Os
homens e mulheres de ”bata branca” também choram…
A história de vida que se
segue nunca antes foi contada em jornais.
A enfermeira Lucília Assunção já não recorda nomes. Passaram muitos
anos. Mais de trinta.
Mas uma noite de gritos, de choros lancinantes, de lágrimas no Serviço
de Urgências do Hospital de Alcobaça ainda continua presente num recanto da sua
memória.
Vivia os seus primeiros tempos de enfermeira. Estava de serviço, nas
“Urgências”, com o Dr. José Pedrosa.
Chegou uma ambulância. Três macas deram entrada no “Banco”. Um miúdo de uns
8 ou 9 anos e dois idosos, seus avós, eram já cadáveres. Confirmados os óbitos
os corpos seguiram para a morgue, que ficava perto.
Logo a seguir, num veículo ligeiro, chegou um casal jovem. Os pais do
miúdo. Confrontados com a situação ficaram estarrecidos. Desesperados,
inconsoláveis.
Perante tal perda que dizer e que fazer àqueles pais!?
A enfermeira Lucília recorda que eram pessoas do norte do País. De que
vila ou cidade já não se consegue lembrar. O avô seria Juiz de Direito.
O pai do miúdo tinha estado algum tempo fora de Portugal e a sua família
tinha vindo esperá-lo ao aeroporto de Lisboa.
Depois dos abraços e da alegria
do reencontro tinham encetado a viagem de regresso em dois carros.
Os avós e o neto num carro e o
jovem casal noutro.
Quando passavam na região de Alcobaça um dos carros despistou-se e bateu
violentamente contra uma árvore.
Os bombeiros foram chamados e trouxeram as vítimas para o Hospital.
Seguiu-se o reencontro do jovem casal com os seus familiares. O médico e
a enfermeira fizeram o que sabiam - e
não sabiam – para os acalmar e confortar.
A certa altura enfermeira Lucília Assunção não aguentou mais e saiu
momentaneamente da sala. Foi chorar para trás de um biombo. O médico
apareceu-lhe pouco depois e disse-lhe: «Então senhora enfermeira? A chorar?
Preciso de si lá dentro. E sem lágrimas.»
A enfermeira voltou. E continuou a tratar dos vivos. Foi uma noite
longa. Quando terminou o serviço e
voltou a sua casa não conseguiu dormir um minuto.
No dia seguinte conversando com a mulher do Dr. Pedrosa, que também
trabalhava no hospital, esta comentou. “Ontem foi mesmo um dia trágico. Nunca
vi chegar a casa o meu marido assim. Quando chegou disse-me logo. Nunca mais os
nossos filhos vão viajar noutro carro que não seja o nosso. Não pregou olho
toda a noite.”
O tempo passou. E muitas noites de “urgências” se seguiram. Mas tão
dramática como aquela em que o seu “chefe” a tinha chamado à atenção por estar
a chorar… não voltou a acontecer.
Mas de uma coisa tem a certeza… que os
homens e mulheres de ”bata branca” também choram. Mas tentam não o fazer à vista
dos que necessitam dos seus serviços. Porque faz parte do seu trabalho
evitar as lágrimas dos outros.
As suas…ficarão sempre para outro
... De preferência… sem ninguém por perto !
JERO
6 comentários:
Obrigado Jero
Por nos trazeres mais uma história repassada de humanismo.
É claro que há tragédia, há morte, há dor, mas o que aqui nos é relatado é o que sucedeu com quem teve que lidar com a situação sem ter sido 'agente' dela.
Pois é verdade que as situações com que temos que lidar nos podem influenciar mais ou menos e a forma de lidar com elas depende de muitas circunstâncias. Cada um de nós pode ter reacções diferentes em ocasiões diferentes.
A enfermeira Lucília, aqui relembrada, é naturalmente uma pessoa sensível, que teve a sua dose de emoção, neste caso relatado, que sofreu, que sentiu necessidade de extravasar o que a afligia mas que recuperou o suficiente para continuar o desempenho de modo profissional.
Um 'bem-haja' à Lucília e, por extensão ao "enfermeiro Jero" que a honrou e nos mostrou mais uma faceta humana.
Hélder Sousa
Até eu ao ler-te, Jero, ia chorando!
Grande abraço
Joaquim
É uma história interessante sem ser bonita.
Mostra também a "frieza" daqueles que se ocupam de nós, mas que são também de carne e osso e embora procurem distanciar-se das situações nem sempre o conseguem.
O meu apreço para todos aqueles que nos trataram ou tratam da saúde com distanciamento, mas com o maior rigor e profissionalismo sem esquecerem a componente humana.
Para o JERO o meu abraço,
BS
"Lágrimas esquecidas de profissöes a näo esquecer".
O sentido texto do Jero fez-me recordar programa da televisäo sueca em que se analisava o trabalho diário das jovens enfermeiras especialistas no tratamento dos mais variados cancros infantis.
Säo jovens que,em muitos casos têm em casa filhos das mesmas idades das criancas que tratam.
Uma delas,com lágrimas nos olhos,comentava que o que mais a fazia sofrer era ver o terror,e pänico,com que as criancas reagiam depois de a encontrarem no quarto ou corredores do hospital depois de lhes ter administrado muitos dos tratamentos, extremamente dolorosos,mas imprescindíveis.
Estas Enfermeiras säo transferidas para outros servicos depois de 3 meses nestas funcöes,só regressando ás mesmas depois de um ano.
Um abraco do José Belo.
"(Na Suécia) Estas Enfermeiras (enfermeiras especialistas no tratamento dos mais variados cancros infantis)säo transferidas para outros servicos depois de 3 meses nestas funcöes,só regressando ás mesmas depois de um ano."
Pois é, caro Zé Belo... Outras mentalidades... A Giselda trabalhou seis anos seguidos na Pediatria do Instituto Português de Oncologia e saiu quando já não suportava mais a tensão. E o facto de ter filhos da mesma idade levava-a a imaginar o pior em qualquer problema detectado nos miúdos...
Abraço. MIguel Pessoa
Perdi o comentário, mas vou tentar de novo. A história que o Jero aqui nos conta é uma realidade que acontece ou aconteceu com os enfermeiros perante situações que mexem ou mexeram muito e que não se esquecem. Em primeiro lugar o profissional é um ser humano e como pessoa, não lhe é possível ao sair do serviço e voltar a casa desligar completamente e pensar que nada aconteceu. Tal como a Giselda que optou por mudar de serviço e que reflete o que acabo de dizer. Seria bom que nos pudéssemos dividir ao meio!.. Gostei da descrição de Jero e é de louvar a atitude da sua colega, que demonstrou a grande sensibilidade perante a tragédia que se abateu sobre aquela família. Não é vergonha chorar!.. Não se deixa de ser bom profissional por isso e prestar os cuidados necessários. Um abraço. Mª Arminda
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