DIA DE SANTO ANTÓNIO EM BISSAU
Carlos Pinheiro |
Era dia de 13 de Junho. Dia do
Santo, como se diz em Pádua. Mas também era dia do Santo, mesmo em Bissau, onde
a uma certa distância de Lisboa ou de Pádua, se vivia o clima da guerra.
Mas este dia estava a ser um dia igual a tantos outros, até que…
Eram 15 horas, 3 da tarde em ponto. Eu estava no Quartel-General, em Santa Luzia. O calor era abafador, próprio daquela terra. A humidade, como era hábito era elevada. A Parada cheia daquele pó encarnado, era um braseiro.
Mas, àquela hora ouviu-se um rebentamento enorme. Vê-se uma coluna de fumo por cima dos edifícios. Na Parada caiu qualquer coisa que de princípio não foi identificada. Mas a esse rebentamento seguem-se outros, cada vez mais fortes, cada vez mais repetitivos. Era o rebentamento por simpatia a funcionar.
Os operacionais que estavam de passagem no QG, fugiram. Alguns apareceram na cidade como estavam. Uns fardados, outros não, alguns até em cuecas, tal como estavam deitados em cima da cama na chamada hora da sesta (como ali era habitual, sempre que possível)…
Em pouco tempo soube-se que os rebentamentos vinham do “600”(1), o outro Quartel frente ao QG, onde estava instalada a Intendência que tinha vindo da Amura.
Uma caserna tinha rebentado por
inteiro. Mas não tinha sido atacada de fora, tudo tinha começado lá dentro. Em pouco tempo
não havia um tijolo em cima de outro tijolo. Mas havia fogo e os rebentamen-tos
continuavam - e já se começava a notar que eram cunhetes de munições a
rebentar, para além de granadas de obus.
Os primeiros que rebentaram tinham sido bidões
de gasolina e o objecto que tinha caído na parada do QG era o bujão de um
bidão.
Ao lado estavam os depósitos subterrâneos dos
vários combustíveis, principalmente muita gasolina - o combustível das GMC, das
Mercedes, dos jipes e até de alguns Unimogs.Os Bombeiros Voluntários da cidade apareceram em pouco tempo e, destemidamente, à boa maneira dos Bombeiros, começaram a combater aquelas chamas imensas, para evitar que as mesmas se propagassem aos grandes depósitos e fizessem mais destruições.
Se eles rebentassem, quem sabe, até o QG poderia desaparecer como também a “Antula”(2) onde estavam as antenas das comunicações com o mato, com Cabo Verde e com a Metrópole.
A Policia Militar cumpriu a sua obrigação. Isolou aquele aquartelamento e a entrada em Santa Luzia passou a ser controlada como nunca se tinha visto. A tasca do Santos, logo ali às portas de Santa Luzia, nunca tinha tido tanta freguesia apesar da hora do almoço já ter passado há muito e ainda faltar muito para a hora do jantar.
Sentiam-se outras movimentações que nunca compreendemos. Depois veio-se a falar, especialmente na 5ª Rep (3), o Café do Bento, onde tudo se discutia e onde se trocavam informações, que aquela caserna tinha ali a Comissão Liquidatária de uma Companhia qualquer e, apesar de muitos boatos, nunca se chegou a saber como é que os rebentamentos começaram.
Com o aproximar da noite tudo foi acalmando. E apesar de tudo, era dia de
Santo António. Estávamos longe de Lisboa mas a noite tinha que ser comemorada. Havia festa na “Meta”(4) e
no “Chez Toi”(5). Mas a grande festa desta vez
era no Bairro da Ajuda e durou até às tantas.
Havia marchas, improvisadas é
certo, mas eram marchas, com arquinhos e balões a lembrar a Avenida em Lisboa.
Havia sardinha assada e, claro, vinho tinto para animar a malta.
Foi portanto mais um dia assinalado naquelas terras de África, que por
vários motivos, nunca mais se esqueceu.
Carlos
Pinheiro
Notas:
1) 600 - Quartel que tinha sido construído pelo Batalhão nº 600. Daí o seu nome de
guerra.
2)
Centro emissor do Exército do STM (Serviço de Telecomunicações Militares) do
CTIIG - Comando Territorial Independente da Guiné.
3) 5ª
Rep. Como o QG tinha quatro repartições e como aquele café era onde a malta
mais parava, foi baptizado de 5ª repartição a que sinteticamente toda a gente
alcunhava de “5ª Rep”.
4) A “Meta”
era um bar na cidade que tinha pistas de automóveis eléctricos onde a malta
passava algum tempo, normalmente de copo na mão.
5) O “Chez
Toi” era outro bar que sucedeu ao “Nazareno”, que era uma Casa de fado vadio.
Com a devida vénia ao Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que publicou o texto original há já uns anos, e ao camarada Manuel Carvalho da CCAÇ 2366, Jolmete, 1966/68, que cedeu para esse Post as fotos do local acidentado.
3 comentários:
São os insondáveis mistérios de muito que por lá aconteceu. Terá sido descuido ouCou sabotagem ? O que imposta e que ninguém foi atingido pelo menos assim parece. Já a 5 Rep mais tarde meteram lá uma bomba. Um abraco
Dizia-se que eram umas contas que nunca mais davam certo. Mas de um momento para o outro tudo acabou.Até as contas...
Olá!
Pois certamente que nada acontece por puro acaso, sem bem que às vezes....
Isso, do "acerto de contas" foi também o que ouvi, mais tarde, nos "mentideros".
Fosse lá então como fosse, e sabemos então que os "acasos" podem acontecer, por exemplo uma ratazana que ao roer um cabo eléctrico provoca um curto-circuito e daí depois uma explosão e depois outras "por simpatia", a verdade é que depois desse lamentável incidente ("acidente"?) as contas ficaram naturalmente saldadas.
E é bom quando tudo "bate certo"!
Hélder Sousa
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