ALCUNHAS DO TEMPO DA VIDA MILITAR QUE NÃO ESQUECEM / 3
O “CAMPO DE OURIQUE”
O "Campo de Ourique" |
Carlos
Dias Rodrigues de seu nome era um alfacinha de gema. Cenógrafo na vida civil,
foi na Companhia de Caçadores 675 1º. Cabo Condutor. Opinioso e de palavra
fácil percebia-se que se sentia melhor junto de Sargentos e Oficiais de que
junto dos seus “pares”. Era metódico e cuidadoso na sua especialidade e, sempre
que podia, questionava as ordens e... não deixava de dar troco ao seu furriel
das “viaturas”...
O
“Campo de Ourique” não tinha complexos de inferioridade... Durante a fase mais
complicada da vida da Companhia em termos operacionais “apanhou” com um
minúsculo estilhaço de granada que o fez cliente assíduo do Posto de Socorros.
Queixava-se da cabeça e tantas queixas fez que a sua “crónica” dor de cabeça
nem sempre foi levada muito a sério. Pelo menos com a seriedade que o “Campo de
Ourique” julgava que merecia. Julgamos que o mini-estilhaço nunca foi localizado!
Na segunda fase da Companhia - regresso das populações e melhorias do aquartelamento - foi sempre colaborante, embora com o pecadilho de anunciar "super-produções" que demoraram o seu tempo a realizar...
Mas
finalmente fez obra e foi o grande responsável pelo embelezamento da “Avenida
Capitão de Binta” com uma gigantesca “estrela” feita com garrafas de cerveja...
Garrafas vazias, está claro!
Depois... no regresso foi sempre presença assídua nos convívios da Companhia, referindo - sempre que estava por perto alguém ligado ao Serviço de Saúde - o célebre estilhaço da cabeça…
Com
estilhaço ou sem ele, esteve ligado a um dos momentos mais conseguidos de uma
das festas realizadas em Lisboa.
Ligado
ao teatro – recordamos que era cenógrafo – conseguiu bilhetes para a malta da
“675” que, depois do almoço, foi assistir a uma peça que era protagonizada por
Jacinto Ramos e Irene Cruz.
Durante a representação o actor principal – um
“grande senhor” do teatro e do cinema – interrompeu a cena para dedicar algumas
simpáticas palavras aos ex-combatentes da “675” que se encontravam na plateia.
Foi um momento muito bonito que ficámos a dever ao “Campo de Ourique”.
Depois
os anos passaram e... o «Campo de Ourique» foi sempre aparecendo mas
percebia-se que já não era o mesmo. Num
dos últimos convívios ficámos ao pé dele. Conversámos muito e ouvimos da sua
boca um testemunho impressionante. Tinha um filho apanhado pela droga.
Estava a
fazer uma autêntica “Via Sacra” pelos locais onde se vendia e consumia droga
para tentar perceber o que tinha levado o seu filho para aquela “zona da vida”...
tão perto da morte.
Já
tinha ido vezes sem conta ao Casal Ventoso e não conseguia perceber a opção de
vida dos drogados. Era um homem amargurado. Muito amargurado. Desconhecemos
como acabou o drama que o atormentava. Julgamos que não acabou bem.
Um
homem da cidade, da grande cidade, refugiou-se nos últimos anos da sua vida na
Madeira. Na ilha de Porto Santo. Onde veio a falecer em 18 de Outubro de 2005.
Recordamos
com respeito o “Campo de Ourique”. Carregou penas bem pesadas. Que a terra lhe seja leve.
JERO
2 comentários:
Histórias de vidas contadas pelo José Eduardo que lhes dá uma amplitude de ternura que abafa, e ainda bem, a crueza da vida!
O flagelo da droga é algo que me parece toca infelizmente todas as famílias.
É um veneno destruidor da família, da sociedade, silencioso, mas infelizmente terrivelmente eficaz.
Grande abraço ao José Eduardo e a todos do
Joaquim
Meu caro Jero
Meus caros amigos
Como já nos habituou, o Jero apresenta-nos mais um retrato de um seu camarada, o que por si só é relevante, mais que não seja pelo que isso revela de ternura e de memória.
Ficámos a saber das coisas boas, interessantes, positivas, engraçadas, que se colam à pele do "Campo de Ourique" mas, para o final ficámos a saber do seu drama que, afinal, tem sido o flagelo de muitas famílias e do destroçar de tantas vidas.
Sendo "alfacinha de gema" certamente que deverias ter ouvido o teu "Campo de Ourique" dizer que era de "Campdóric" (que era como realmente soava quando esses "alfacinhas" se referiam ao seu Bairro.
Retive a gentileza do que se passou na "ida ao teatro" e, principalmente, na citação pública que o Jacinto Ramos vos fez. Deve ter sido de "encher o peito"!
Quanto ao "micro-mini-estilhaço"... pois será sempre um mistério mas que tem o mérito de servir para aqui ser recordado..
Olha, continua a trazer mais figuras. Aprendemos sempre mais qualquer coisa.
Abraço
Hélder Sousa
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