Como dizia o nosso saudoso camarigo António Lúcio Vieira há dois anos, no Dia Mundial da Poesia:
“HOJE É O DIA DA POESIA.
OLHA, ESCREVI UM POEMA. O QUE É QUE EU PODIA FAZER?”
TEMPO A TEMPO
Ainda procuro o silvo do vento
nos córregos da montanha
as plantas do bosque e
os regatos
o pio das aves que
despertam a manhã.
Ainda procuro o tanger
da chuva
o canto das ondas que
se entregam
a todas as praias do
mar
Procuro do ermo das
colinas
onde a voz da montanha
se liberta
as nuvens que se abrem
quando a voz
irrompe no azul do
firmamento
Perco-me nos caminhos
dos outeiros
onde as plantas e os
regatos
recebem o pio das aves
da manhã
e aí é o meu chão. O
meu país.
A cama onde nasci e
onde me deito
a minha arca de sonhos
e mortalha.
Subo à montanha e às
utopias
procuro, no ermo das
colinas
os jardins e as pedras
do lar
o bater sincopado do
coração
e o grito igual ao pio
das aves.
Existe em mim uma
terra por fazer
um nome e um país
atormentado
uma árvore em busca de
raízes
uma voz ainda à espera
do grito.
Ainda procuro o
supremo milagre
de saber do amor ao
vento
e do vento levar ao
infinito a voz
e o meu nome ao sangue
de toda a gente
Estou aqui para lançar
no espaço
e nos olhos de toda a
gente
o aroma dos bosques e
dos rios
a caruma do pinheiro
quase eterno
e é agora que os lanço
ao vento
e é agora que acendo
as árvores do bosque.
E é agora que lanço ao
vento
o coração da terra,
eterna pátria
onde se descerra a luz
e a melodia
e se plantam as flores
e os cantos
de todos os jardins da
terra.
É aqui que parto e me
navego
e há depois um mar de
utopias
de caminhos de idas e
regressos.
Os passos que dou
falam de cores
dos ventos, das aves e
montanhas
e ainda procuro o
silvo dessas vidas.
Os passos que hão-de
vir
os barcos, os caminhos
e as flores
e quero para mim a voz
de todas as florestas
a música de todas as
esperas
o choro de todas as
partidas
Procuro a casa onde se
guardam as promessas
exijo que os rios
naveguem
os sonhos de quantos
ainda sonham
exijo que os caminhos
se abram
cobertos de seiva e
flores
e se tornem cais de
chegadas e partidas.
Ainda procuro a casa
de acolher saudades
os ecos da liberdade
que soltei na voz
o voo das aves, o
cheiro dos prados
e o silvo do vento nos
córregos da montanha
no ermo das colinas
onde
a voz da montanha se
liberta
e onde sei o que
pretendo ser.
Um pouco de mim, o
muito de todos
a música de todas as
esperas
cidadão de todos os
países
o fruto maduro da
árvore da vida
a mão que semeia
coração
numa terra onde os
cardos
atapetam os caminhos.
Viajante sem viagem
acendo as candeias do
futuro
e lanço-as no espaço
como um pássaro
desbravador de
madrugadas
espelho dos voos do
coração e
companheiro dos ventos
da montanha.
Estou aqui e persigo e
persigo
a suave viagem dos
rios
o voar das aves da
madrugada
o morno vento da
montanha
e a luz dos fins de
tarde.
Há uma pátria em cada
alento
há uma esperança em
cada voz
e um coração rebelde
em cada hora de cada
dia. De cada vida.
Os países não se
escrevem sem destino,
os corações não se
amainam sem afagos
nem o amor se conforta
sem os salmos dos
poetas
sem o vento dos prados
e
sem o perfume dos
anseios
dos sonhadores que
nascem
dos frutos do tempo
de todos
os amores
da terra onde os
sonhos dos homens
escreveram liberdade.
António Lúcio Vieira*
21.03.19
Dia da Poesia
* Texto oferecido há dois anos pelo Lúcio Vieira ao seu amigo Carlos Pinheiro e por este agora disponibilizado, com os nossos agradecimentos.
O António Lúcio Vieira deixou-nos em Junho de 2020, mas a sua obra ficou...
3 comentários:
Obrigado Miguel. O Lucio merecia esta partilha. Mais uma vez obrigado.
Justa homenagem ao Lúcio.
Obrigado Miguel.
Abraços a todos
Joaquim
Sim, uma boa e oportuna homenagem.
Esta é uma forma de tentarmos perpetuar a memória dos amigos.
Fica o poema, interessante, assim divulgado.
Obrigado.
Hélder Sousa
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