domingo, 27 de novembro de 2016

P847: O SAGRADO TERÇO NEGRO

"QUERIDO FILHO, VAIS PARA A GUERRA, 
LEVA O MEU TERÇO"
Ainda guardo religiosamente o terço negro que a minha querida Mãe colocou no meu pescoço no momento que me despedi dela para ir para a guerra nos Dembos, norte de Angola, em 1973.

“Querida Mãe, já chegou o carro que me vai levar para o Quartel de Santa Margarida, para embarcar logo à tarde para Angola, tenho que ir embora. Mãe, por favor, não chore mais que não vale a pena, não me resolve nada, lembre-se só disto que lhe digo, quanto mais depressa eu for, mais depressa regresso”.

Naquele momento, os meus braços e os braços dela entrelaçaram-se num apertado abraço e os dois rostos uniram-se em beijos; resolvi separar-me da minha mãe:

“Minha querida Mãe, vou embora, tenho que ir, adeus e até ao meu regresso”.

As enrugadas mãos da minha Mãe prenderam-me por uns momentos e, chorando e soluçando, foi dizendo: “Meu querido filho, não consigo fazer nada para te livrar da maldita guerra, não posso ir no teu lugar…”


Foi então que tirou do seu pescoço o seu sagrado terço negro e o colocou no meu pescoço, pedindo-me por favor e do fundo do seu coração para eu o usar diariamente de noite e de dia, nos bons e maus momentos e na guerra; que o usasse até ao momento de eu lhe dar o beijo e abraço no meu regresso com a comissão terminada; para que eu, ao olhar e sentir aquele sagrado terço benzido, me recordasse que nele ia todo o amor que ela tinha pelo seu querido filho, que olhasse para ele e me recordasse da minha querida Mãe.

Tudo isso eu fiz, só o retirava do meu pescoço nas operações feitas pelas matas, para não o perder ao prender-se nas árvores ou no capim, mas, colocando-o no bolso.

Para mim não foi fácil, no decorrer dos meses; ao olhar para o sagrado terço a imagem da minha querida Mãe desapareceu do meu pensamento. Ao escrever-lhe um aerograma pedi para ela me enviar uma foto sua, mas mesmo assim aquela imagem desaparecia.
Foram momentos muito tristes para mim, que recordo agora com os olhos rasos de lágrimas; mas o sagrado terço negro que a minha querida Mãe me colocou ao pescoço naquele dia, guardo-o religiosamente, pendurado na linda bandeira do meu País, por quem um dia jurei derramar o meu sangue até à ultima gota.

Hoje mesmo coloquei aquele sagrado terço no meu pescoço e senti o cheiro do rosto da minha querida Mãe, como o tinha sentido no momento em que mo tinha colocado naquele dia. Também senti o cheiro a sangue, suor e lágrimas derramado na guerra nos Dembos, norte de Angola.

Manuel Kambuta dos Dembos

3 comentários:

Manuel Reis disse...


Muito emocionante o teu texto, que me recorda algo idêntico ocorrido com a minha Avó materna, uns dias antes de partir para a Guiné. Ela acreditava que voltaria e, para me proteger, ofereceu-me um pequeno fio em ouro com uma medalha com a Nossa senhora de Fátima e onde se podia ler " Que Deus te proteja".

A minha Avó, minha amiga, já havia experimentado a tortura da guerra, quando o seu marido, meu Avô, foi mobilizado para a 1ª Guerra Mundial e teve de participar na batalha de La Liz.

Para terminar, Manel, dizer-te que mantenho o fio e a medalha ao meu pescoço, resistindo às opiniões de que o poderia perder, por ser muito fino e se desgastar com o tempo.

Um abraço.

joaquim disse...

Dois belos textos, o do Manuel Lopes e o comentário do Manuel Reis.

A "alma portuguesa" a "falar"!

Abraços

Anónimo disse...

Amigo Manuel Lpoes.
A fé é a última a morrer e a sua mãe acreditava no poder da oração.
Deu-lhe o seu terço com a esperança de que ele o protegeria.
Emocionante o seu testemunho.
Que o terço de sua mãe o acompanhe bem como a nossa bandeira por longo tempo.
Um abraço.
M. Arminda