terça-feira, 9 de maio de 2017

P909: OS TIGRES DE CUMBIJÃ NO SEU 21º CONVÍVIO

ENCONTRO ANUAL DA CCAV 8351 - Guiné 72/74

"Os Tigres de Cumbijã" da Companhia de Cavalaria 8351 reuniram-se no passado dia 29 de Abril de 2017, na Quinta do Pavão, na Charneca da Caparica. Realizou, assim, o seu  XXI almoço-convívio.


O dia estava bonito, com um sol primaveril radiante a querer desejar-nos um bom dia de convívio e a mostrar-se parceiro actuante na nossa festa. Pelo meio da manhã começam a chegar os primeiros participantes, muitos acompanhados da esposa, filhos e netos, que reuniu um número aproximado de 120 pessoas.

Foi particularmente marcante para mim o momento inicial das boas vindas e o tempo de abertura aos cumprimentos, considerando que já lá iam 44 anos que eu não via muitos dos meus ex-companheiros, referindo, entre outros, o Félix, o Matias, o Barbosa, os ex- furriéis Costa e Martins e muitos outros, todos do meu 1.º Grupo de Combate. No entanto, todos aquelas rostos, de antanho, persistiam e persistem, ainda, na minha memória visual, porque os reconheci, constando registados como seres integrantes do meu todo. Mas, todos têm um nome, todos têm direito ao seu nome e no momento de eu o invocar, o nome escondeu-se, não saiu, não apareceu. Ó agruras do tempo! Não sou perfeito!


Estes momentos que nos rodeiam, neste tipo de eventos, são sempre momentos de afectos e de alguma ternura. Eu nunca irei esquecer o meu primeiro momento neste XXI almoço-convívio da CCAV. 8351, do dia 29/04/2017. Tinha eu acabado de chegar ao portão da entrada do local, estava, à entrada, um camarigo com uma jovem menina, simpática e risonha, pela mão. Parei, cumprimentámo-nos, fiz uma carícia à menina, ele reconheceu-me de imediato, ao fim de 44 anos, pronunciou o meu nome e eu ... a coçar na cabeça ... a querer fazer o mesmo que ele, tão bem fez. O nome dele não vinha à mente! Eis, senão quando, a menina-neta , a saltitar, a sorrir, encostada ao meu carro, olha-me e diz: "sabes, este é o meu avô, chama-se Barbosa e esteve na Guiné!" Nem mais. Era isto mesmo que eu queria ouvir. Fantástico! Parabéns, Barbosa, pela tua bonita netinha. Aquela menina, na sua espontaneidade e atenta, apercebeu-se da minha angústia ao não me lembrar do nome do avô. Sendo eu um sentimental e de lágrima fácil, não me contive, pelo impulso da oportuna ajuda daquela criança a um ex-combatente vetusto e de teimosa desmemória - aventuras da alma.

Nestes encontros memoráveis de reviver factos e reactivar relações de camaradagem e de solidariedade, onde se recordam pedaços da nossa vida, qual manta de retalhos, não nos esquecemos dos nossos saudosos 27 ex-companheiros que já nos deixaram e partiram desta vida terrena. Todos, individualmente, foram recordados e o seu nome trazido ao altar, na celebração da Eucaristia campal, nos jardins da Quinta que nos acolheu, num espaço de meditação e de espiritualidade.


Aproximava-se o momento para o almoço, momento alto nestes eventos, num espaço digno e condigno, bem decorado, cores claras e atraentes, mesas bem compostas e preparadas para o lauto almoço onde, de facto, nada faltou. Ementa bem confeccionada e abundante, reinando sempre a alegria e a boa disposição que se prolongou para além da partilha do bolo da companhia, cortado e distribuído pelo nosso grande chefe e líder ex-Cap. Vasco da Gama.

Pergunta-se muitas vezes qual o interesse e satisfação pessoal destes encontros entre ex-combatentes, ex-militares operacionais que viveram 24h sobre 24h num cenário de operacionalidade de guerra de guerrilha "sacana", traiçoeira e sem rosto, dominados por medos e angústias, longe de tudo e afastados de todos.

É que, em cada homem ex-combatente há sentimentos, há memórias de infância, da juventude, da família, de luta e sofrimento em cenários de guerra vividos e sofridos. Essa guerra e os seus momentos, ainda, vivem dentro de nós. Essa guerra que enfrentámos, na nossa juventude, ainda não se calou, nem terminou com a entrega das armas e o abandono do TO (Teatro de Operações). Nunca será passado. Se, felizmente, escapámos às mazelas físicas ou motoras e se as não temos, sentimo-las na alma pela extensão e alongamento de uma história de vida de sacrifício e luta de um ex-combatente. Numa luta de guerrilha em que estivemos, por um período médio de 24 meses, ela se alonga e prolonga, em nós, numa matriz de marcas e sentimentos. É nestes encontros-convívio da Companhia que se partilha e atenua o fantasma dos distúrbios e eventuais traumas que persistam e se movam dentro de nós.


"Os Tigres de Cumbijã" da CCAV 8351, que, em Maio de 1973, reocuparam Cumbijã, abandonada nos anos 1968/69, terra queimada sem água nem beira, que os recebeu e adoptou sem nada ter para lhes dar, muito terão que contar aos seus vindouros. Só a força anímica e a capacidade de liderança do seu destemido Comandante ex-Cap. Vasco da Gama e os seus bravos ex-militares permitiram o leal cumprimento da sua missão. Honra e louvor lhes são devidos.
Abraços

Manuel Frazão Vieira

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