terça-feira, 23 de março de 2021

P1284: O DIA MUNDIAL DA POESIA FOI EM 21 DE MARÇO

Como dizia o nosso saudoso  camarigo António Lúcio Vieira há dois anos, no Dia Mundial da Poesia:

“HOJE É O DIA DA POESIA.
OLHA, ESCREVI UM POEMA. O QUE É QUE EU PODIA FAZER?”

TEMPO A TEMPO

Ainda procuro o silvo do vento

nos córregos da montanha

as plantas do bosque e os regatos

o pio das aves que despertam a manhã.

Ainda procuro o tanger da chuva

o canto das ondas que se entregam

a todas as praias do mar

 

Procuro do ermo das colinas

onde a voz da montanha se liberta

as nuvens que se abrem quando a voz

irrompe no azul do firmamento

 

Perco-me nos caminhos dos outeiros

onde as plantas e os regatos

recebem o pio das aves da manhã

e aí é o meu chão. O meu país.

A cama onde nasci e onde me deito

a minha arca de sonhos e mortalha.

 

Subo à montanha e às utopias

procuro, no ermo das colinas

os jardins e as pedras do lar

o bater sincopado do coração

e o grito igual ao pio das aves.

 

Existe em mim uma terra por fazer

um nome e um país atormentado

uma árvore em busca de raízes

uma voz ainda à espera do grito.

 

Ainda procuro o supremo milagre

de saber do amor ao vento

e do vento levar ao infinito a voz

e o meu nome ao sangue de toda a gente

 

Estou aqui para lançar no espaço

e nos olhos de toda a gente

o aroma dos bosques e dos rios

a caruma do pinheiro quase eterno

e é agora que os lanço ao vento

e é agora que acendo as árvores do bosque.

 

E é agora que lanço ao vento

o coração da terra, eterna pátria

onde se descerra a luz e a melodia

e se plantam as flores e os cantos

de todos os jardins da terra.

 

É aqui que parto e me navego

e há depois um mar de utopias

de caminhos de idas e regressos.

Os passos que dou falam de cores 

dos ventos, das aves e montanhas

e ainda procuro o silvo dessas vidas.

 

Os passos que hão-de vir

os barcos, os caminhos e as flores

e quero para mim a voz de todas as florestas

a música de todas as esperas

o choro de todas as partidas

 

Procuro a casa onde se guardam as promessas

exijo que os rios naveguem

os sonhos de quantos ainda sonham

exijo que os caminhos se abram

cobertos de seiva e flores

e se tornem cais de chegadas e partidas.

 

Ainda procuro a casa de acolher saudades

os ecos da liberdade que soltei na voz

o voo das aves, o cheiro dos prados

e o silvo do vento nos córregos da montanha

no ermo das colinas onde

a voz da montanha se liberta

e onde sei o que pretendo ser.

 

Um pouco de mim, o muito de todos

a música de todas as esperas

cidadão de todos os países

o fruto maduro da árvore da vida

a mão que semeia coração

numa terra onde os cardos

atapetam os caminhos.

 

Viajante sem viagem

acendo as candeias do futuro

e lanço-as no espaço como um pássaro

desbravador de madrugadas

espelho dos voos do coração e

companheiro dos ventos da montanha.

 

Estou aqui e persigo e persigo

a suave viagem dos rios

o voar das aves da madrugada

o morno vento da montanha

e a luz dos fins de tarde.

 

Há uma pátria em cada alento

há uma esperança em cada voz

e um coração rebelde

em cada hora de cada dia. De cada vida.

 

Os países não se escrevem sem destino,

os corações não se amainam sem afagos

nem o amor se conforta

sem os salmos dos poetas

sem o vento dos prados e 

sem o perfume dos anseios

dos sonhadores que nascem

dos frutos do tempo

de  todos  os amores

da terra onde os sonhos dos homens

escreveram liberdade.

António Lúcio Vieira*

21.03.19

Dia da Poesia

* Texto oferecido há dois anos pelo Lúcio Vieira ao seu amigo Carlos Pinheiro e por este agora disponibilizado, com os nossos agradecimentos.

O António Lúcio Vieira deixou-nos em Junho de 2020, mas a sua obra ficou...

3 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Obrigado Miguel. O Lucio merecia esta partilha. Mais uma vez obrigado.

joaquim disse...

Justa homenagem ao Lúcio.

Obrigado Miguel.

Abraços a todos
Joaquim

Hélder Valério disse...

Sim, uma boa e oportuna homenagem.

Esta é uma forma de tentarmos perpetuar a memória dos amigos.
Fica o poema, interessante, assim divulgado.

Obrigado.
Hélder Sousa