Num texto recente em
que reportámos o lançamento do livro “Nós, Enfermeiras Paraquedistas”,
referimos que o texto lido pelo TCor. José Aparício no decorrer dessa sessão
tinha calado fundo no coração de muitos dos presentes. Ficámos por isso de o
reproduzir neste blogue logo que nos fosse disponibilizado. Aqui fica a
referida apresentação, com a devida vénia ao autor.
TEXTO LIDO PELO Ten.Cor.Inf.
JOSÉ APARÍCIO
NA APRESENTAÇÃO DO
LIVRO
“NÓS, ENFERMEIRAS PARAQUEDISTAS”
NO AUDITÓRIO DO EMFA,
EM ALFRAGIDE, EM 26NOV2014
Poderá parecer estranho a todos os
presentes que a apresentação deste livro vá ser feita por um militar do
Exército. Não conheço o que motivou o convite que me foi formulado, que muito
me honra, e que agradeço. Presumo que a condição de ex-combatente tenha sido a
determinante, já que em todos os Teatros de Operações, as tropas no terreno,
paraquedistas incluídos por maioria de razão, foram as testemunhas
privilegiadas, e especialmente os grandes beneficiários, das actividades na
guerra das enfermeiras paraquedistas portuguesas, que nesta obra importante e
tão vivida, tão bem relatam, com uma sensibilidade e delicadeza comoventes.
De tudo o que fizeram por nós, todos os
combatentes ainda hoje têm uma lembrança muito viva, e que nunca esquecem. É de
todos, o sentimento de uma enorme dívida de gratidão que toda uma geração vos
deve, e que enquanto vivermos sempre lembraremos. Sinto por isso, a
responsabilidade acrescida de, em seu nome, dizer aqui o essencial do que vai
na alma e no coração de tantos portugueses que apoiaram em momentos muito
difíceis.
Por muitas razões, não sou com absoluta
certeza a pessoa mais qualificada e habilitada para fazer esta apresentação.
Mas estando hoje aqui para isso, vou fazê-lo sem filtros, como aos velhos tal é
permitido, e com todo o coração, seguindo assim o exemplo do que é bem visível
nesta obra, desde a capa à última página que escreveram.
Confesso que foi com muita emoção que
preparei a apresentação deste livro, que já li e reli várias vezes, para o
perceber em todas as suas dimensões. Inclusivamente as que, por razões que se
adivinham, as autoras deixaram implícitas e não revelaram completamente; como
foram seguramente os desabafos e as súplicas que ouviram de gente em enorme
sofrimento físico e também moral. “Não se
pode olhar fixamente o sol, nem a morte” como refere o francês, LaRochefoucault.
Quando se sente a morte por perto, somos todos mais autênticos, e há sempre,
pelo menos, o esforço de deixar uma última mensagem para alguém, mesmo quando
as palavras faltam e só os olhos falam; quantas mensagens destas não terão
ouvido e sentido estas mulheres portuguesas!
Hoje há já publicados muitos livros
sobre a denominada “Guerra do Ultramar”. Nessas obras constam normalmente as
vivências e o sofrimento, de toda uma geração que foi chamada a servir a sua
Pátria em condições crescentemente adversas. O livro que hoje aqui apresento é
um livro único nessa já longa Bibliografia Militar; pela novidade e
sensibilidade do assunto tratado, pela sua autenticidade bem manifesta, pela
dureza e intensidade dos relatos neles contidos, pelo sentimento e emoção ali
sempre presentes, pelas histórias humanas comoventes, até dramáticas, que nele
são contadas. Pelo que mostra da guerra que vivemos, na sua face mais cruel, e
com pormenores que ainda ninguém tinha ousado assim contar.
