segunda-feira, 6 de abril de 2015

P634: VIVER NA LAPÓNIA - PORMENORIZANDO...


Em 6 de Fevereiro passado publicámos neste blogue uma compilação de mails do nosso camarigo José Belo, que juntámos num texto a que demos o título "Viver na Lapónia". Pretendia-se com essa abordagem desvendar um pouco o modo de vida de um povo com mentalidades e maneiras de estar bem diferentes das nossas, associadas a um clima  bem mais agreste que o deste nosso cantinho.

Ficaram então na nossa mente algumas questões que não eram ali suficientemente esclarecidas, pelo que mais uma vez pedimos a colaboração deste nosso camarigo para elucidar este nosso grupo. As suas respostas foram agora compiladas num segundo texto, que serve como complemento do anterior.

Para relembrar o que na altura foi descrito pelo José Belo, poderão querer rever esse primeiro texto; nesse caso, vejam aqui. Se ainda se recordam do seu conteúdo, então avancem para a leitura do texto que se segue.

UM MUNDO DIFERENTE…

Algumas questões postas por nós sobre o que é viver na Lapónia, que mereceram clarificação por parte do Zé Belo (texto na 1ª pessoa):

A electricidade das casas na zona é garantida como? Com um gerador?

As poucas casas habitadas que existem na zona norte da Suécia estão todas ligadas por cabo à rede eléctrica nacional, sendo no meu caso particular a Comuna (câmara municipal) de Kíruna a responsável pelo serviço. A electricidade produzida por barragens é em mais de 90% originária daqui devido á quantidade de enormes e caudalosos rios, principalmente durante o degelo das curtas semanas do verão local.

A maioria da electricidade segue para o sul, apesar de actualmente nessa zona se usar mais a energia nuclear que a produzida pelas barragens. O governo, na sua política de manter algum povoamento nesta imensidão, é muito cuidadoso quanto a fornecer energia altamente subsidiada tanto aos particulares como às indústrias locais.

As lâmpadas das casas, tanto interiores como exteriores, estão acesas nas 24 horas dos escuros cerca de 9 meses.

Para evitar que os canos rebentem tem que se manter o seu aquecimento, mesmo quando se está fora?

As casas de habitação mantêm-se aquecidas com caldeira central de óleo mesmo quando se não está lá. Para o efeito usa-se um termostato automático. Actualmente é possível aumentar a temperatura antes de se chegar a casa, usando o telemóvel.
(Acaba por sair mais barato ter a casa a uma temperatura constante, mesmo quando se está ausente, do que ligar o aquecimento quando se lá chega).

Havendo cães, como fazer quando se está uma temporada fora?

Caso se não tenha um vizinho (dos tais a uma proximidade de mais de 170 quilómetros…) que tenha cães e que, em troca de serviço idêntico da nossa parte venha a nossa casa alimentar e passear os cães, existem companhias de serviços para esse fim em Kíruna.
É claro que mediante um bom pagamento quanto a deslocações e alimentos…

Como já anteriormente escrevi, a brincadeira dos cães custa caro… mas vale a pena. Tanto pelos passeios no trenó como pela companhia (e segurança!) nas passeatas a pé, no colocar de armadilhas nos trilhos de animais selvagens comestíveis.

Na segurança à casa  fazem uma barulheira incrível (14!) quando algo de estranho se aproxima.

Esta espécie de cães, resultante de um muito feliz cruzamento dos huskies lapões com os siberianos, é extremamente inteligente, dedicada, saudável e forte.

Destes cães alguns são treinados para, em caso de acidente ou doença inesperada, se dirigirem por iniciativa própria (!) para casa e não se acalmarem até conseguirem trazer consigo pessoas de volta ao local do acidente.

Se te virem caído, imobilizado ou sentado na neve, vêm de imediato para junto de ti, colocam-se em círculo à volta dando calor e segurança. Têm reacções rápidas e de tal modo inteligentes que nada têm a ver com os nossos demasiadamente domesticados cães citadinos.

Os ursos que por aqui existem em quantidade (ao contrário dos ursos brancos das áreas costeiras que buscam contacto e atacam humanos na busca de alimentação) procuram evitar a todo o custo contactos tanto com humanos como com os cães.

Mas, surpresas e encontros inesperados, existem com bastante frequência. Claro, como a maioria dos animais de grande porte... se surpreendidos... atacam! Nestas ocasiões é impressionante a agressividade inteligente (e silenciosa!) destes cães. Correm de imediato em linha recta para o urso e param a cerca de 10 metros, provocando a paragem do mesmo.

Depois, continuando em absoluto silêncio, correm continuamente em círculos perfeitos à volta do animal, com a táctica interessante de um correr num círculo da direita para a esquerda e o outro da esquerda para a direita. Passados muito poucos minutos o urso está completamente "marado" e não sabe como reagir.

Começam então (um de cada vez) a morder uma das patas traseiras do urso (sempre a mesma, e no mesmo local dos tendões) até este ser obrigado a sentar-se, ou a arrastar-se dali para fora, isto se o número de cães não for o suficiente para acabar com ele sem grandes riscos.

