segunda-feira, 18 de maio de 2015

P653: PREPARANDO-NOS PARA O PIOR

SOBREVIVENDO…

Estávamos no início de 1970. Eu tinha terminado o meu curso de pilotagem no T-37 poucos meses antes - em Novembro de 1969 - e tinha passado de Sintra para a Ota, para aí frequentar o Curso de Instrução Complementar para Aviões de Caça, no T-33 (imagem ao lado).

Este curso destinava-se a preparar-nos para a qualificação seguinte, no F-86 (na BA5, Monte Real) e a partir daí a adaptação ao Fiat G-91 para, de seguida, abalar para uma qualquer Base Aérea em África onde esses aviões operavam – Bissalanca, Tete e Nacala.

Ainda não tínhamos recebido até aí grande instrução sobre técnicas de sobrevivência no caso de um acidente ou abate (isso se tivéssemos ficado vivos, claro…).

Foi precisamente na BA2 (Ota) que o pessoal do meu curso mais uma série de pilotos arregimentados em diversos locais acabou por receber um curso ad-hoc ministrado por dois técnicos americanos que se deslocaram ao nosso país para nos transmitirem alguma da sua experiência nessa matéria (alguma do Vietnam, certamente).

Foi assim que tomámos contacto com a preparação de armadilhas para capturar pequenos animais, aprendemos a acender um fogo com paus e cordas, a fazer um abrigo com restos do paraquedas, a utilizar uma pistola (mais propriamente uma caneta) de very-lights, a ser recuperados por um guincho no AL-III e, o mais penoso de tudo, a sobreviver na água.

Para essas últimas sessões deslocámo-nos então para a zona da piscina de oficiais da Base. E, se percebermos que o curso se efectuou no início do ano – talvez Fevereiro, já não me recordo bem – podem calcular o frio que rapámos naquela água, bem gelada…

Dentro da piscina tomámos contacto com as técnicas de entrada na água a partir da prancha dos 3 metros, a subida para os barcos insufláveis (de 1, 7 e 20 lugares) e a sua utilização e manutenção (sim, que os barcos insufláveis também perdem ar e há que mantê-los a flutuar…) e, técnica que muitos leigos poderão achar menos importante, a saber desenvencilhar-nos da calote do paraquedas, que tem a mania de cair por cima do piloto quando entra na água. Nesse caso, manter a calma é essencial para sairmos debaixo daquela armadilha, que já terá provocado algumas mortes por afogamento nessas situações.

Enfim, não sendo demasiado exigente, lá acabámos o curso, não sem terem surgido algumas situações um pouco caricatas cuja lembrança ainda hoje me faz sorrir. Assim de repente recordo duas…

Um camarada do curso não estava nada à vontade dentro da água – aliás penso que ele não sabia mesmo nadar… E quando largado da prancha dos 3 metros agarrado a uma corda que era então solta, era vê-lo ainda no ar a amarinhar pela corda acima, enquanto esta, solta, o acompanhava na queda para a água… Uma cena típica de desenhos animados…

Outra com muito menos graça, mas que acabou por correr bem, passou-se com outro camarada de curso que, afectado pelo frio passado dentro de água, entrou em hipotermia e quase que se ia apagando. Valeu-lhe o apoio imediato do médico da Base, que o socorreu. 

E o caricato surgiu quando, vendo dificultados os seus esforços para reanimar o rapaz, o médico decidiu deitar-se ao seu lado, para o aquecer com o calor do seu corpo. E o facto é que esse nosso camarada lá foi recuperando as cores, sem lhe terem ficado quaisquer mazelas…

Nos anos seguintes esses cursos foram sendo sistematicamente melhorados, passando para áreas próprias na BA6 e em Tróia, a que se acrescentou posteriormente um curso de Fuga e Evasão, ministrado na zona da Malcata (Beira Baixa). Mas sobre esse curso que também fiz (em 1984, 10 anos depois de ter acabado a guerra em África…) talvez um dia ainda escreva qualquer coisa neste blogue.

Miguel Pessoa

Nota: Algumas imagens retiradas, com a devida vénia, de
forumdefesa.com
defesanacionalpt.blogspot.com

2 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Para que não se pense que era tudo facilidades!!!

Abraços

Anónimo disse...

Meu Överste (Coronel em Sueco)

Afinal os invejosos "palmípedes" da Infantaria sonhando(!) com confortáveis Messes de Oficiais da F.Aérea,boa comida e ,näo menos, as bebidas com gelo , desconheciam alguns destes detalhes.

("G'anda" médico com o seu sistema de aquecimento...quase Lapäo...quase!)

Um grande abraco do José Belo.