Quem estude a guerra a que tivemos de
fazer frente, não pode deixar de conhecer, e de sublinhar a importância, de
algumas decisões que, atempadamente, o então Secretário de Estado da
Aeronáutica, TCor Kaulza de Arriaga e os comandos da Força Aérea Portuguesa
tomaram, quando todas as previsões apontavam que “os ventos de guerra” iriam rapidamente chegar às províncias
ultramarinas portuguesas. Estranhamente, a maior parte da história publicada
ainda nada menciona a esse respeito, pelo que é preciso recordá-las com
insistência, para que constem. Refiro-me concretamente às decisões tomadas a
partir da segunda metade da década de 50, na preparação para a guerra em
África, e que foram: a decisão da construção das infra-estruturas aeronáuticas
necessárias para que em todas e em cada uma das províncias ultramarinas, as
mesmas estivessem já operacionais quando a guerra eclodiu em cada uma delas; a
criação das Tropas Paraquedistas que, quando a guerra começou, tinham já um
grau de preparação e de prontidão muito avançadas, e que foram as primeiras
forças a chegar às zonas onde aconteceram os terríveis massacres no norte de
Angola, e que até ao fim tiveram sempre um desempenho notável; finalmente o
mérito, e a ousadia para a época, da criação do quadro das enfermeiras
paraquedistas, que depois foram imprescindíveis nas evacuações dos feridos a
partir dos próprios locais de combate.
Para além, evidentemente, do desempenho
da Força Aérea Portuguesa na guerra, da sua operacionalidade e eficiência com
que sempre actuou desde o início até ao seu fim; e com todas as suas
componentes e funções, aérea, de transportes, paraquedistas, e de evacuação.
Todos nós, os que fizemos a guerra no Ultramar, em terra ou na água, temos da
FAP no seu conjunto, dos seus diferentes comandos, dos seus excelentes pilotos e
de todos os seus especialistas, a imagem bem vincada que, mesmo em situações
limite e nos locais mais isolados e difíceis, sempre nos apoiaram.
Como é bem demonstrado neste livro, a
criação do Quadro das Enfermeiras Paraquedistas não foi um episódio e muito
menos um pormenor da Guerra do Ultramar. Foi antes um projecto bem pensado,
amadurecido, e posto em execução com todo o cuidado e empenho. O desempenho
excepcional dos seus agentes, as enfermeiras paraquedistas, justificou-o
plenamente, e a todos os títulos; como militares paraquedistas, como
enfermeiras profissionais altamente qualificadas, como Pessoas de uma enorme
estatura moral e humana.
Logo no início deste seu testemunho as
autoras assumem com uma humildade exemplar que este livro não é uma obra literária,
e que portanto não tiveram grandes preocupações quanto à forma. Tiveram antes
como principal objectivo relatar a sua vivência na guerra, mas também na FAP e
no Regimento de Paraquedistas, a que ainda hoje, com muito orgulho e empenho,
ainda se reclamam de pertencer. É pelo seu conteúdo que este livro é
impressionante; pela humanidade e humildade que põem em cada palavra, pelo
sentimento com que descrevem as terríveis situações por que passaram, pela
simplicidade como relatam cenas de uma grande violência, como abrem as suas
almas e o seu coração e dizem o que pensaram e sentiram em todas as situações
da vida que então viveram.
Como o livro contém muitos depoimentos
individuais das suas autoras, e que são imprescindíveis para se conhecer o que
foi a sua vida e as suas emoções durante os 13 anos de guerra, era impossível
evitar algumas repetições. Curiosamente, ou talvez não, o que é mais repetido são
os seus comentários sobre a FAP e as unidades paraquedistas, com a manifestação
permanente do orgulho que ainda sentem por terem pertencido a esta Instituição
e às tropas paraquedistas, e com os seus agradecimentos pelo calor do
acolhimento que tiveram, e pelo apoio que sempre sentiram. Como todas referem, “os tempos de Tancos foram uns tempos
magníficos”.
