Um texto da autoria do nosso camarigo Juvenal Amado publicado já há uns
anos (25FEV2015) no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné e que hoje
reproduzimos, com a devida vénia ao autor e à Tabanca Grande.
A QUESTÃO DO AFECTO ENTRE NÓS
E O POVO DA GUINÉ-BISSAU
Hoje as nossas relações com o povo da Guiné, leio-as à
luz da saudade daquela terra e da juventude que tinha quando por lá passei.
Éramos homens simples que foram conviver com gente simples e, ao contrário de outras potências coloniais, não tínhamos conceitos racistas nem estávamos espartilhados por proibições de relacionamento com autóctones; antes pelo contrário, era promovido um são relacionamento ditado pela “psico”, base da política de Spínola por uma "Guiné Melhor" com que ele contava ganhar a guerra.
Essa política oficial tinha outras intenções que
visavam atingir outros ganhos, é verdade, mas na nossa educação nunca constou a
palavra apartheid desde Afonso de Albuquerque, que promoveu a
cruzamento dos portugueses das caravelas com as indígenas, dando origem ao
termo “Deus criou o homem e os portugueses criaram o mestiço” – como se viu na
Índia, Ceilão, Brasil e África, embora nem sempre de forma pacifica.
Amizade ou necessidade.
Os guineenses guardam também muitas recordações e
afectos agravados pelo falhanço das transformações políticas em que a
independência se atolou na luta política, na corrupção e prepotência dos novos
dirigentes, que rapidamente se esqueceram das razões por que tinham feito a
guerra e do bem-estar do seu povo; ao contrário disso, foram as vinganças
sórdidas que tanto sangue fez correr. Mistura-se assim a necessidade com a
amizade.
A esperança deu lugar à descrença. As infra-estruturas que nós construímos bem como as que os países doadores puseram ao dispor dos novos governos, para a melhoria do nível de bem-estar das populações, deram lugar ao aparecimento de elites e à destruição dessas infra-estruturas nos conflitos que após a independência eclodiram entre facções e etnias.
Depois do descalabro das instituições e da falência do
estado pós-independência, os guineenses rapidamente se aperceberam do duríssimo
caminho que tinham para percorrer sem a nossa economia de guerra, com milhares
de soldados e milícias a receberem ordenado, a nossa assistência médica, e o
comércio que era exercido juntos aos quartéis, bem como o apoio logístico que
era dado às populações. Os últimos dez anos da nossa soberania sobre os
territórios tinham resultado num salto em frente, em praticamente todos os
sectores, o que acabou por se perder.
Não era nem devia ter sido assim e era espectável ser
diferente. Devia esse povo ter seguido em frente e alcançar o que não tinha
conseguido, até ali governado por outros interesses que não os seus. Não sabiam
que tudo isso estava a custar demasiado a Portugal e que a nossa economia não
podia suportar por muito mais tempo aquele estado de coisas, talvez devido à
estreiteza da visão política e económica com que Lisboa olhou para os
territórios ultramarinos durante décadas, onde praticamente se impediu o crescimento
e a auto-sustentabilidade.
Apesar de tudo, as nossas relações hoje são pautadas pela ajuda solidária a nível de organizações que vivem das contribuições de ex-militares e pouco ou nada a nível institucional. Ainda há uns tempos li o que escreveu uma cooperante quanto às dificuldades em desbloquear equipamentos, bem como medicamentos, pelos serviços aduaneiros excessivamente “zelosos e burocráticos” da Guiné-Bissau.
Mas quando falamos da Guiné, o coração amolece logo
pois é um país muito pobre. Rapidamente são esquecidos os maus bocados que lá
passámos, bem como os desmandos e razões que levaram parte dos guineenses, na
esteira de outros povos africanos e asiáticos, a exigirem as suas
autodeterminações antes mesmo de pegarem em armas.
Em abono da verdade essas exigências foram mal
recebidas praticamente por todas as potências administrantes, o que como se
sabe os obrigou a lançarem-se em guerras contra a ocupação, e não poucas as
vezes fratricidas, que levaram a utilização de uma violência entre eles muitas
vezes superior à que foi utilizada contra os ocupantes.
Talvez muitos se tenham arrependido, mas quem sabe quantas pedras e curvas tem o caminho, antes de lá passar?
Mas tudo passou e nós nunca fomos maus rapazes e como
tal, numa relação de irmãos ricos e pobres, hoje só não damos mais porque não
podemos. E essa é a grande verdade.
Paz para eles - e para nós, que bem precisamos.
Juvenal Amado
Sem comentários:
Enviar um comentário