RECORDANDO O NATAL DAQUELES TEMPOS
Já lá vão muitos anos, mais de sessenta, mas é
bom puxarmos pela memória para recordarmos como era o Natal nessa época do após
guerra.
Com mais ou menos frio próprio da época, parecia
que toda a gente andava empenhada em dar algum brilho a essa quadra diferente.
Os miúdos andavam a procurar os melhores sítios
para apanharem o musgo para o presépio. E encontravam-no naquelas oliveiras
muito grandes e já velhas, mas também nas ribanceiras. Cada um procurava o
melhor, mas também ajudava os seus amigos na mesma busca e recolha.
As pedras, para se fazer a gruta e as elevações
do terreno, essas facilmente se encontravam em qualquer monte. Era só escolher
as que melhor se podiam aplicar, e levar para casa.
As figuras já existiam de anos anteriores. Era o
Menino Jesus, S. José e Nossa Senhora, mas também a vaca e o burro para
aquecerem o Menino. No alto da gruta, para além dos Arcanjos e da Estrela,
também lá estava o galo para cantar ao amanhecer do dia. Mas o presépio também
tinha o pescador e, claro, os pastores e o seu gado, sem esquecer o cão de
guarda. Também lá estavam as casinhas, os ribeiros, as pontes e a igreja e ao
longe também já se viam os Reis Magos, a serem guiados pela estrela, e que
haviam de chegar à gruta no dia de Reis para darem ao Deus Menino as suas
prendas
Era uma festa, especialmente para a gente
pequena, que se renovava todos os anos.
Naquela altura ainda não tinham chegado as
modernices do Pai Natal nem a Árvore de Natal. Era o presépio e a bota, ou o
sapato, na chaminé a ver se o Menino Jesus trazia alguma prenda.
De facto já se sonhava com as prendas, mas nada
do consumismo dos últimos anos. Os brinquedos eram de madeira ou de lata e era
um consolo quando um caía na bota. Mas as melhores prendas acabavam por ser as
meias, as camisolas ou algum boné para a cabeça porque de resto já havia a
certeza do “rancho melhorado” lá em casa, onde também não faltavam os fritos.
À meia-noite havia a Missa do Galo na Igreja
Matriz. Mas antes disso já o adro da igreja estava pejado de lenha, de árvores
inteiras, para que a fogueira durasse até de manhã. Era a tradição.
A Missa era rezada com uma solenidade própria
dos dias festivos da Igreja. E nessa noite a igreja enchia até não levar mais
gente. Sentia-se algo de diferente. Mesmo com o frio da noite, cá dentro,
sentia-se um calor humano, que não era derivado do calor da fogueira.
Em casa, as mães e as avós também tinham andado
nos últimos dias numa lufa-lufa constante. Eram as limpezas da casa, era a
procura da galinha para servir de prato forte no dia de Natal. Era a procura do
bacalhau que também não podia faltar na noite da Consoada - e o “fiel amigo”
nessa altura andava muito fugidio. Mas sempre se arranjava algum. As couves
também não faltavam e o belo azeite da serra, para regar o prato, também estava
presente.
O maior trabalho era das mães. Era todo o
trabalho da casa e da cozinha mas especialmente a preparação das massas para os
fritos. Era um trabalho interessante que os mais novos nunca perdiam de vista.
Amassar, levedar, estender e depois fritar os coscorões, muito finos e
estaladiços que eram polvilhados com açúcar pilé com um pouco de canela, mas
também as filhoses e as velhoses, depois de amassadas e preparadas para a
fritura, também eram polvilhadas com o mesmo açúcar e a mesma canela. Depois
tudo era colocado, separadamente, naqueles alguidares grandes de barro vidrado
e tapados com um pano de linho para mostrar o esmero da casa e da cozinheira,
de onde depois das refeições, durante uma série de dias, se tiravam alguns
fritos para servir de sobremesa.
Voltando ao final da Missa, que terminava sempre
com a cerimónia de se beijar o Menino, já passava da uma hora e os mais
pequenos, apesar de alguns terem dormido uma sesta de tarde, já sentiam o peso
do sono na cabeça e nos olhos. Mas ao saírem da Igreja lá estava a fogueira,
bem acesa a despertar-lhe a curiosidade, já que se tratava de acontecimento
raro.
Mas os olhos tinham que estar ainda abertos para, quando se chegasse a casa, ainda se ir ver a bota e se havia mais alguma coisa para além do tal par de meias.
No dia de Natal voltava a haver Missa ao
meio-dia. A fogueira do adro ainda ardia mas as chamas já eram pequenas. Lá
dentro, as cerimónias religiosas voltavam a acabar de novo com o beijar do
Menino. Cá fora, se o tempo não ameaçasse chuva, já se mostravam as coisitas
novas que o Menino Jesus tinha posto na bota ou no sapatinho.
Era o Natal dos simples. Mas era saudável e
sempre esperado pelas crianças.
Carlos
Pinheiro
1 comentário:
Amigo Carlos Pinheiro. Bonita e certíssima descrição da véspera e ceia de Natal em muitas casas, incluindo a "Missa do Galo". Revi e relembrei os meus tempos de miúda. Hoje esta tradição foi-se alterando em muitas famílias incluindo a minha e até a missa, mudou de horário. Evolução dos tempos e alteração dos costumes. Agora quási todos os garotos falam em Pai Natal e não no Menino Jesus. Um abraço. Bom Ano. Mª Arminda
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