Citando o que no início desta obra
escrevem, «As autoras assumem-se aqui,
neste livro, simplesmente como gente que viveu a dor dos outros, gente igual a
tanta gente; ”gente que tratou gente”…». Acrescento, da minha parte, o que
os combatentes delas sentiam, “Gente
bonita, por dentro e por fora!”, o que hoje ainda se aplica por inteiro e
em toda a dimensão. Esta frase foi um comentário de um militar de uma das
companhias que comandei numa evacuação dramática como todas foram. A razão que
a provocou, foi apenas uma manifestação de carinho e de solidariedade da
enfermeira em causa, que depois de embarcar no helicóptero o ferido grave,
ainda teve um gesto que calou fundo em todos nós que estávamos perto, e que
foi, só, dar um toque nas costas do socorrista do exército que até aí tinha
estado a tratar o ferido. É bem verdade que na vida há pequenos gestos que se
tornam enormes pelas suas circunstâncias e sentimento, que classificam
moralmente os seus autores, e que por isso ficam para sempre com quem os
presencia.
Como revelam, a inspiradora da ideia da
“Enfermeira Paraquedista” foi uma mulher portuguesa, Isabel Bandeira de Melo,
filha dos condes de Rilvas, que desde muito jovem foi uma apaixonada por
actividades aéreas. Em França frequentou cursos de pilotagem de aviões e de
balões de ar quente e ainda de paraquedista. Nessa sua permanência no exterior
conheceu um grupo de médicas e enfermeiras da Cruz Vermelha Francesa que eram
paraquedistas e que tinham actuado na então Indochina francesa e na Argélia,
como os livros publicados na época referem. Sendo das relações do TCor Kaulza
de Arriaga, então Secretário de Estado da Aeronáutica, convenceu-o da bondade
da ideia, que depois até foi apadrinhada pelo Presidente do Conselho de então,
Prof Oliveira Salazar, que ainda recomendou, a propósito, que a selecção das
voluntárias devesse ser feita nas escolas de enfermagem religiosas então
existentes.
Na primeira parte deste livro as autoras
relatam-nas as suas vidas até à opção que tomaram de serem enfermeiras, e
depois enfermeiras paraquedistas. As terras onde nasceram vão do Minho ao
Algarve, e uma delas em Santo Antão, Cabo Verde. Representam o Portugal autêntico,
com as suas diferenças ainda hoje prevalecentes entre os residentes dessas
várias regiões do País. Descrevem de uma forma muito simples, mas muito
completa e objectiva, como era a sociedade portuguesa nesses tempos já
longínquos. E não esquecem nenhum dos seus aspectos mais relevantes, como a
extrema pobreza de então em largos estratos da população, a imensa iliteracia
reinante, a enorme pressão sobre os costumes e as mentalidades, sobretudo nas
aldeias. Como referem, desde cedo aprenderam a viver com muito pouco e com
dificuldades, o que, reconhecem, lhes granjeou uma grande capacidade de
resistência às adversidades, que lhe foi útil face às muitas dificuldades que
depois tiveram de enfrentar.
Lisboa era então vista pelo Portugal
profundo como o “antro do vício” onde os riscos para uma rapariga nova, bonita
e sozinha, eram enormes; ser então enfermeira, e ter trabalhar de noite, era um
enorme perigo; ser paraquedista e viver num quartel no meio de homens, era
hipótese impensável. Percebem-se muito bem as dificuldades que tiveram que
ultrapassar; primeiro junto das suas famílias, o que contam com uma grande
ternura, depois nas suas aldeias e na sua roda de amigos. Além disso tiveram
que enfrentar imensos tabus, e assim contrariar o que era considerado o papel
tradicional da mulher na sociedade portuguesa. Foram por isso notáveis
pioneiras na luta pela emancipação da mulher, com a força da relevância que
tiveram pelo seu extraordinário desempenho, em todos os aspectos, durante a
guerra do Ultramar.
