sexta-feira, 27 de junho de 2014

P514: BOAS INTENÇÕES...



Este texto foi publicado no blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné” há já cinco anos. É possível que muitos não o conheçam, por isso decidimos apresentá-lo neste nosso espaço.

  MANGA DE VENTO!... OU NÃO?!...

Para além das informações de direcção e intensidade do vento fornecidas pelas torres de controlo, via rádio, muitas vezes o aviador tem que se socorrer de outros meios quando essa informação não está disponível. Por isso todos os aeroportos e aeródromos dispõem de mangas de vento, que permitem ao piloto ter uma ideia aproximada de onde sopra o vento e com que intensidade. Os automobilistas podem também observar estas mangas de vento nas auto-estradas, em zonas mais batidas pelo vento.

Basicamente a manga de vento é um aparelho constituído por um cone de tecido com duas aberturas, sendo uma delas, a maior, ligada a um aro de metal. Esse aro, preso a um poste de um modo que permita liberdade de rotação, faz com que o cone esteja aberto, entrando o vento por este lado e saindo pelo lado mais estreito. A manga fica assim enfiada com o vento, dando uma indicação visual da sua direcção.

Olhando para uma manga, podem observar-se as diversas listas que a constituem, alternadamente vermelhas e brancas. Quem pensa que essa decoração serve apenas para a manga se poder ver melhor, está ligeiramente enganado. Na verdade as mangas podem ser calibradas de modo a darem uma indicação da intensidade do vento. Por norma cada lista representa cerca de 5 km/h de velocidade do vento, Assim, se as duas primeiras listas estão enfunadas e as seguintes descaídas, podemos considerar que o vento sopra com uma velocidade aproximada de 2x5=10 km/h.

O pessoal que passou pelos aquartelamentos com pista de aterragem pôde observar essas mangas colocadas a uma distância de segurança da pista, infelizmente muitas vezes em mau estado de conservação. Isso devia-se em parte à dificuldade em se conservar a manga em bom estado, por falta de material de substituição, mas também à pouca sensibilidade do pessoal do quartel para o interesse que essa informação representava para o piloto.

Sucedeu a um piloto da nossa praça que, tendo demandado um aeródromo algures na Guiné, ali chegado tivesse experimentado sérias dificuldades em manter o controlo do avião na aterragem, devido a um forte vento cruzado que se fazia sentir. Acontece que o estado da manga de vento era deplorável e, consequentemente, a informação do vento inexistente, não tendo alertado o aviador para aquelas condições desfavoráveis.

Furioso, o piloto saiu do avião e dirigiu-se ao Maior do aquartelamento, manifestando-lhe o seu desagrado e ameaçando não voltar a aterrar ali se a situação se mantivesse.

Quis o destino que, passado pouco tempo, o mesmo aviador fosse incumbido de uma nova missão para aquele aeródromo, tendo verificado satisfeito, quando preparava a aterragem, que uma nova manga brilhava no respectivo poste. O piloto preparou a aterragem com todo o cuidado pois pelas indicações da manga o vento soprava forte, cruzado de 90º com a pista. Qual não foi o seu espanto quando, depois de tocar o solo, o avião guinou bruscamente, apontando ao vento (totalmente diferente do que ele esperava); só com grande perícia ele conseguiu evitar a saída da pista e os consequentes danos no avião.

Mais uma vez foi ter, furioso, com o Maior do quartel, perguntando-lhe que raio se passava com a porcaria da manga, que o tinha induzido em erro. Enfiado, o outro respondeu-lhe que tinham resolvido meter um pau por dentro, para ficar esticada e se poder ver melhor do ar...

A falta de sensibilidade para as necessidades, limitações e problemas dos outros é habitual em sociedade. No caso da Guiné, e naquela época, por vezes os pilotos não compreendiam as necessidades da tropa no terreno e esta, por sua vez, não se apercebia das limitações e necessidades dos aviadores. Mas não foi por isso que, dentro das suas capacidades, os pilotos da Força Aérea deixaram de garantir o seu apoio a este e aos outros aquartelamentos.

Miguel Pessoa
Reproduções, com a devida vénia:
Manga de vento: Imagem de FlyTech, Loja Online;
DO-27: Foto de Carlos Santos.

7 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

De facto, parece anedota. Mas há, e sempre houve, gente para tudo. Um abraço e até mais logo.
Carlos Pinheiro

Hélder Valério disse...

Um mimo!

Uma 'ilustração' do habitual desenrascanço português mas, ao mesmo tempo, fica também 'provada' a preocupação em agradar o mais possível ao pessoal do ar....

Abraços
Hélder S.

Anónimo disse...

Manga de Vento com pau dentro?
Näo seria o Quartel do...Otelo?
Zé Belo.

Anónimo disse...

Um Major com pouca Cabeça mas com um grande Pau!

Enfim...não se pode ter tudo.

Um "Mangas" de BUARKUS

Anónimo disse...

Como sempre ,de acordo com a Senhoria D'A Gama.
Nas nossas idades já bíblicas a escolher entre a cabeca e o pau...talvez o pau,talvez o pau!
Aquele abraco!

Anónimo disse...

Excelente história sem dúvida a demonstrar que a malta de terra tinha muito pouca informação em relação ao que se passava nas nuvens.E o nosso jeito para o "eterno" desenrascanso não deu mais vezes para o azar por pura sorte, sendo certo que como elemento do Exército que fui esperava sempre que os homem do ar fizessem milagres.A minha eterna gratidão para eles, JERO.

Anónimo disse...

Gostei bastante de ler esta narrativa do Miguel Pessoa. Também nós sentíamos a necessidade de perceber como estava a manga, antes de saltar. Nas evacuações em DO-27, bailámos algumas vezes na aterragem, mas com os magníficos "pilotaços" da FAP, as missões cumpriam-se sempre. Mª Arminda