...Nós, os que voltámos, nunca iremos
esquecer o sabor acre daquela poeira vermelha que comungámos em rebentamentos
de minas.
Nós, os que voltámos, ainda hoje
sentimos o calor da terra que abraçámos e contra a qual nos comprimíamos em
desespero de emboscadas.
Nós, os que voltámos, ainda ouvimos o
ruído miraculoso das chuvas na mata... os odores variantes da terra molhada... os
trovões na noite tropical.
Nós, os que voltámos, recordamos o bater
matinal dos pilões em tabanca tranquila.
Nós, os que voltámos!
A terra vermelha lá está... Abraçando-os.
As chuvas caem, misturando-se com
invisíveis lágrimas de saudade...
Gritos abafados de "não haverem
sido".
Os relâmpagos iluminam as lajes, ano
após ano...
Ver-se-ão nomes?
Datas?
Referências militares?
Ou, simplesmente... um soldado de
Portugal... esquecido.
(Cemitério de Bissau/Talhão Militar.
Foto de Tiago Teixeira-2012)
José Belo
7 comentários:
Amigo José Belo, são bem sentidas as suas palavras. Recordando velhos tempos, disse-se, "Só devemos chorar os mortos, se os vivos os não merecerem". O José Belo põe o seu pensamento, no lado oposto. Realmente os nossos mortos na eternidade, poderão chorar por certos vivos que não os mereceram e depressa os esqueceram. Contudo há quem lhes preste a devida homenagem e o amigo é um deles. Gostei do que li e recuei também no tempo!.. Um abraço. Mª Arminda
E somo nós que temos obrigação de não deixarmos esquecer os que lá perderam a vida e enfatizar a memória dos que não querem lembrar-se ou pretendem esquecer-se ou fazerem os outros esquecer.
Obrigado pelo texto simples e claro.
Um abraço,
BS
Sem mais palavras, um abraço para ti José Belo.
Joaquim
O texto do José Belo, em forma de poema, é um conjunto de interrogações para as quais até parece que sabemos as respostas.
E essas, pelo menos algumas, deixam um sabor amargo.
Deste modo o poema do Zé Belo é ao mesmo tempo empolgante e angustiante mas para que as coisas não se desvaneçam na memória dos tempos (ou falta dela...) é que é (ainda) nosso dever pugnar para que não deixemos alimentar o esquecimento...
Abraço
Hélder Sousa
Caro Zé Belo,
É simultaneamente feliz e infeliz a tua reflexão. Feliz pela oportunidade, e pelo significado que ainda nos mexe a sensibilidade; infeliz, pelas circunstâncias, e pela mais que provável falta de solução.
Mas eu acho que tens outro alcance, esse ainda a gerar muito divisionamismo entre os que fazem, e os que os seguem em Portugal.
JD
Seja de metropolitanos ou africanos, de brancos, pretos, mestiços, se a imagem não engana, há um local condigno onde repousa quem nunca mais recordará a poeira da picada, um rebentamento ou a chuva que se entranha até os ossos, enregelando.
camarigos,
É de uma importância muito grande que de quando em vez façamos onde podermos,aquilo que o Zé Belo tão bem aqui fez,ou seja, evocar os nossos que tombaram e jazem por aquelas paragens à espera que um poder político/militar desavergonhado tenha aquilo a que se chama rebate de consciência e faça trasladar o maior múmero possível de jovens heróis a quem as famílias nunca puderam sequer oferecer o carinho de uma flor, o calor de uma prece e uma lágrima de amor. Façamo-lo sempre que nos for possível envergonhando o poder podre que corroi um país que já foi de heróis do mar e hoje é um antro de ladrões e escória ordinária.
Obrigado Zé Belo.
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