Depois de terem tomado como opção de
vida a enfermagem, fizeram o seu caminho conforme as habilitações que então
tinham, mas principalmente conforme as possibilidades financeiras dos seus
pais. Ao tempo havia 2 cursos de enfermagem, um de Auxiliares de Enfermagem
menos exigente na escolaridade já feita, o outro, mais completo e mais longo, e
com mais anos de escolaridade de exigência. Revelando a sua garra e a sua
determinação algumas das já Auxiliares de Enfermeiras, conseguiram tirar depois
o Curso Geral de Enfermagem com o dinheiro ganho no exercício da sua
actividade, e com o sacrifício do seu merecido descanso.
Eram já enfermeiras profissionalmente
bem preparadas, experientes, e especialmente motivadas, quando em 26Mai61 as
primeiras onze voluntárias seleccionadas se apresentaram em Tancos para o
primeiro curso de enfermeiras paraquedistas. É muito interessante ler as suas
impressões sobre a sua entrada no BCP, o ambiente amigo e respeitoso que
encontraram e sempre ali tiveram, as enormes dificuldades físicas e
psicológicas que tiveram valentemente de ali vencer, o muito esforço físico a
que foram submetidas e a que não estavam habituadas, as muitas nódoas negras, a
torre de saltos, os seus medos, os saltos que cumpriram galhardamente, os
campos do Arrepiado, o Tejo e as preocupações de nele não cair.
Através
deste livro percebe-se bem como foi cuidado e acarinhado pela FAP este
projecto. Primeiro pelo conceito aprovado, depois pelo rigor posto na sua
aplicação, finalmente pelo continuado acompanhamento do seu desenvolvimento
introduzindo os ajustamentos que a realidade foi depois aconselhando. A escola
de enfermagem escolhida para efectuar a selecção e a angariação de potenciais
voluntárias foi a Escola das Franciscanas Missionárias de Maria, na altura uma
escola de enfermagem muito prestigiada. Após serem seleccionadas,
apresentaram-se em 06Jun61 em Tancos onde durante 12 semanas fizeram a normal
formação de paraquedistas, um treino duro que lhes foi ministrado com
exigência. Finalmente em 08Ago61 receberam com reconhecido orgulho e entusiasmo
a boina verde e o brevet de paraquedista que tanto ambicionavam. Logo de
seguida, os primeiros cursos estagiaram nos serviços de Urgência do Hospital de
S José e no Hospital Militar Principal onde nessa altura já havia feridos de
guerra evacuados de Angola. Depois, o estágio passou a ser feito nos Açores no
Hospital da FAP até 1968; nos últimos anos o estágio passou a ser realizado já
em operações, sendo acompanhadas nas primeiras evacuações por outra enfermeira
já experiente no local.
Veio então a guerra. As primeiras a
aterrar em África chegam a Luanda em 12Out61. A partir daí e até ao seu fim
estiveram sempre presentes em todas as situações delicadas. Primeiro no
desastre do Chitado em 16Nov61, na muito penosa identificação dos cadáveres
carbonizados que ali encontraram, e na posterior assistência às famílias dos
mortos e no seu acompanhamento no regresso a Lisboa. Em Dezembro de 1961,
quando da invasão dos territórios portugueses da India, foram deslocadas para
Karachi onde estiveram cerca de 2 meses a assistir as mulheres e crianças
entretanto evacuadas daqueles territórios. Depois, e até ao fim de 1974,
estiveram presentes em todos os locais onde a guerra foi mais intensa e dura.
Em Angola a guerra já se tinha entretanto
iniciado; na Guiné e Moçambique eclodiu nos anos seguintes.
Face ao sucesso que constituiu o
primeiro curso de enfermeiras paraquedistas, e à sua rápida e fácil adaptação
ao ambiente operacional, extinguiram-se os receios até aí existentes quanto à utilização
de mulheres na Instituição Militar. E assim outros cursos se lhe seguiram,
agora já abertos a voluntárias provenientes de todas as escolas de enfermagem
do País.
