Em 6 de Fevereiro passado publicámos neste
blogue uma compilação de mails do nosso camarigo José Belo, que juntámos num
texto a que demos o título "Viver na Lapónia". Pretendia-se com essa
abordagem desvendar um pouco o modo de vida de um povo com mentalidades e
maneiras de estar bem diferentes das nossas, associadas a um clima bem
mais agreste que o deste nosso cantinho.
Ficaram então na nossa mente algumas questões que não eram ali suficientemente esclarecidas, pelo que mais uma vez pedimos a colaboração deste nosso camarigo para elucidar este nosso grupo. As suas respostas foram agora compiladas num segundo texto, que serve como complemento do anterior.
Para relembrar o que na altura foi descrito pelo José Belo, poderão querer rever esse primeiro texto; nesse caso, vejam aqui. Se ainda se recordam do seu conteúdo, então avancem para a leitura do texto que se segue.
UM MUNDO DIFERENTE…
Algumas questões postas por nós sobre o que é viver na Lapónia, que
mereceram clarificação por parte do Zé Belo (texto na 1ª pessoa):
A
electricidade das casas na zona é garantida como? Com um gerador?
As lâmpadas das casas, tanto interiores como exteriores, estão acesas nas
24 horas dos escuros cerca de 9 meses.
Para evitar que os canos rebentem tem que se manter o seu aquecimento,
mesmo quando se está fora?
As casas de habitação mantêm-se aquecidas com caldeira central de óleo
mesmo quando se não está lá. Para o efeito usa-se um termostato automático.
Actualmente é possível aumentar a temperatura antes de se chegar a casa, usando
o telemóvel.
(Acaba por sair mais barato ter a casa a uma temperatura constante, mesmo
quando se está ausente, do que ligar o aquecimento quando se lá chega).
Havendo
cães, como fazer quando se está uma temporada fora?
Caso se não tenha um vizinho (dos tais a uma proximidade de mais de 170 quilómetros…)
que tenha cães e que, em troca de serviço idêntico da nossa parte venha a nossa
casa alimentar e passear os cães, existem companhias de serviços para esse fim
em Kíruna.
É claro que mediante um bom pagamento quanto a deslocações e alimentos…
Na segurança à casa fazem uma barulheira incrível (14!) quando algo
de estranho se aproxima.
Esta espécie de cães,
resultante de um muito feliz cruzamento dos huskies lapões com os siberianos, é
extremamente inteligente, dedicada, saudável e forte.
Destes cães alguns
são treinados para, em caso de acidente ou doença inesperada, se dirigirem por
iniciativa própria (!) para casa e não se acalmarem até conseguirem trazer
consigo pessoas de volta ao local do acidente.
Se te virem caído,
imobilizado ou sentado na neve, vêm de imediato para junto de ti, colocam-se em
círculo à volta dando calor e segurança. Têm reacções rápidas e de tal modo
inteligentes que nada têm a ver com os nossos demasiadamente domesticados cães
citadinos.
Os ursos que
por aqui existem em quantidade (ao contrário dos ursos brancos das áreas costeiras que buscam contacto e atacam humanos na
busca de alimentação) procuram evitar a todo o custo contactos tanto com
humanos como com os cães.
Mas, surpresas e encontros inesperados, existem com bastante frequência. Claro,
como a maioria dos animais de grande porte... se surpreendidos... atacam! Nestas
ocasiões é impressionante a agressividade inteligente (e silenciosa!) destes cães.
Correm de imediato em linha recta para o urso e param a cerca de 10 metros,
provocando a paragem do mesmo.
Depois, continuando em absoluto silêncio, correm continuamente em círculos
perfeitos à volta do animal, com a táctica interessante de um correr num
círculo da direita para a esquerda e o outro da esquerda para a direita. Passados
muito poucos minutos o urso está completamente "marado" e não sabe
como reagir.
Começam então (um de cada vez) a morder uma das patas traseiras do urso
(sempre a mesma, e no mesmo local dos tendões) até este ser obrigado a sentar-se,
ou a arrastar-se dali para fora, isto se o número de cães não for o suficiente
para acabar com ele sem grandes riscos.
Como outra curiosidade quanto aos cães de trenó, ao transportarem-se
pessoas adultas conta-se com a necessidade de dois cães por indivíduo
transportado.
Na
ausência do proprietário por períodos grandes, alguém olha pela casa?
A "Securitas", que não sei se aí se sabe que é uma empresa sueca,
também faz rondas quando a casa está desabitada... mediante um muito bom pagamento!
