O FALÉ E O “BURRO DO
MATO”
Juvenal Amado |
A
explosão ouviu-se no quartel. Uma pequena coluna havia saído de Galomaro havia
pouco mais de meia hora, na direcção de Cansamba.
Cansamba
era um pequeno destacamento que albergava um pelotão do Saltinho e que servia de posto avançado entre Dulombi, Cancolim e Galomaro.
Distava nove quilómetros da Sede do Batalhão.
Os
soldados destes postos de guarda avançada viviam em condições muito precárias.
Não tinham luz eléctrica, os abrigos eram toscos de terra batida, pouco
arejados e nada cómodos.
Em
matéria de capacidade de defesa também era muito fraca. Para além de um
morteiro 60 mm, tinham uns dilagramas (*), granadas de mão, uma bazuca que
dificilmente funcionava, uma metralhadora pesada HK (**) e por último as G3.
Era um
armamento de defesa que, como é bom de ver, dificilmente resistiria a um
ataque, mesmo de média escala. Como não tinham luz eléctrica, penduravam-se
garrafas de cerveja duas a duas, para que se alguém tocasse no arame farpado,
elas tilintavam, denunciando assim os intrusos.
A
primeira vez que flagelaram Cansamba, estávamos há poucos dias em Galomaro.
Nessa noite eu estava num posto avançado do lado da bolanha. O fogachal começou
cerca das 19 horas. Nessa altura ainda estavam os velhinhos connosco e
aquilo foi mais uma operação de boas
vindas do que um ataque.
Os
guerrilheiros também tinham a consciência de que era fácil para eles entrarem
na zona, mas depois para saírem todos os destacamentos do perímetro lhes
tentariam cortar a retirada. Em todo o caso aqueles 9km eram uma distância
bastante significativa para que nós fôssemos em seu auxílio com rapidez, caso
se tratasse de um grande ataque.
Por
vezes o PAIGC usava como estratégia fazer ataques ao mesmo tempo que emboscava
e punha minas às colunas de ajuda. Era pois uma operação muito perigosa e de
progressão muito lenta no terreno.
A CCS
fazia os reabastecimentos de géneros todas as semanas. À frente seguia uma
Berliet carregada de sacos de areia. Não me recordo de quem a conduzia, mas
logo de seguida vinha o Falé no seu burro
do mato.
O
pelotão de sapadores fazia a picagem, tomando por referência as marcas dos
rodados das viaturas que ainda eram visíveis desde o último abastecimento. Os
rodados das Berliet que lá passavam regularmente marcavam o terreno que os
sapadores picavam à frente dos pés.
O Falé
conduzia o seu Unimog com o acelerador de mão, sentado nas costas do banco e os
pés no assento onde normalmente se sentava.
O Unimog do Falé |
De
repente o Unimog pisa uma mina, vai pelos ares e fica literalmente em cima de
uma árvore. O nosso camarada é encontrado dentro do mato, a alguns metros de
distância, inanimado. Tem a farda camuflada em farrapos, está todo preto, sujo
e com algumas escoriações. Felizmente está vivo e é levado para Galomaro, onde
lhe são prestados os primeiros socorros.
Foi
pedida a evacuação. O heli leva o nosso camarada para o Hospital Militar de
Bissau, de seguida, após algumas semanas, já livre de perigo, é enviado para a
Metrópole, onde acaba a sua comissão.
A
explicação para que a mina não tenha rebentado no rodado da Berliet é que o
rodado desta é mais largo que o do pequeno Unimog. Tinha sido posta para
apanhar um carro mais pequeno e assim foi plantada por dentro dos rodados bem
marcados que já lá estavam.
Podia
ter sido mais uma tragédia irreparável, mas felizmente não era a hora do nosso
camarada Falé, que voltei a abraçar no nosso convívio em Beja, passados 23 ou
24 anos. Vivo e de boa saúde.
Juvenal Amado
Notas do
autor do texto:
(*)
Dilagrama. É uma granada de mão defensiva que mercê de um dispositivo é
disparada pela G3. A munição é especial e a sua troca inadvertidamente por
outra, provocou acidentes gravíssimos.
(**) HK.
É uma metralhadora pesada calibre 7,62 mm. Parecida com a G3, é muito maior,
pode-se troca os canos e usam-se as munições em fita ou carregadores vulgares.
Estas armas equipavam também as Chaimites. A qualidade das nossas fitas de
munições deixavam muito a desejar, uma vez que encravavam constantemente.
Quando passavam pára-quedistas nas nossas unidades, já de regresso das suas
operações, nós pedíamos-lhes as fitas deles. As ditas eram formadas por elos
que se desmanchavam à medida que a arma fazia fogo. As que eram fornecidas às
unidades de tropas regulares eram em lona ou em metal nas quais não nos
podíamos fiar.
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