Até ao fim, estiveram presentes em todos
os locais onde a guerra foi mais intensa e dura. E também estiveram nos aviões
de longo curso da FAP que transportavam feridos do Ultramar para os Hospitais
Militares de Lisboa. Estes aviões eram autênticas enfermarias voadoras, onde as
enfermeiras tinham a responsabilidade de manter as funções vitais dos feridos,
durante viagens muito longas e prolongadas sobre a África e o oceano Atlântico.
Mas também controlar a ansiedade dos feridos e os problemas psicológicos de
muitos perante o momento terrível de, naquelas condições de diminuição física,
quase sempre para o resto da vida, aparecerem às suas famílias que ansiosamente
os esperavam em Lisboa, às horas sempre tardias de chegada dos aviões.
A guerra do Ultramar no seu conjunto foi
extremamente longa, dura e exigente. Recordo que estiveram nela envolvidos
cerca de um milhão de portugueses, que nela morreram 8,300 combatentes, da
Marinha, do Exército e da FAP, a maior parte em combate. E os feridos foram
muito perto de 26,300, dos quais muitos, estropiados e deficientes para a vida,
de que não se sabe o número oficial, e que hoje são a prova viva dos horrores
de então.
A guerra, qualquer uma que seja, é
sempre o mal absoluto, em que o sacrifício, o sangue, o sofrimento, as feridas
monstruosas, e as terríveis mutilações estão sempre presentes. Foi com todos
estes horrores, na circunstância os mais duros e dolorosos, que as enfermeiras
paraquedistas portuguesas quase diariamente se confrontaram durante 13 anos.
Sem um lamento, sem um desfalecimento, sem qualquer apoio psicológico exterior,
valendo-se apenas dos mecanismos de autodefesa que foram criando, e do muito
convívio e apoio dos seus camaradas da FAP e paraquedistas nas instalações que
ocupavam.
Como detalhadamente descrevem, as
evacuações efectuadas a partir dos locais de combate foram sempre situações
complicadas. Onde correram enormes riscos – que nunca mencionam por modéstia -
mas que era a constante nessas situações, com muitos tiros e rebentamento de
granadas no local. As imagens vivas, que ainda hoje perduram perante nós dessas
ocasiões, são: a coragem e a perícia do piloto em poisar o helicóptero em
sítios que pareciam impossíveis, ou aterrar o avião em pistas rudimentares; a
enfermeira paraquedista, quase sempre a correr para os feridos, completamente
indiferente ao que ao lado se passava, e pondo muitas vezes ordem na confusão
eventual existente; e o cabo mecânico com uma maca a ajudar no exterior do meio
aéreo. As equipas de evacuações eram realmente equipas magníficas, de coragem,
de generosidade, e de fraternidade. Os riscos que correram tiveram
consequências: uma das autoras faleceu nas condições trágicas que adiante
referirei, outra levou um tiro na cabeça de que felizmente recuperou, outra
escapou milagrosamente a um disparo de Strela que passou nas imediações do
avião que a transportava; várias estiveram em aterragens forçadas das suas
aeronaves em zonas fortemente controladas pelo adversário, no planalto dos
Macondes (Moçambique) e na ilha do Como (Guiné).
Há um aspecto particular que foi de uma
enorme importância e que consta aliás de vários depoimentos deste livro. À
distância do tempo, ainda hoje me espanto com a percepção que as enfermeiras
paraquedistas tão cedo adquiriram de como era penalizadora a existência de
militares já mortos no terreno. E como tão generosamente depois resolveram o
problema. Assumiram elas próprias o transporte de militares já cadáveres, o que
não era permitido pelos regulamentos. Formalizavam o facto com o registo de que
a morte tinha ocorrido minutos após a descolagem. Tal só foi possível,
certamente, com a cumplicidade dos cabos mecânicos que as acompanhavam, com o
fechar de olhos dos pilotos à situação, e com a compreensão posterior dos
respectivos comandantes de esquadra.
