quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

P748: UM POEMA AO CAIR DO PANO

REFLEXÃO SOBRE O TEMPO (OU OS TEMPOS)


Mais tempo estarei depois de agora estar
do que o tempo que já estive até chegar à luz.
A vida, entre chegar e partir, é um alor de vento
que nos traz e nos leva sem tréguas
sem tempo de traçar melhores caminhos.
E é tudo tão arrastadamente monótono
tão dolorosamente igual ao tudo já havido.

Cada ano que desponta e se desnuda
à babujada cobiça dos sonhos e esperanças
é folha branca como as folhas brancas que
desde o acordar da existência se fundiram
no grande livro onde se escreve o tempo e as memórias.

Porém agora quando já a noite se anuncia
o tempo pára. Ergueram-se muros, 
fecharam-se as fronteiras e os segredos,
atearam-se os ódios e libertou-se a besta.
E é tudo tão igual como na génese dos dias.

Teremos sempre por destino esta sina
de nos matarmos uns aos outros
como se a viagem não tivesse outros lugares
para além dos cemitérios,
como se não se soubesse que
após a morte fica o vazio,
como se, de resto, morrer fosse
tão só uma formalidade inevitável.

A vida entre o chegar e o partir é fogo-fátuo
tão breve como as glórias da conquista,
tão banal como a sanha dos algozes,
tão bem-vinda como um riso de criança.

De resto o tempo faz-se sempre anunciar
para que, quem já nasceu, saiba
que existe um percorrer  incessante e inadiável
e que os outros, no casulo da esperança, aprendam
desde o berço, que não é pelo medir do tempo,
renascido a cada ano que começa,
que se atinge a imortalidade.

É o que se diz que dizem os sábios
sempre que Janeiro se anuncia.
 
António Lúcio Vieira
31-12-2015 – 21,00 h
 

3 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Parabéns. Bom poema para começar o ano.

Anónimo disse...

Muito bom. Parabéns ao vate de Torres Novas.
JERO

Anónimo disse...

Gostei de ler. Parabéns.
Mª Arminda