ALCUNHAS DO TEMPO DA VIDA MILITAR
QUE NÃO ESQUECEM / 6
”JUCA”, O MINHOTO PURO
JERO |
Era um jovem alegre, bem disposto que ,como
militar, não deixava os seus créditos por mão alheias. Furriel de “Armas
Pesadas” carregava com galhardia a sua bazuca que, felizmente, não teve que
utilizar muitas vezes. Pertencia ao 1º. Pelotão, comandado pelo Alferes Costa.
Até se deslocar para Guidage com o seu pelotão pode-se dizer que o Juca foi
sempre um militar aprumado e um jovem bem disposto e sem problemas em Binta.
Guardo na memória uma “sacanice” que lhe fiz. Não
me orgulho muito da “brincadeira” que não se faz a ninguém... quanto mais a um
amigo. A atenuante – a existir – só poderá ter a ver com a idade do autor e com
a falta de divertimentos que havia (ou não havia) na vila de Binta...
JUCA... e JERO |
Chegaram novas vacinas e surpreendentemente
o novo medicamento não fazia doer nada... Lá conseguimos ver na Enfermaria os
“caguinchas” em falta e finalmente o meu amigo Juca compareceu para o
“castigo”. Ainda cheio de dúvidas lá o consegui convencer a deitar-se numa
“marquesa”, ao lado de outra marquesa ocupada por outro militar de que já não recordo o nome. E
disse-lhe: – JUCA vou vacinar primeiro este militar e depois ele vai dizer-te
se lhe doeu alguma coisa. Ok?
Vacina dada e o militar confirmou. – Não dói
nada.
O JUCA ,que estava nitidamente
assustado, pareceu ganhar algumas cores. Animei-o - "Descontrai-te e deita as
calças abaixo". Finalmente, o JUCA pôs-se a jeito. Preparei a vacina que...
era do stock anterior (a tal que doía como o caraças) e lá vai disto. Dei-lhe a
injecção e o JUCA... levantou-se da maca que nem um tiro. Julgo que até
vomitou. Saiu da Enfermaria com as calças na mão e com agulha ainda espetada no
rabo.
Parece que o estou a ver. Foi uma cena
autenticamente à Cantiflas... Corri atrás dele, consegui acalmá-lo e tirar-lhe
a agulha que lhe enfeitava a nádega. Coitado do JUCA... ainda me agradeceu.
Fiquei cheio de remorsos com a minha brincadeira. Só anos depois lhe contei a
verdade e, está claro, nessa altura chamou-me tudo menos... bom rapaz. E com
razão.
Mas voltando à guerra…O pelotão a que
pertencia o JUCA foi escalado para uma “temporada” em Guidage, um posto na
fronteira com o Senegal situado a cerca de 20 quilómetros de Binta. Até então
nada de complicado tinha acontecido em Guidage, que “cheirava” mais a um espaço
para férias do que para guerras.
Mas um dia – há sempre um dia - aconteceu um facto anedótico que acabou tragicamente. No interior da cerca do arame farpado que fazia fronteira com o Senegal havia uma espécie de “tasca”, que não era “militar” mas que dava para beber um copo. Um “terrorista”, ou simpatizante da guerrilha que combatia a tropa portuguesa, veio beber um copo à tal “tasca” e foi denunciado como “inimigo”. Foi feito prisioneiro mas o destacamento de Guidage não dispunha de prisão.
Mas um dia – há sempre um dia - aconteceu um facto anedótico que acabou tragicamente. No interior da cerca do arame farpado que fazia fronteira com o Senegal havia uma espécie de “tasca”, que não era “militar” mas que dava para beber um copo. Um “terrorista”, ou simpatizante da guerrilha que combatia a tropa portuguesa, veio beber um copo à tal “tasca” e foi denunciado como “inimigo”. Foi feito prisioneiro mas o destacamento de Guidage não dispunha de prisão.
Foi preparado um pequeno espaço para tal
efeito num pequeno anexo exterior a uma morança que não tinha janelas mas
apenas uma porta… sem fechadura ! Foi improvisado um “posto de sentinela” no
exterior do arame farpado e organizados turnos. Num turno noturno de quatro horas
“avançou” então um soldado africano. Aquele militar deverá ter
sentido algum tempo depois “os pés frios”, encostou a sua espingarda ao arame
farpado da vedação e dirigiu-se à morança onde vivia com a mulher.
O prisioneiro apercebeu-se que a sentinela se ausentara do seu posto e arriscou sair do seu cubículo. Nas calmas passou por entre as fiadas de arame farpado e pôs-se ao fresco. Nem se preocupou com a espingarda abandonada, com que poderia ter abatido uma ou mais sentinelas.
O prisioneiro apercebeu-se que a sentinela se ausentara do seu posto e arriscou sair do seu cubículo. Nas calmas passou por entre as fiadas de arame farpado e pôs-se ao fresco. Nem se preocupou com a espingarda abandonada, com que poderia ter abatido uma ou mais sentinelas.
Horas depois “rebentou a bronca”. O
prisioneiro tinha fugido e o soldado (pouco) responsável pela fuga não
conseguiu explicar o que acontecera… inexplicavelmente. Foi severamente
espancado, agredido de toda a maneira e feitio pelos militares do 1º.pelotão. Começou-se
por murros na cara, pontapés por todo o lado e quando acabou “o castigo” o infeliz não dava sinais de vida porque simplesmente estava morto. Ninguém que lhe
tinha batido como castigo pensara que lhe podia acontecer o pior. Mas
aconteceu.