Como outra curiosidade quanto aos cães de trenó, ao transportarem-se pessoas adultas conta-se com a necessidade de dois cães por indivíduo transportado.

Na ausência do proprietário por períodos grandes, alguém olha pela casa?

A "Securitas", que não sei se aí se sabe que é uma empresa sueca, também faz rondas quando a casa está desabitada... mediante um muito bom pagamento!

É claro que estas rondas têm maior importância quanto ao controlo de que tudo está normal quanto a electricidade, fogos, etc, do que propriamente quanto a possíveis roubos que - por muito que custe a crer - por aqui não existem quanto às habitações.

Todas as casas dispõem certamente de uma garagem ou armazém para guardar os veículos. Supomos que não ficam lá fora...

Veículos - São sempre guardados em garagens bastante aquecidas, e por este motivo sempre um bocado afastadas das residências para evitar possíveis acidentes com combustíveis provocados por um eventual curto-circuito em contacto com fugas de água do gelo derretido.

Quando fora das garagens, o travão de mão não se pode usar... por gelar. E as borrachas dos limpa vidros, quando parqueamos os carros, caso não sejam colocadas na posição de bem afastadas dos vidros, passadas poucas horas partem-se como se fossem de papel…

(São muitas as anedotas que por aqui se contam sobre os citadinos de Estocolmo que por aqui aparecem em turismo familiar com os seus carros, e ignoram estas realidades locais, e isto tendo em conta que Estocolmo não é propriamente... uma cidade quente no Inverno!)

Para carros de modelos com fechaduras exteriores existem uns pequenos sprays a serem utilizados nas mesmas de modo a permitir o funcionamento das chaves, o mesmo sucedendo com as portas exteriores das casas.

No porta bagagens do carro deve sempre existir uma pá, cobertores, alimento à base de chocolate, um pequeno fogão de bateria, etc. e isto para todas as deslocações.

Como funcionam as comunicações naquele local? Telefone por satélite? Equipamento rádio? Internet? Qual a cobertura que têm? Antenas dispersas? Por satélite?

Comunicações - A Suécia tem uma cobertura total tanto quanto a telemóveis como à Internet móvel, baseada em antenas espalhadas por todo o território.

Este extremo norte, em que as fronteiras sueca, norueguesa, finlandesa e russa se encontram (a menos de 100 quilómetros da minha casa está o marco geográfico que situa o ponto de encontro único entre a linha da fronteira norueguesa, sueca e finlandesa) é muito "sensível" pela sua proximidade com as grandes bases militares russas de Murmansk.

A cobertura de comunicações da área é extremamente cuidada pelos governos escandinavos.

Mas, quando decorrem inesperados exercícios russos em grande escala (como sucedeu há pouco, com o maior exercício desde 1967, em que participaram a esquadra russa do mar do norte com 41 navios a somarem-se a 38 mil soldados das tropas paraquedistas e 100 aviões) as interferências electrónicas militares criam sempre caos local.

No Blogue da Lapónia vê-se a imagem de uma outra casa isolada. Supomos que não será um vizinho…
                              
A casa a que se referem, da foto colocada no blogue (que creio ser a que está sob o título "cold-cold") não é a minha, e não é uma casa de habitação.

Faz parte de um sistema de sobrevivência e está devidamente assinalada nos mapas locais para apoio aos exploradores-amadores-turísticos que facilmente se perdem por estas imensidões, ou em caso de inesperados temporais. 

Nestas "casas de portas abertas" durante todo o ano,  mantidas pelas comunas locais, encontram lenha, fogão, enlatados, aquecimento, camas e cobertas.

Tudo lá está colocado e pode ser utilizado por qualquer um, partindo-se do princípio de que nenhum chico esperto lá decida passar uns dias de férias do tipo “Já-agora!".

Bom, resta-nos agradecer ao José Belo a sua disponibilidade para nos prestar estes esclarecimentos. Deixamos para outra altura alguma dúvida que ainda venha a surgir-nos…

A Tabanca do Centro


3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei o texto do amigo José Belo. Apesar de não gostar do frio por ter pouca resistência, possivelmente suportaria melhor o de lá, dadas as boas condições. Tudo está previsto e acautelado. Grande país!.. Por certo também terá lacunas, mas nota-se que se pode viver bem, apesar dos custos!.. Um abraço ao José Belo e obrigado ao Miguel, por nos enviar mais esta descrição. Fiquei mais informada, com os pormenores. Mª Arminda

Joaquim Mexia Alves disse...

As explicações são muito boas, mas apesar da nítida organização e ausência de ladrões de casas, ainda não há nada, (para mim, claro), como um solzinho quentinho!!!

Grande abraço Zé Belo, abraço dos quentes em amizade e calor.
Joaquim

Anónimo disse...

Caro Amigo José Belo
É, de facto, um extraordinário "mundo novo". Um português normal, em que incluo, dificilmente iria lá mas..."o hábito faz o monge". Obrigado pela lição.
Parafraseando o Joaquim Mexia Alves...abraço caloroso e muito amigo de Alcobaça. JERO