Em campanha convive-se muito mal com a
morte de alguém, que há instantes marchava a nosso lado, que era nosso irmão
qualquer que fosse a sua cor ou graduação. Sei por experiencia própria, que é a
de muitos infelizmente, quão doloroso é o transportar aos ombros um dos nossos,
com o sangue, o vómito, e todos os fluidos de um corpo escorrendo para os
camuflados; e com as nossas cabeças cheias de desespero, de raiva e de muitas
de interrogações.
Porque em guerra, as enfermeiras
paraquedistas, conviveram intensamente com um dos enigmas do nosso destino:
apenas uma fracção de segundo nos separa da morte e da eternidade; há momentos
de uma enorme intensidade, em que o tempo não existe porque não se pode medir;
alguns instantes fugazes parecem uma eternidade, e são anos que nos fazem
envelhecer, e que deixam marcas até à morte. Há aliás no livro uma afirmação de
uma das autoras, que a partir dos horrores que viu e viveu em todos os TO,
conclui: “A guerra era assim! Para quem a
faz, para quem a sente, e para quem a presencia… um suplício”.
Os extraordinários depoimentos que
escreveram sobre esses tempos são umas magníficas lições de humanidade e de dádiva
pelos outros. E não só pelos combatentes portugueses, como também pelos
combatentes do PAIGC e da FRELIMO, de que também sempre cuidaram com o mesmo
desvelo, carinho e entrega. E ainda nas horas livres apoiando as populações
nativas em postos de socorros primários, em aulas de educação sanitária,
ajudando nas Missões contra a Lepra e a Elefantíase que existiam em Bissau,
brincando com as crianças, esses “olhões
brilhantes como sóis” como, com tanta beleza, estão aqui descritos.
O convívio agradável e amigo que sempre
tiveram nas unidades da FA que as apoiavam ajudou-as muito a amortecer os
dramas e as agruras de cada dia. Por vezes até tinham tempo de fazer renda e
ensinar os vários tipos de pontos; houve tempo para cantar e de se divertirem
em serões animados. E naturalmente também tiveram tempo de namorar; como era de
esperar de gente nova e bonita, cheia de vida, de projectos e de ilusões. Não
admira por isso as consequências posteriores, que foram os casamentos felizes
de muitas das autoras com paraquedistas, aviadores e mais elementos da Força
Aérea.
Como referem com frequência, em muitas
situações de enorme tristeza rezaram a Deus e a Nossa Senhora do Ar por aqueles
que tratavam. Fizeram-me lembrar, a propósito, um velho provérbio russo “Quem nunca fez a guerra não sabe o que é a
oração”.
Alguns dos depoimentos que vão ler são
de uma enorme violência e dramatismo como o referente à descrição do acontecido
à enfermeira Celeste morta na Guiné, quando atingida por um hélice do avião que
a ia transportar para uma evacuação. Uma enorme tragédia. O que descrevem,
ilustra ao limite o que é sofrimento humano, e também a grandeza da Amizade, e
a admirável dimensão humana de duas das autoras – que todas as outras também
teriam tido, se fossem elas que tivessem estado presentes – ao tratarem durante
horas do corpo morto da sua Amiga, para que partisse bonita, como tinha sido em
vida!
Este vosso livro é, por tudo, mais um
serviço extraordinário que prestam à sociedade portuguesa e à sua história. Os
que foram combatentes vão lê-lo com uma lágrima nos olhos; os outros
portugueses, com o espanto de uma realidade que julgavam nunca pudesse ter
acontecido.
Por tudo o que as enfermeiras
paraquedistas fizeram, muito mais do que relatam, lembrei-me da frase histórica
do PM inglês Churchill aos cidadãos ingleses no final da II WW: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.
