sexta-feira, 13 de setembro de 2019

P1163: COMPANHEIROS DE JORNADA


MASCOTES E ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E/OU COMPANHIA
OS GATOS…

Helder Valério Sousa
Dado que esta recordação já foi anteriormente publicada no Blogue da “Tabanca Grande”, fará 10 anos, pareceu-me oportuno fazer uma “revisão” para a encurtar e, se possível, melhorar.

Como de costume, quando escrevo algo sobre os tempos vividos na Guiné, é motivado por vários elementos que vão aparecendo e que depois de os remoer, um pouco, acabam por me fazer lembrar das situações ou acontecimentos. Veio isto ao caso por, ao longo do tempo, terem sido publicados “posts” em que se falava de aves, pássaros vários, morcegos, “ui-uis” e quejandos e da quantidade e variedade de comentários que suscitou.

A propósito deles ficámos a saber de “pardais amestrados”, de convívios com morcegos, da admiração pelos jagudis (quase sempre confundidos com perus pelos periquitos…). Também já se tinham referido a cães que, por todas as tabancas, quartéis e aquartelamentos, eram muitas vezes a grande companhia para as solidões.

Até se fez referência a uma tresloucada acção de ‘matança’ de cães que, algures no mato (longe de Bissau, portanto) incomodavam quem não deviam… Igualmente sabemos de periquitos e outras aves que ajudavam a passar o tempo das ‘horas mortas’. Aqui e ali são também conhecidas as proximidades com aqueles animais que, na generalidade, referimos como macacos. E por aí fora.

Não me apercebi de coisas estranhas, mas possíveis, como ter como mascote ou companhia crocodilos, osgas, iguanas, grilos ou cobras (de várias espécies) mas não posso jurar que não os houvesse… Agora, o que mais me intriga, é a falta de referências aos gatos.

É que esses animais, sempre com o seu estilo particular, lá como cá e noutras partes por onde existem, estiveram presentes durante as nossas ‘comissões de serviço’.

Eu sei que falar de gatos pode parecer um pouco “abichanado” mas mesmo assim, se me permitirem, vou referir-me a eles.

E, para começar, apresento um poema que o nosso camarada Marques Lopes fez publicar na “Tabanca de Matosinhos”, no início de Agosto passado (2009), em homenagem a um seu amigo entretanto falecido fazia 6 meses, sendo esse o autor do poema e de seu nome Fernando Vale.

   O GATO

O gato é um felino
Aristocrata
Sempre usou laço
Nunca quis gravata

O gato é um felino
Snob
De trato fino
Até vaidoso

O seu andar?
Suave, silencioso
Independente
Misterioso

Nunca submisso
Mostra unhas
Também os dentes
Se em duelo
Tanto for preciso

Usa bigode
Destemido, soberbo
Sempre snobe
Não conhece o medo

O seu porte
A muitos humanos
Não agrada
Mas este felino
É um nobre
Capaz de ronronar
Ao exigir uma carícia
É snobe
Mantém sempre
A cabeça levantada
É nobre
Até mesmo quando caga

O gato é um felino
Aristocrata
Sempre usou laço
Nunca quis gravata

(Fernando Vale, 28.02.2008)

Ora acontece então que durante a minha permanência no “Centro de Escuta” os gatos foram a minha companhia, principalmente durante as longas noites de serviço e disso não posso, nem quero, esquecer-me.

Disse “durante a noite” porque tanto a “Morcona” como o “Kiki” só nesse período se deixavam ver. Não sei porquê, nunca me disseram nem consegui descobrir. Durante o dia desapareciam completamente das vistas e só depois do sol-posto apareciam. Houve também um outro, o “Caçador”, que era completamente diferente.

Eu e o "Caçador"
Esse dava-se a ver durante o dia e deixava-se agarrar. Chamei-lhe assim porque era um caçador nato, apanhava tudo o que podia, ratos, sapos, lagartos ‘paga-dez’, até cobras e víboras e depois muito vaidoso carregava as presas e vinha oferecer-me, numa espécie de deferência.

Tudo começou pela “Morcona” que era a gata-mãe dos outros dois, em ninhadas diferentes. Quando cheguei á “Escuta” essa gata estava no forro da casa, tendo entrado para lá por essa ocasião por um buraquito, mas pelo qual já não podia sair.

