PISTA DA ÉPOCA (COMO A
FRUTA)
Miguel Pessoa |
Estes
dados eram de grande importância para o aviador, principalmente no início da comissão,
quando ainda não tinha grande conhecimento do terreno. O número elevado de
pistas existentes (cerca de sessenta), a falta de visibilidade horizontal durante
uma época do ano e o facto de as pistas por vezes se sucederem num espaço de
terreno relativamente curto podiam induzir em erro os menos experientes.
Ninguém gosta de aterrar num determinado sítio e descobrir que o que queria é
mais ao lado, principalmente quando a pista está afastada do aquartelamento e
afinal não há qualquer segurança montada no local...
Vista aérea do quartel de Dulombi |
Por
isso era habitual passarmos pelas Operações para visualizar os sítios onde
íamos pela primeira vez. Daí ser natural já termos por vezes um conhecimento virtual de determinada
pista mesmo antes de lá ter ido - uma espécie de Flight Simulator da época...
Uma
vez recebi uma incumbência curiosa; tratava-se de ir abrir ao tráfego aéreo a pista de Dulombi, isto é, comprovar que aquela pista estava em condições de poder ser
utilizada pelos nossos DO-27. Fiquei curioso com esta missão, mas uma
visualização das fotos da pista rapidamente me elucidou. Na tal fotografia
feita à vertical da pista pude verificar que, ao contrário do que sucedia nos
outros aeródromos, em que a placa de helicópteros surgia normalmente ao lado da
pista, a uma distância de segurança [1], aqui
essa placa surgia cravada no meio da pista, dividindo-a em duas partes mais ou
menos iguais, uma para cada lado.
A placa de helicópteros durante um apoio a uma operação da FAP em Madina do Boé, em Novembro de 1973 |
É
natural que, tratando-se de duas construções de diferente tipo, uma em cimento
e a outra em terra batida, a sua utilização intensa (que não seria no entanto o
caso) e principalmente os efeitos da natureza podiam levar à degradação das
duas junções e criar um degrau fatal para qualquer avião que ali tentasse
aterrar. Assim, durante a época das chuvas, as águas que corriam ao lado da
placa de helicópteros arrastavam as terras adjacentes deixando a placa saliente
e impedindo a utilização da pista, dado que qualquer das tiras remanescentes
(uma para cada lado, recorda-se) era insuficiente para o DO operar.
Portanto,
todos os anos, depois de as chuvas terminarem, havia que proceder à recuperação
da pista nas zonas adjacentes à placa, de modo a permitir a passagem dos aviões
por cima desta sem sobressaltos.
A
minha missão não teve problemas de maior, dado que as terras tinham sido
repostas e a pista podia ser utilizada em segurança. Mas sempre me interrogava sobre
o motivo por que tinha sido tomada esta opção (falta de espaço para a placa
noutro local?) que tornava sazonal o uso daquela pista. É que, sabendo-se das
dificuldades sentidas pelos nossos militares nas zonas mais isoladas, a pista
de aterragem era sempre uma mais-valia que podia reduzir um pouco esse
isolamento e limitar as carências daí resultantes.
[1] Tratando-se de uma construção em cimento, muitas
vezes saliente do chão cerca de um palmo, podia ser um obstáculo intransponível
se se perdesse o controlo do avião e ele embicasse na direcção da placa (normalmente
por causa dos ventos, pontualmente também me chegaram a aparecer à frente vacas
e cães, durante a aterragem...). Pelo menos lembro-me de um DO-27 imobilizado
sobre os dois cotos que tinham sido o trem de aterragem, no meio de uma placa
de helicópteros, devido à perda de controlo do avião durante a descolagem. Já
não cheguei a ver lá o avião, mas as marcas deixadas pelos cotos no cimento
ainda eram bem visíveis...
4 comentários:
Placa dos helicópteros cravada no meio da pista?
Obviamente por razões de estética arquitetônica.
Estética esta...tão importante na ação psicológica da luta contra-guerrilha !
Um abraço do J.Belo
Essa pista não cheguei a conhecer esse local. Pelo menos agora à distância, não me recordo. Se calhar já estou a perder a memória... A última vez que estive na Guiné foi no ano 1969 e não sei se a pista já estaria assim com essa operacionalidade tão “ especial”!...
Um abraço.
No último comentário falta o nome.
Um abraço.
M Arminda
Caros amigos
Sinceramente não consegui evitar um sorriso rasgado e uma gargalhada (contida....) ao ler o que o Miguel descreveu e o comentário do J. Belo.
Sim, certamente seria por uma razão estética, pois de outro modo não se pode pensar como justificar a criação dessa semi-operacionalidade.
Mas, convenhamos, "criatividade" não faltou!
Abraços
Hélder Sousa
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