O DIA-D NO
CACHEU
Informaram-nos, cedo pela manhã, que a
Companhia transbordava directamente do Niassa para uma lancha de desembarque
(LDG),e seguiria para local algures no rio Cacheu.
Depois de largas hora de viagem fluvial
somos finalmente informados de que iríamos desembarcar em pequena enseada na
margem do rio.
Aí, deveria aguardar-nos a Companhia de
Ingoré que nos iria acompanhar nas primeiras semanas de treino verdadeiramente
operacional.
No ponto estabelecido a lancha abicou à
margem e nós, com olímpica calma feita de total inexperiência, desembarcámos.
Primeira surpresa: - Ninguém se
encontrava no local a aguardar-nos.
Segunda surpresa: - Devido à grande
amplitude das marés e a outras "razões de ordem operacional" (?) invocadas,
o Comandante da lancha esclareceu ter que, “lamentavelmente", abandonar o
local de imediato.
Segundo ele não haveria problemas de maior,
pois informara pela rádio a outra Companhia quanto à nossa chegada.
Havia algo de imensamente ridículo, de
cómico, em toda a situação. Cerca de 200 homens com bagagens, viaturas,
abastecimentos, tudo amontoado à pressa em clareira junto ao rio.
Antevia-se ao longe, na orla da mata
densa e pantanosa, uma picada que, cerca de 100 metros à frente se perdia de
vista.
Estaria minada? Deslocar um Pelotão em
reconhecimento? (Sentíamo-nos tão "verdes"). Aguardar? E o tempo ia passando.
A nossa presença por certo já estaria
detectada pelos guerrilheiros pois a lancha fizera uma barulheira incrível ao
penetrar no tarrafo, assim como as viaturas ao procurarem desatolar-se na
margem.
Por fim, alguém sugeriu que talvez fosse
"conveniente"...montar um arremedo de segurança enquanto íamos
aguardando.
Bruscamente, naquela "pasmaceira
paisana à beira rio plantada”, surgiram vozes enérgicas de comando... Secas... Directas...
Objectivas.
Montaram-se morteiros, metralhadoras de bipé,
e até pesada Breda, vetusta relíquia de guerras passadas. Deslocaram-se secções de Atiradores para
locais estratégicos.
Após curto espaço de tempo tínhamos
algum pessoal instalado defensivamente, empoeirando camuflados virgens, em
arremesso de instruções recebidas nas calmas planuras de Santa Margarida.
E o tempo continuava a passar.
À medida que as horas iam correndo e a
noite se aproximava, um pesado silêncio começava a surgir.
Quando ninguém já se atrevia a conversar
ouviu-se voz perplexa de um Furriel, gritando desde uma das secções instaladas,
e de armas belicamente empunhadas: MAS?!... NINGUÉM TEM MUNIÇÕES!
Não é a Companhia que nos vem buscar que
as há-de trazer para nós?!
Outra voz (esta em cerrado dialecto Portuense):
- Carago! Lembrem-se de Aljubarrota! Forma-se já um quadrado!
Maio 1968 - Margens do Cacheu
Um
abraço do
José
Belo
Nota final: Para evitar stress a algum pessoal mais
perturbado que não suporta o suspense, resolvemos solicitar ao autor da
história que nos desvendasse o que sucedeu depois. De acordo com o nosso
camarigo Zé Belo, “o final da saga do
desembarque não podia ter sido mais típico das realidades das nossas guerras...
A outra Companhia demorou por não ter conseguido pôr em funcionamento a velha
Berliet que usava como rebenta minas à frente das colunas...”
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Informação adicional: As imagens apresentadas destinam-se unicamente a ilustrar o texto do Zé Belo, não estando directamente relacionadas com o acontecimento descrito. Com a devida vénia ao Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" e aos camaradas Humberto Reis e José Carlos Lopes.
5 comentários:
Bem....
Tipicamente 'tuga', pode-se dizer.
Mas, mais do que isso, revela muito bem como por vezes (muitas vezes, infelizmente) como as coisas eram 'preparadas'.
Correram risco de problemas, tanto mais que aquele 'pequeno pormenor' da falta de munições era, como agora se diz, "altamente"...
Como tudo acabem em bem, pode-se então dizer "siga a Marinha!".
Hélder Sousa
Pois é. E muitas vezes, como terá sido o caso, a sorte protegeu a rapaziada. Valha-nos isso.
Também desembarquei do Niassa neste dia e tenho ideia que a G3 nos foi distribuida durante a viagem para Teixeira Pinto na LDG também sem munições que no nosso caso não nos fizeram falta.Mais para o fim de Maio chegou à Guiné o General Spínola e as pessoas com responsabilidades começaram a andar com os olhos mais abertos.
Manuel Carvalho
Boa noite
Quando a gente julga que já ouviu tudo sobre a guerra há ainda mais uma surpresa...
Enfim...figuras tristes que alguns de nós fizemos. Ou nos fizeram fazer. Felizmente que nesta história do nosso camarigo José Belo tudo acabou em bem.
A sorte protegeu os audazes dos incapazes !!!
JERO
Olá José Belo
Que bela "" estória da guerra á portuguesa nos relataste.
Fim feliz para estes paisanos que,um dia, se sentiram guerreiros...
Foi um prazer saber de ti camarada,
Vai um abração do Torcato
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