REGRESSO
DE LUANDA
Como já
escrevi noutra ocasião, depois de sair da Guiné fui para Angola trabalhar,
tendo ficado sedeado em Luanda. Cheguei em Março de 1974 e um mês depois
aconteceu o 25 de Abril.
Durante
um tempo a vida em Luanda não sofreu grande modificação, mas com a chegada dos
três movimentos armados a Luanda, a coisa complicou-se muito e viveu-se um
clima de guerra permanente.
Escuso-me,
obviamente, de tecer comentários sobre este período da nossa história. Interessa à história que
quero contar que, tendo o MPLA (ajudado pela política vigente na altura em
Angola), expulsado os outros dois movimentos de Luanda, as coisas em vez de
ficarem mais calmas continuaram num crescendo de incertezas, violência, guerra,
etc., etc.
Resumindo
e concluindo, digamos assim, um dia sou alertado por amigos que tinham
conhecimentos junto do MPLA, que eu poderia vir a ser preso, não se sabendo bem
a razão para tal, mas que com certeza se basearia no facto de eu ser um
acérrimo crítico de toda a situação em que estava envolvida a dita
descolonização.
A minha
amizade com o então Major PILAV Luís Quintanilha, (comandante dos Boeing 707
militares), e outros pilotos da Força Aérea, levava a que estes fossem os meus
amigos preferenciais naquele tempo. Estabeleci uma amizade
cúmplice com muitos, entre eles o então Coronel PILAV João Carlos David, que
era na altura Comandante da Base Aérea de Luanda (Este meu amigo viria a
falecer juntamente com o Luís Quintanilha num acidente de aviação perto de
Sintra, nos anos 90).
Ora,
nas muitas conversas que íamos tendo, relatei-lhes a informação que me tinha
chegado da possibilidade de ser preso pelas “forças reinantes” na altura em
Luanda.
O João
Carlos David disse-me logo que o que eu tinha a fazer mal tivesse informação
mais fidedigna, ou sentisse que tal estava iminente, era dirigir-me para a Base
Aérea de Luanda e lá procurar refúgio, pois ele iria dar instruções para que o
meu nome figurasse na porta de armas, como alguém a quem deviam deixar entrar
sem qualquer entrave.
Dali,
disse ele, corroborado pelo Luís Quintanilha e outros, apesar de eu ser civil
embarcaria para Lisboa num Boeing da FAP, e como tal não haveria o perigo de
me “agarrarem”.
E o tal
dia chegou. Ao princípio de uma tarde, a poucos dias da independência, (não me
lembro já do dia), fui avisado de que a minha prisão poderia acontecer a qualquer
momento.
Não
hesitei, saí do escritório, meti-me no meu carro e dirigi-me rapidamente para a
Base Aérea, do outro lado da cidade. Ia jurar que era seguido, mas no momento a
única coisa que me interessava era chegar à Base.
Graças
ao meu amigo João Carlos David a porta de armas foi-me de imediato franqueada e
pude entrar e abrigar-me naquela Base Aérea. Ele veio entretanto falar comigo, percebendo então que eu tinha chegado à Base com a roupa que tinha no corpo e nada mais.
Ora eu já tinha preparado as coisas mais importantes em casa, para trazer em caso da
necessária fuga, e o David, ao saber disso, disse-me que então ir-se-ia a minha
casa buscar o mais importante.
Perante
isso, reuniram-se alguns paraquedistas fardados e fomos num ou dois Unimog, (já
não me lembro bem), buscar essas tais coisas a minha casa. Indo num veículo
militar, e para mais com paraquedistas, ninguém se atreveu a mandar-nos parar,
embora tenha a certeza de que nas imediações da minha casa estava gente à minha
espera.
Acabou
por correr tudo bem e regressámos à Base Aérea onde dormi nessa noite, para no
dia seguinte embarcar para Lisboa no avião militar. Fui acordado de madrugada
com um pontapé na cama, dado pelo Luís Quintanilha, que gritava: Quem é que
raio está a dormir na minha cama?
Lá
percebeu que era eu, demos um abraço e fomos tratar de tudo para eu poder
embarcar no regresso do avião que ele tinha levado de Lisboa para Luanda.
Ao fim
da noite estava eu a chegar então a Lisboa, são e salvo de qualquer problema, mas
com imensas saudades já daquela fantástica cidade de Luanda e daquela
maravilhosa terra de Angola.
Basta
dizer como informação que o Comandante do avião em que regressei a Lisboa foi o
então Tenente Coronel PILAV Alvarenga, que viria mais tarde a ser Chefe do
Estado Maior da Força Aérea e a seguir Chefe do Estado Maior General das Forças
Armadas, e que também era do núcleo de amigos de Luanda, embora menos assíduo.
Aqui
fica a história para a posteridade, e sobretudo a minha enorme gratidão à Força
Aérea Portuguesa e aos meus amigos que a ela pertenciam - e alguns ainda
pertencem, creio eu.
Um abraço do
Joaquim Mexia Alves
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