Todos os combatentes, e não só os que
convosco directamente contactaram, nunca esquecerão como nos trataram e
apoiaram, tudo o que fizeram por nós, o vosso magnífico desempenho profissional
a que tantos devem a vida, ou a melhor recuperação possível de tantas
mutilações, a vossa sensibilidade humana sempre presente, os pequenos gestos de
ternura e afecto que sempre nos prodigalizaram e que tão profundamente nos
tocaram em momentos de enorme sofrimento e dor que nunca se esquecem.
Que Deus vos guarde e proteja, como
tanto merecem pelo bem que sempre praticaram.
Lisboa 26Nov
2014, José Aparício, TCor Inf (Ref)
SOBRE A APRESENTAÇÃO DO LIVRO
"NÓS, ENFERMEIRAS
PARAQUEDISTAS"
Tivemos a oportunidade de referir anteriormente que os
exemplares disponibilizados ao público pela Editora na sessão de apresentação
do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas" foram claramente insuficientes face à procura. Para além de muitos terem adquirido mais que um exemplar
(estamos a aproximar-nos do Natal e um livro é sempre um bom presente), vimos
vários interessados que traziam encomendas de pessoal a residir no estrangeiro
interessados em receber esta obra. E, claro, uma série de gente (como algumas das
co-autoras...) acabou por ficar de mãos a abanar...
Contactámos recentemente um responsável da Editora, que nos
referiu estar prevista a distribuição do livro nos grandes centros livreiros só
para o mês de Janeiro. Uma situação que se lamenta, pois prejudica quem gostava
de ler já o livro, aqueles que gostariam de adquirir alguns exemplares para
ofertas de Natal e, afinal, a própria Editora, que poderia ter feito um volume
de vendas superior ao que possa vir a conseguir após estas limitações iniciais.
Sabemos que estão previstas apresentações do livro no Porto,
em Aveiro e em Évora, que só ocorrerão no início de 2015. Sobre estas sessões,
bem como a disponibilidade do livro nos escaparates, daremos informações assim
que estas nos forem chegando às mãos.
5 comentários:
Um sincero OBRIGADO pela oportunidade que nos é dada de ler este texto.
Consegue, com frontal simplicidade, explicitar tudo o que de gratidäo vai na alma dos antigos combatentes em relacäo ás nossas Camaradas Enfermeiras Pára-quedistas.
Um grande abraco do José Belo
Não posso deixar de secundar as palavras do José Belo.
Foi o meu primeiro impulso, ao ler de rajada todo o depoimento. Acaba por ser um prefácio ao Livro, de indispensável leitura, e que deste modo prepara e 'aguça o apetite' para o que o leitor irá encontrar.
Hélder Sousa
Não posso estar mais de acordo com os conteúdos das mensagens de José Belo e Hélder Valério. Estive presente e não mais esquecerei as palavras do nosso Coronel Aparício, que me tocaram profundamente. Para terminar mais um obrigado às nossas enfermeiras paraquedistas.
JERO
Grande texto!
Emocionou-me!
Ainda temos em Portugal gente que reconhece o valor de quem esteve na guerra.
E se há gente que merece ser reconhecida pelo que fez na guerra, arrisco-me a dizer que as Enfermeiras Pára-quedistas estão no "pelotão da frente".
Um abraço de profunda gratidão a todas elas
Joaquim
Em meu nome pessoal e de todas as minhas colegas, agradeço as palavras de apoio e amizade que aqui foram colocadas pelas vossas mensagens. Igualmente agradeço a presença e o carinho com que nos têm tratado. "Estivemos todos no mesmo barco"!.. e mais não fizemos que cumprir o que nos era pedido. Aproveito este meio para a todos os amigos, desejar um Santo e Feliz Natal e que o Novo Ano, nos traga saúde e paz. Um grande abraço. Mª Arminda
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