e
negra deixando papéis por todo o lado a amedrontar tudo e todos; sabendo isso,
o nosso comandante deu ordens de se formar um grupo e avançarmos.
Quando chegámos à
povoação fomos recebidos com abraços, beijos e lágrimas de todo aquele povo;
tanto brancos como negros prometeram não nos faltar com nada durante a nossa
estadia junto deles e, em alta voz pediam para não lhes virarmos as costas. Pediram
para nós militares ficarmos instalados um em cada casa deles, civis, pois assim
sentiam-se mais seguros. Claro que não pudemos aceitar, tínhamos que cumprir
ordens, mas, não deixaram que montássemos as tendas, ofereceram-nos a pequena
mas luxuosa escola primária que colocava qualquer uma do Puto a um canto - oferta que aceitámos.
Quando entrámos na
escola reparámos que tinham colocado colchões e roupas para todos os militares.
Disseram-nos para não comermos as rações de combate, que, toda a população
branca e negra se tinha reunido e feito uma escala para nos fazerem todas as
refeições, e foram apresentar-nos o nosso refeitório, uma enorme sala de um
senhor branco que tinha uma grande pecuária. Fomos bem recebidos e bem tratados
na nossa estada naquele destacamento da povoação de Parede; foi a primeira vez
que comi moamba de galinha e um belo
prato de funje feito por uma senhora
nativa da sanzala vizinha de Parede.
Todos nós militares partilhávamos as
tarefas, mas tivemos o cuidado de oferecer tudo, mas
mesmo tudo à população nativa, pois, as nossas refeições estavam reservadas na
casa do tal dono da pecuária. No nosso grupo militar estava um colega que na vida
civil trabalhava num talho, aproveitámos para fazer para os nossos anfitriões
uns petiscos à maneira cá do Puto que
eles desconheciam - entrecosto grelhado, costeletas e bifes.
Os meus 22 aninhos
foram assim passados nesse destacamento, dia 8 de Agosto de 1974. No dia
anterior, dia 7, na hora do jantar, na sala onde todos nós militares e civis
brancos e negros nos encontrávamos a comer, sem qualquer intenção da minha
parte calhou eu dizer que fazia 22 anos no dia seguinte. Parecia que ninguém
tinha ligado mas, no dia seguinte – dia do meu aniversário - logo de manhã, o
nosso sentinela que fazia o reforço à entrada da rua principal da pequena
aldeia foi alertado que ia haver uma enorme surpresa, informação que ele
transmitiu ao nosso Alferes. Este alertou-nos pensando que era coisa ligada ao
IN; foi então que apareceu o dono da pecuária com um enorme porco e fez
a oferta - era para nós, para festejarmos o aniversário do Enfermeiro (que era
eu).
Foi lindo ver toda
aquela população nativa a festejar os meus 22 aninhos. À noite houve direito a
um belo bolo feito pela população e um baile Batuque mas foi sol de pouca dura; a meio da festa notou-se um mal-estar
de alguns nativos, que fugiam e gritavam de dor como se tivessem
sido agredidos.
Nós militares, sempre
com as armas na mão saímos da zona e fomos fazer ronda, tendo visto alguns
negros a fugir em direcção ás matas com armas na mão. Viemos a saber que alguns
elementos do tal grupo IN que fazia ameaças dormiam naquela sanzala e
tinham aproveitado o momento alto da festa (pensando que os militares se
encontravam bêbedos) tentando armar confusão com a população por esta
estar do nosso lado. Saímos logo no encalço deles mas, como de noite todos os
gatos são pardos, mesmo levando alguns habitantes da sanzala que os conheciam acabámos
por não encontrar nenhum dos tais que pertenciam ao IN.
Passados alguns dias,
depois de termos estabelecido a paz naquela zona, despedimo-nos de toda a
população, tendo ficado todos, mas mesmo todos, a chorar e a pedir para ficarmos.
Mas não podia ser, tivemos que os deixar e voltar para o nosso Quartel de
Quibaxe.
Na despedida agradeci
do fundo do meu coração e de lágrimas nos olhos tudo o que aquele povo da zona
de Parede fez por nós nesses dias.
Só sei dizer que,
foram os melhores momentos que passei na minha comissão nos Dembos Norte de
Angola, afinal nem tudo foi mau na minha estadia em Angola.
Manuel
“Kambuta dos Dembos” Lopes
1 comentário:
Linda história Manuel " Kambuta dos Dembos". Na guerra foi possível ocorrerem momentos como este, que traduzem que o Homem quando quer esquece a côr, a raça, ser inimigo e tornar-se amigo. O festejo dos seus 22, ficou-lhe para o resto da vida, tal a intensidade e a emoção como o descreve, neste texto. Quando querem os homens dão as mãos e a paz renasce!.. Um abraço. Mª Arminda
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