Pensámos em deixá-la por lá, mas sempre havia o perigo de alguma incomodidade pelo cheiro e não só, e eu, aos poucos, fui tentando cativar a sua confiança, através da comida que lhe levava pelo alçapão de acesso existente na “Escuta”, o que acabei por conseguir. Traindo a sua confiança conquistada com tanto trabalho, consegui agarrá-la e fazê-la passar por esse alçapão, recuperando igualmente três pequenos gatitos.

A pose serena da "Morcona"
Inicialmente ficou ‘louca da vida’ mas acabou por não rejeitar as crias, as quais foram acondicionadas no que seria a chaminé da casa onde vivia que era contígua ao “Centro de Escuta”, de modo bem disfarçado e que lhe deu bastante privacidade.

Esta ninhada esteve na origem de um episódio bem caricato passado com o meu camarada Nélson Batalha (entretanto já falecido e que na época compartilhava o quarto comigo), e que foi o seguinte:

Por esses tempos era hábito, aos sábados, o Sr. Comandante do que viria a ser o Agrupamento de Transmissões, Tenente-Coronel Ramos, passar revista às instalações, incluindo-se aqui os alojamentos dos Sargentos, que muito se incomodavam com esse aparente atestado de menoridade (o Sr. Comandante ia ver se os quartos estavam bem arrumados e limpos…).

Nesse sábado o Nélson saiu de serviço às 7 da manhã e foi dormir para o quarto, preocupado com a existência da ninhada de gatos e com o que sairia da ‘vistoria’ rotineira.

Como fui eu que o substitui no serviço, estava na “Escuta” quando o Sr. Comandante e comitiva passaram por lá e procurando-me antecipar à continuação da visita à casa ao lado, onde era o nosso quarto e também a improvisada ‘maternidade’, fui lá ver se estava tudo bem camuflado (e estava!) e quis avisar o Nélson da iminente presença das chefias, só que a sua preocupação fez com que ele, estremunhado, gritasse bem alto:

- “Eh pá, tira-me daí esses cabrões!” - (é claro que ele se referia aos gatos, que achava serem da minha responsabilidade…)

Só que não houve tempo de intervalo suficiente entre o meu aviso e a presença dos ‘superiores’ que, como devem calcular, não tendo conhecimento da existência dos gatos (nem os viram, tal a camuflagem), ‘não tiveram dúvidas’ a quem aquele impropério se dirigia!

Como o Nélson estava nas ‘boas graças’ do Sr. Comandante por ter sido ferido e evacuado de Catió, em resultado de ferimentos ocorridos num ataque àquele aquartelamento e era um ‘bom cartaz’ demonstrando assim que o pessoal do STM também corria riscos, a coisa passou ‘à pala’ de o Nélson ainda estar um bocado ‘apanhado’ e com sobressaltos resultantes dos ferimentos…

O "Caçador", sempre atento
Pelas fotos que junto podem ver o porte altivo da “Morcona” e as expressões argutas do “Caçador”. Do “Kiki” não encontrei qualquer foto.

Peço desculpa por vos tomar tempo com estas coisas menores mas acho que também devem fazer parte do ‘levantamento’ que fazemos das nossas memórias, e a questão dos animais de companhia ou mascotes não são despiciendas, pois muitas vezes serviram para nos fazer sentir que ainda éramos humanos. 

No meu caso, e tratando-se de gatos, não posso dizer que eram as minhas mascotes ou animais de companhia, já que foi muito mais eles a escolherem-me do que eu a eles. Volto a utilizar (com a devida vénia) as palavras do Marques Lopes que cita Manuel António Pina em artigo do “Jornal de Notícias”, de que “nunca viu um gato a fazer habilidades num circo...”, para ilustrar bem o que se entende da ‘personalidade’ felina.

Hélder Sousa (Fur. Mil Trms TSF)
Fotos: © Hélder Sousa (2009). Direitos reservados.

6 comentários:

Alberto Branquinho disse...

Muito bem!
Viva o Helder que gosta de gatos (como eu) neste tempo em que só se fala de cães.
Pois, quando era garoto havia gatos lá em casa e por todo o lado. MAS, MAS... na Guiné, nos vários lugares das nossas andanças várias por aquelas terras, NUNCA vi gatos. Talvez tivessem sido aproveitados pelos vagomestres para mandarem fazer "coelho à caçador". Talvez.
Abraços, Helder!
Alberto Branquinho

Juvenal Amado disse...