Dias
volvidos um oficial do Batalhão sediado em Farim veio até Guidage para
instaurar um processo de averiguações. Chegado ao seu destino o averiguante
bebeu uns copos com o comandante do destacamento e o nosso Alferes, supondo
pisar terreno firme, narrou em “off” os pormenores dos acontecimentos
turbulentos do dia da fuga do prisioneiro e do espancamento que se seguiu na
pessoa do soldado africano responsável pela fuga. Cavou o buraco onde ia ser enterrado…
Encurtando razões: O processo chegou ao
Tribunal militar, que decidiu castigar os três graduados presentes na altura do
espancamento ao nosso militar africano. Foi aplicada uma pena de 24 meses de prisão ao Alferes, 12 meses de prisão a um 1º Cabo e 18 meses de prisão ao JUCA, que era Furriel Miliciano naquele tempo.
Viemos anos mais tarde a saber pelo JUCA que esta prisão não foi efetiva: passeavam durante o dia por Bissau para “passar o tempo” e à noite dormiam na prisão.
O JUCA (Foto recente) |
Foram tempos difíceis, mas veio a arranjar
outro emprego, a constituir família e a fixar-se na cidade de Aveiro. Cresceu
um pouco – para os lados – e continua a falar alto.
Tem feito toda a sua vida na região de
Aveiro mas vê-se nele, sem dificuldade, que é “um minhoto puro”. Um bom homem
que passou na vida por algumas “guerras” difíceis. E não se esquece da injeção
contra o doença do sono que o “amigo” Enfermeiro lhe espetou! Não gosta de
falar de guerra e tem faltado a alguns convívios da “675”.
Mas... tal como nós concorda que na guerra
todos os mortos... são demais!
JERO
5 comentários:
Mais um episódio da “vida de guerra” do amigo JERO, que gostei de ler.
Também administrei em Angola, muitas vacinas para a doença do sono e que doíam até dizer chega e, que era muito dolorosa tal como nos referiam os que as apanhavam. Felizmente que nunca apanhei e por isso não falo de experiência própria.
Foi aborrecido ter acontecido a morte do militar, mas naquela e noutras guerras aconteceram alguns imprevistos...
Quanto a Guidage, fui lá uma vez. Foi evacuado um nativo vindo do outro lado da fronteira com parte do intestino à vista e que o médico do aquartelamento pedira uma evacuação urgente (tipo y) e foi a mim que me calhou fazê-la.
Na ida, o piloto perguntou-me antes de se fazer à pista, se eu queria ir ao estrangeiro (Senegal), o que concordei. Então fez a manobra e aterrámos dando uma volta que não sei se para a direita ou esquerda de uma determinada árvore que havia numa das extremidades da pista e que servia de referência. Felizmente nada aconteceu. Nessa altura não havia por ali ainda muita guerra. O mesmo já não se pode dizer anos depois, mas nessa altura, já estava na vida civil.
Um abraço amigo JERO. É bom sinal que hoje ainda possamos recordar e contar pequenas estórias, que fazem parte das nossas vidas.
Votos de Bom Natal. Um bj.
M Arminda
Mais um episódio da “vida de guerra” do amigo JERO, que gostei de ler.
Também administrei em Angola, muitas vacinas para a doença do sono e que doíam até dizer chega e, que era muito dolorosa tal como nos referiam os que as apanhavam. Felizmente que nunca apanhei e por isso não falo de experiência própria.
Foi aborrecido ter acontecido a morte do militar, mas naquela e noutras guerras aconteceram alguns imprevistos...
Quanto a Guidage, fui lá uma vez. Foi evacuado um nativo vindo do outro lado da fronteira com parte do intestino à vista e que o médico do aquartelamento pedira uma evacuação urgente (tipo y) e foi a mim que me calhou fazê-la.
Na ida, o piloto perguntou-me antes de se fazer à pista, se eu queria ir ao estrangeiro (Senegal), o que concordei. Então fez a manobra e aterrámos dando uma volta que não sei se para a direita ou esquerda de uma determinada árvore que havia numa das extremidades da pista e que servia de referência. Felizmente nada aconteceu. Nessa altura não havia por ali ainda muita guerra. O mesmo já não se pode dizer anos depois, mas nessa altura, já estava na vida civil.
Um abraço amigo JERO. É bom sinal que hoje ainda possamos recordar e contar pequenas estórias, que fazem parte das nossas vidas.
Votos de Bom Natal. Um bj.
M Arminda
Não sei como isto aconteceu.
Há falta de um, foram dois e não consigo eliminar.
As minhas desculpas e Feliz Natal para todos os amigos Tabanqueiros.
M Arminda
Meu amigo Jero
Não podia deixar de comentar mas, ao contrário de outras vezes, o meu comentário será necessariamente curto.
Falas do "Juca" e das vicissitudes que lhe aconteceram.
Ok, tudo bem, o que fizeste com a injecção foi uma "maldade" mas nesses tempos, com a idade que se tinha e com o "clima" em que se vivia, o que se podia esperar?
Eu também tive uma experiência, diferente dessa, é verdade, mas em que fui alvo das brincadeiras do médico e dos enfermeiros e da "assistência"....
Quanto aos motivos da "porrada", tendo em conta as susceptibilidades que vão aparecendo, "passo"....
Abraço
Hélder Sousa
Camarigos Maria Arminda e Hélder Sousa
Obrigado pelos v/s comentários.
É sempre compensador ter alguém que nos leia e que "tenha andado por lá".
Feliz Natal.
JERO
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