sexta-feira, 5 de junho de 2020

P1232: MEMÓRIAS DE UM FUZILEIRO


UM TELEGRAFISTA ASSUSTADO…
PODE SER ASSUSTADOR!

JERO
O Sr. Barros é daquelas pessoas com quem se faz facilmente amizade. Tem o perfil típico de boa pessoa. É um indivíduo cordial, bem disposto e… pacífico… daqueles que empresta (ou dá) a camisa ao próximo se for preciso e que se estima à primeira vista.

Tem actualmente um negócio de antiguidades. Não será exagero dizer que terá em cada cliente um amigo! Ou vice-versa…

Um dia - há pouco tempo atrás - arrisquei e fui o último cliente do dia. E como já sou classificado de idoso corri o risco de ficar entre as “antiguidades”…

Houve tempo para conversar e, um pouco à sorte, fomos parar à vida militar. Foi uma surpresa saber que o Sr. Barros tinha andado na guerra do Ultramar pois tem aspecto de jovem cinquentão.

A loja do Sr. Barros em Alcobaça
Para minha maior surpresa vim a saber que tinha feito tropa nos fuzileiros e que tinha pertencido às tropas especiais! Fiquei sem fala e quando recuperei da surpresa fiz questão de tirar o boné que por acaso não tinha na cabeça.

Tropas especiais!? Cuidado com o homem…

O sr. Barros transfigurou-se e em poucos minutos debitou meia dúzia de estórias. Pela sua pedalada percebemos que o tema daria para horas de conversa… Entremeou algumas estórias dramáticas com outras bem divertidas que nos surpreenderam pelo inesperado.

Para quem julga que já ouviu todas as estórias da vida militar… Seguem-se duas das que seleccionei.

1 - Num ataque nocturno ao seu quartel o fogo inimigo parecia uma trovoada…
Meio assarapantado pegou na arma que estava mais à mão e, com algum atraso, juntou-se aos camaradas que já ripostavam vigorosamente ao ataque. Passados alguns minutos a fogachada esmoreceu. Quando os ritmos cardíacos voltaram ao normal o telegrafista Barros foi «trucidado» pelo gozo dos camaradas. A arma que tinha na mão era um «pressão de ar», que era habitualmente usada para caçar uns pombos para «melhorar o rancho». As gargalhadas ferveram e a «ocorrência» deu para uns bons dias de gozo…



2 - Quando em operações o Barros-telegrafista transportava um rádio «Racal TR-28-32», com 14 quilos. Numa missão a um objectivo de alto risco integrou um secção de 5 homens,  transportada de helicóptero até perto do objectivo.

Como já era habitual o «heli» ficou a pairar a um metro, metro e meio do solo, e os «fuzos» foram saltando. O Barros ficou para último e quando ia saltar hesitou pois a distância até ao solo pareceu-lhe ter aumentado repentinamente.  E com 14 quilos às costas ia partir uma perna ou… sabe-se lá o quê…
Mais depressa do que leva a contar, o tempo de salto passou e o helicóptero saíu rapidamente da zona ganhando altura e distância…

O Barros-telegrafista engoliu em seco várias vezes e ganhou coragem para tocar no ombro do piloto, que se julgava a voar sozinho. Quando o fez disse: - “Oh Sr. Piloto, desculpe mas…”


Nesse momento o piloto virou-se e… julgou estar na presença de um fantasma! Gritou de susto, largou os comandos e o «heli» quase se despenhou.

Lutando pela vida conseguiu equilibrar o aparelho e, quando acalmou, ouviu as razões do Barros-telegrafista para não ter saltado...

Entrou em contacto via rádio com os companheiros do Barros-telegrafista – havia mais tropa na zona - que já evoluía no solo a alguns quilómetros de distância. Deu uma volta larga, regressou e pousou o helicóptero para o Barros sair pelo seu pé, junto dos companheiros.

Estes… chamaram-lhe tudo menos bom rapaz…

«A menina-telegrafista» juntou-se ao grupo e aguentou-se no balanço. É claro que este salto em falso deu para largos meses de galhofa na sua unidade…

Estas duas pequenas estórias - que o Sr. Barros me contou entre exclamações divertidas e gargalhadas - não são seguramente as que se esperam de um militar que andou pelas «tropas especiais», que são tidos pela opinião pública em geral como «máquinas de guerra»!

Mas duma coisa estamos certos: o Sr. Barros é um ser humano especial e, em outras estórias que nos contou, de forma grave e séria, deu para perceber que com a sua bondade natural e bom senso evitou alguns graves disparates dos seus companheiros no tratamento a prisioneiros!

Para ser melhor, a vida precisa de pessoas especiais como o Sr. Barros...

JERO

4 comentários:

Hélder Sousa disse...

Caro Jero

Pode ser que a vida não pare de nos surpreender mas tenho para mim que para vir a conhecer essas histórias que te contam é preciso ter ouvidos para ouvir, olhos para ver e coração para sentir.

Se não nos distrairmos com coisas secundárias é bem possível que se encontrem pérolas como as que deste conta. Mas, repara, só tiveste possibilidade de as obter porque tomaste a iniciativa. Foste lá, falaste com o homem, percebeste o que teria para falar, "lançaste o isco" do serviço militar e pronto, várias histórias!

Continua... que és capaz!

Hélder Sousa

Anónimo disse...

Obrigado Hélder. És um grande camarigo.
Abraço de Alcobaça.
JERO

Anónimo disse...

São estes pequenos-grandes detalhes que acabam por humanizar a tragédia que a guerra representa.
Infelizmente com o desaparecer dos intervenientes nunca virão a ser transcritas na História a ser lida por gerações futuras.

Um abraço do J.Belo

Anónimo disse...

Mto. obrigado Camarigo José Belo.
Abraço de Alcobaça.
JERO