O Hélder Valério trás aqui um assunto deveras interessante para mim, pois desde que lembro sempre houveram gatos em todos os momentos da minha vida, excluindo o tempo na Guiné. Se bem me recordo não tenho ideia de me ter cruzado com doméstico felino pelos destacamentos por por onde andei. Talvez seja só uma falha da minha memória mas na verdade. não tenho ideia nenhuma disso.
Eu mais a minha mulher, dividimos o apartamento com duas gatas e é umas preocupações de quando saio para qualquer lado, ter que arranjar quem delas cuide quanto à alimentação bem como limpeza uma vez, que a fama independência de gozam os bichanos, não chega a esse patamar
Mas toda esta conversa faz-me lembrar o Agostinho da Silva, que numa entrevista onde pelo o menos uma dúzia de gatos assentavam arraiais no escritório, ao perguntarem-lhe se eles não o incomodavam no seu trabalho, ele respondeu que a única preocupação, que tinha com eles era de quem lhes ia dar comer quando morresse.
Agostinho da Silva que, numa altura da sua vida, se deslocava de Lisboa a Sesimbra com o único objetivo de alimentar gatos, com quase 88 anos de idade levantava-se às cinco da madrugada e dedicava aos gatos as duas primeiras horas do dia, limpando as areias, lavando a louça e dando-lhes alimento e mino e passeando no terraço.

Quase como eu :-).... É o meu serviço às sete da manhã sobre pena de se irem aliviar na carpete.

Um abraço

Anónimo disse...

Gostei Hélder. Na minha companhia da Guiné não havia "gatos...Só gatas.
Eu tive um macaquinho que tratava por "Inho". Havia também aves de diversas espécies e cores e não me lembra de mais nada.
Como o tempo passa?
Na vida civil sempre gostei muito de gatos. Em miúdo tive um que se chamava "Tico" que, para minha tristeza, morreu atropelado.Nunca mais o esqueci.
Recordo-o com a tua quadra:-
"O gato é um felino
Aristocrata
Sempre usou laço
Nunca quis gravata."
Abraço de Alcobaça e venham mais"memórias".
JERO

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Pois também não me recordo de ter visto gatos no interior, nomeadamente em Piche, o que não quer dizer que não houvesse. Simplesmente, não tenho memória disso.

Mas há uma coisa que se deve "corrigir". O texto foi originalmente escrito (agora só teve uns ajustes) em 2009 e aí eu escrevi que, tal como António Pina "nunca tinha visto um gato a fazer habilidades num circo". Mas agora é preciso que se diga que já vi, não um mas uns quantos (salvo erro, se a memória não falha, uns 5 ou 6), a "actuarem" e bem.num espectáculo, embora tenha visto essa reprodução na internet.

Para os "amigos dos gatos" aqui deixo a minha solidariedade. Em pequenito, aí com 3 ou 4 anos, tive um gato, o "Zequinha" que tinha uma paciência e condescendência inesgotáveis para todas as diabruras que lhe fazia. Agora. em tempos mais recentes, tivemos cá em casa o "Ramsés", durante 19 anos, e a sua morte no domingo de carnaval foi triste, mas não interessa agora para nada. Chato, chato, era quando se "lembrava" de passear por cima do teclado do computador....

Quanto a recordações... haverá mais!

Abraços
Hélder Sousa

Hélder Valério disse...

Houve um amigo que questionou se não teria sido o gato a escrever alguns comentários.... pois não posso garantir que não!

Hélder Sousa

Anónimo disse...

Achei graça à estorinha do amigo Hélder Valério.
Também não me recordo de ver gatos na Guiné.
As mascotes, ou eram periquitos ou macaquinhos.
Na nossa casa tínhamos periquitos que chamávamos de papagaios, mas um oficial chegou a ter dois jacarés bebés.
Tive não há muitos anos, um gato tipo “bosque da Noruega “, que um dia ao fugir dele, sofri um acidente e fiz uma fractura grave, no membro superior direito. Fiquei vacinada e acabei com mascotes ou animais de estimação.
Penso que com sorte, serão boas companhias e aceito perfeitamente quem os tenha.
Um abraço para o amigo Hélder e Miguel por nos facultarem estes testemunhos, de acontecimentos que fazem parte das nossas vivências.
M Arminda