sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

P584: JÁ DEPOIS DO 25 DE ABRIL, EM ANGOLA...

FIZ OS MEUS 22 ANINHOS DESTACADO EM PAREDE

Foi em Agosto de 1974, já depois do dia 25 de Abril, dia dos cravos cá no Puto.

Eu estava de reserva de piquete quando o Alferes chegou ao pé de mim e me deu ordens para eu preparar tudo com urgência; disse-me que íamos ser destacado para uma pequena povoação de nome Parede, que eu conhecia como as minhas mãos; ia com um grupo formado com alguns atiradores e alguns sapadores da minha companhia CCS, e, alguns atiradores do grupo da companhia adida da nossa 3ª companhia.

Ninguém sabia por quantos dias íamos, só soubemos que tínhamos que ir proteger a população daquela zona pois um grupo IN andava a ameaçar a população branca e negra deixando papéis por todo o lado a amedrontar tudo e todos; sabendo isso, o nosso comandante deu ordens de se formar um grupo e avançarmos.

Quando chegámos à povoação fomos recebidos com abraços, beijos e lágrimas de todo aquele povo; tanto brancos como negros prometeram não nos faltar com nada durante a nossa estadia junto deles e, em alta voz pediam para não lhes virarmos as costas. Pediram para nós militares ficarmos instalados um em cada casa deles, civis, pois assim sentiam-se mais seguros. Claro que não pudemos aceitar, tínhamos que cumprir ordens, mas, não deixaram que montássemos as tendas, ofereceram-nos a pequena mas luxuosa escola primária que colocava qualquer uma do Puto a um canto - oferta que aceitámos.

Quando entrámos na escola reparámos que tinham colocado colchões e roupas para todos os militares. Disseram-nos para não comermos as rações de combate, que, toda a população branca e negra se tinha reunido e feito uma escala para nos fazerem todas as refeições, e foram apresentar-nos o nosso refeitório, uma enorme sala de um senhor branco que tinha uma grande pecuária. Fomos bem recebidos e bem tratados na nossa estada naquele destacamento da povoação de Parede; foi a primeira vez que comi moamba de galinha e um belo prato de funje feito por uma senhora nativa da sanzala vizinha de Parede.

Todos nós militares partilhávamos as tarefas, mas tivemos o cuidado de oferecer tudo, mas mesmo tudo à população nativa, pois, as nossas refeições estavam reservadas na casa do tal dono da pecuária. No nosso grupo militar estava um colega que na vida civil trabalhava num talho, aproveitámos para fazer para os nossos anfitriões uns petiscos à maneira cá do Puto que eles desconheciam - entrecosto grelhado, costeletas e bifes.

Os meus 22 aninhos foram assim passados nesse destacamento, dia 8 de Agosto de 1974. No dia anterior, dia 7, na hora do jantar, na sala onde todos nós militares e civis brancos e negros nos encontrávamos a comer, sem qualquer intenção da minha parte calhou eu dizer que fazia 22 anos no dia seguinte. Parecia que ninguém tinha ligado mas, no dia seguinte – dia do meu aniversário - logo de manhã, o nosso sentinela que fazia o reforço à entrada da rua principal da pequena aldeia foi alertado que ia haver uma enorme surpresa, informação que ele transmitiu ao nosso Alferes. Este alertou-nos pensando que era coisa ligada ao IN; foi então que apareceu o dono da pecuária com um enorme porco e fez a oferta - era para nós, para festejarmos o aniversário do Enfermeiro (que era eu).

Foi lindo ver toda aquela população nativa a festejar os meus 22 aninhos. À noite houve direito a um belo bolo feito pela população e um baile Batuque mas foi sol de pouca dura; a meio da festa notou-se um mal-estar de alguns nativos, que fugiam e gritavam de dor como se tivessem sido agredidos.

Nós militares, sempre com as armas na mão saímos da zona e fomos fazer ronda, tendo visto alguns negros a fugir em direcção ás matas com armas na mão. Viemos a saber que alguns elementos do tal grupo IN que fazia ameaças dormiam  naquela sanzala e tinham aproveitado o momento alto da festa (pensando que os militares se encontravam bêbedos) tentando armar confusão com a população por esta estar do nosso lado. Saímos logo no encalço deles mas, como de noite todos os gatos são pardos, mesmo levando alguns habitantes da sanzala que os conheciam acabámos por não encontrar nenhum dos tais que pertenciam ao IN.

Passados alguns dias, depois de termos estabelecido a paz  naquela zona, despedimo-nos de toda a população, tendo ficado todos, mas mesmo todos, a chorar e a pedir para ficarmos. Mas não podia ser, tivemos que os deixar e voltar para o nosso Quartel de Quibaxe.

Na despedida agradeci do fundo do meu coração e de lágrimas nos olhos tudo o que aquele povo da zona de Parede fez por nós nesses dias.

Só sei dizer que, foram os melhores momentos que passei na minha comissão nos Dembos Norte de Angola, afinal nem tudo foi mau na minha estadia em Angola.


Manuel “Kambuta dos Dembos” Lopes

1 comentário:

Anónimo disse...

Linda história Manuel " Kambuta dos Dembos". Na guerra foi possível ocorrerem momentos como este, que traduzem que o Homem quando quer esquece a côr, a raça, ser inimigo e tornar-se amigo. O festejo dos seus 22, ficou-lhe para o resto da vida, tal a intensidade e a emoção como o descreve, neste texto. Quando querem os homens dão as mãos e a paz renasce!.. Um abraço. Mª Arminda