É claro que estas rondas têm maior importância quanto ao controlo de que
tudo está normal quanto a electricidade, fogos, etc, do que propriamente quanto
a possíveis roubos que - por muito que custe a crer - por aqui não existem
quanto às habitações.
Todas as casas dispõem certamente de uma garagem ou armazém para guardar os
veículos. Supomos que não ficam lá fora...
Veículos - São sempre guardados em garagens bastante aquecidas, e por este
motivo sempre um bocado afastadas das residências para evitar possíveis
acidentes com combustíveis provocados por um eventual curto-circuito em
contacto com fugas de água do gelo derretido.
Quando fora das garagens, o travão de mão não se pode usar... por gelar. E as
borrachas dos limpa vidros, quando parqueamos os carros, caso não sejam
colocadas na posição de bem afastadas dos vidros, passadas poucas horas
partem-se como se fossem de papel…
(São muitas as anedotas que por aqui se contam sobre os citadinos de
Estocolmo que por aqui aparecem em turismo familiar com os seus carros, e
ignoram estas realidades locais, e isto tendo em conta que Estocolmo não é
propriamente... uma cidade quente no Inverno!)
Para carros de modelos com fechaduras exteriores existem uns pequenos sprays a serem utilizados nas mesmas de
modo a permitir o funcionamento das chaves, o mesmo sucedendo com as portas
exteriores das casas.
No porta bagagens do carro deve sempre existir uma pá, cobertores, alimento
à base de chocolate, um pequeno fogão de bateria, etc. e isto para todas as
deslocações.
Como funcionam as comunicações naquele local? Telefone por satélite?
Equipamento rádio? Internet? Qual a cobertura que têm? Antenas dispersas? Por
satélite?
Comunicações - A Suécia tem uma cobertura total tanto quanto a telemóveis
como à Internet móvel, baseada em antenas espalhadas por todo o território.
Este extremo norte, em que as fronteiras sueca, norueguesa, finlandesa e
russa se encontram (a menos de 100 quilómetros da minha casa está o marco
geográfico que situa o ponto de encontro único entre a linha da fronteira
norueguesa, sueca e finlandesa) é muito "sensível" pela sua
proximidade com as grandes bases militares russas de Murmansk.
A cobertura de comunicações da área é extremamente cuidada pelos governos
escandinavos.
Mas, quando decorrem inesperados exercícios russos em grande escala (como sucedeu há pouco, com o maior exercício desde 1967, em que participaram
a esquadra russa do mar do norte com 41 navios a somarem-se a 38 mil soldados
das tropas paraquedistas e 100 aviões) as interferências electrónicas militares
criam sempre caos local.
No Blogue da Lapónia vê-se a imagem de uma outra casa isolada. Supomos que não será um
vizinho…
A
casa a que se referem, da foto colocada no blogue (que creio ser a que está sob
o título "cold-cold") não é a minha, e não é uma casa de habitação.
Faz parte de um sistema de sobrevivência e está devidamente assinalada nos mapas locais para apoio aos exploradores-amadores-turísticos que facilmente se perdem por estas imensidões, ou em caso de inesperados temporais.
Nestas "casas de portas abertas" durante todo o ano, mantidas pelas comunas locais, encontram lenha, fogão, enlatados, aquecimento, camas e cobertas.
Tudo lá está colocado e pode ser utilizado por qualquer um, partindo-se do
princípio de que nenhum chico esperto lá decida passar uns dias de férias do
tipo “Já-agora!".
Bom, resta-nos
agradecer ao José Belo a sua disponibilidade para nos prestar estes
esclarecimentos. Deixamos para outra altura alguma dúvida que ainda venha a
surgir-nos…
A Tabanca do Centro
3 comentários:
Gostei o texto do amigo José Belo. Apesar de não gostar do frio por ter pouca resistência, possivelmente suportaria melhor o de lá, dadas as boas condições. Tudo está previsto e acautelado. Grande país!.. Por certo também terá lacunas, mas nota-se que se pode viver bem, apesar dos custos!.. Um abraço ao José Belo e obrigado ao Miguel, por nos enviar mais esta descrição. Fiquei mais informada, com os pormenores. Mª Arminda
As explicações são muito boas, mas apesar da nítida organização e ausência de ladrões de casas, ainda não há nada, (para mim, claro), como um solzinho quentinho!!!
Grande abraço Zé Belo, abraço dos quentes em amizade e calor.
Joaquim
Caro Amigo José Belo
É, de facto, um extraordinário "mundo novo". Um português normal, em que incluo, dificilmente iria lá mas..."o hábito faz o monge". Obrigado pela lição.
Parafraseando o Joaquim Mexia Alves...abraço caloroso e muito amigo de Alcobaça. JERO
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