UM PÉ DE CABRA BEM PESADO...
No início dos anos 60 as gentes da Covilhã
"estremeceram" com um escândalo que ocorreu na Fábrica Alçada, uma
das mais prestigiadas ao tempo.
O responsável directo por este erro nas contas era
pessoa muito conhecida na cidade, não só pelo seu cargo na fábrica de
lanifícios, mas também por estar ligado à direcção de diversas instituições da
Covilhã.
Enquadrada a situação, é tempo de dizer que a
administração da fábrica fez a devida participação ao tribunal e constituiu-se
assistente ao processo, responsabilizando-se pela requisição de um agente da
Polícia Judiciária de Coimbra.
A deslocação de um agente custava na altura uma
pequena fortuna e "obrigava" à sua presença no local do crime por um
período mínimo de 20 dias. Uma eventual prorrogação deste prazo obrigava ao
pagamento de novas despesas.
Foi portanto já com o processo em fase de instrução preparatória
que conheci o Agente Pimentel. Era um homem entroncado, de cerca de 40 anos de
idade, que tinha já alguns anos de experiência na PJ.
Confesso que fiquei fascinado
pela sua personalidade. Depois das horas de expediente conversávamos longas
horas pois, ao fim e ao cabo, éramos os dois "gente de fora" em
relação à Covilhã.
Era um homem duro que não tinha
contemplações com a ladroagem. Tinha uma arma distribuída – um revólver de que
já não recordo o calibre - e dizia-me vezes sem conta que se encontrasse um
assaltante dentro de sua casa não hesitaria em mandar-lhe um balázio.
Resolveu com rapidez o caso do fioco
e passava algum do seu tempo livre junto dos funcionários novatos de Instrução
Preparatória. Sempre com delicadeza, chamava-me por vezes a atenção para algumas
das ingenuidades que eu cometia no interrogatório de arguidos mais
"instruídos" na má vida.
Causou um certo “bruá” na cidade
um assalto nocturno a um estabelecimento no centro da Covilhã, com arrombamento
de portas e furto avultado de muitos bens.
As autoridades locais, graças ao
testamento de alguns vizinhos, souberam que os assaltantes eram vários e que as
portas tinham sido arrombadas com a utilização de pés de cabra.
Abreviando a história, poucos
dias depois a GNR local descobriu e prendeu a quadrilha, que era composta por
três indivíduos. Quando os vi em tribunal e li os seus cadastros percebi que
precisava mesmo de ajuda do meu amigo de fresca data da PJ.
E assim foi. O Agente Pimentel
ficou por perto dos meus mal encarados “fregueses” que, com muitos anos de
passagem pelos tribunais, respondiam com extremo à-vontade às perguntas que eu
lhes ia formulando.
Não tinham feito nada, segundo
eles, e a sua prisão resultava de um mau trabalho das autoridades que os
perseguiam devido à sua má fama no meio...
Cabe aqui dizer que este assalto
de que eram acusados lhes poderia valer pena maior - uns quatro ou cinco anos
de prisão - dado o seu passado nada abonatório, que constava dos seus registos
criminais.
«Posso interromper-te, jovem?»
perguntou-me o agente Pimentel.
«Força amigo», respondi.
Nas salas onde decorria o
interrogarório estavam no chão dois ou três pés de cabra, que tinham sido
apreendidos pela GNR.
O agente Pimentel pegou no maior
e, obviamente o mais pesado, e disse ao arguido nessa altura presente no
interrogatório: «Estende os braços e pega neste
pé de cabra».
O meu “cliente”, embora não
percebendo o sentido da ordem, não deixou de a cumprir. Pegou no pé de cabra
com as mãos, e na posição de pé e com os braços estendidos, ouviu a ordem
seguinte:
«Agora vais estar nessa posição,
sem te mexeres, até te lembrares se, pelo peso, esse pé de cabra é teu. E se
baixares os braços, sem ser à minha ordem, acredita que te vais dar mal!».
O mal encarado arguido aguentou
alguns minutos e, a certa altura, começou a tremer que nem varas verdes.
Depois de um silêncio que durou
alguns minutos “recordou-se” mesmo: «Este pé de cabra é meu!». E seguidamente
contou tudo em relação ao assalto.
O processo seguiu para julgamento
e a quadrilha foi mesmo condenada a pena maior. Iriam mesmo passar alguns anos
de vida sem pegar em pés de cabra...
Nunca mais esqueci esta cena e o
meu ídolo dos anos 60, o agente Pimentel, da Polícia Judiciária de Coimbra.
E já lá vão mais de cinquenta anos!
JERO
2 comentários:
Engraçada estória, mas se hoje o agente Pimentel em pleno tribunal tomasse idêntica atitude, se calhar ainda sofria algum processo disciplinar!..
O comentário apropriado em relação à história parece ser: "quem sabe, sabe"!
Quanto à opinião do comentário anterior, tudo indica que isso podia acontecer....
Hélder Sosua
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