segunda-feira, 15 de junho de 2015

P668: JERO - CRÓNICAS DOS TRIBUNAIS / 8

              UM PÉ DE CABRA BEM PESADO...

No início dos anos 60 as gentes da Covilhã "estremeceram" com um escândalo que ocorreu na Fábrica Alçada, uma das mais prestigiadas ao tempo. 

Uma alteração de administração obrigou a uma auditoria que descobriu uma "bronca" nas finanças da Europa de cerca de 20 mil contos - muito dinheiro para a época - devido à saída pela "porta errada" de muitas camionetas de fioco ao longo de vários anos. Cabe aqui dizer que “fioco” é um desperdício da produção inicial de tecidos, mas que tem valor comercial.

O responsável directo por este erro nas contas era pessoa muito conhecida na cidade, não só pelo seu cargo na fábrica de lanifícios, mas também por estar ligado à direcção de diversas instituições da Covilhã.

Enquadrada a situação, é tempo de dizer que a administração da fábrica fez a devida participação ao tribunal e constituiu-se assistente ao processo, responsabilizando-se pela requisição de um agente da Polícia Judiciária de Coimbra.   

A deslocação de um agente custava na altura uma pequena fortuna e "obrigava" à sua presença no local do crime por um período mínimo de 20 dias. Uma eventual prorrogação deste prazo obrigava ao pagamento de novas despesas.

Foi portanto já com o processo em fase de instrução preparatória que conheci o Agente Pimentel. Era um homem entroncado, de cerca de 40 anos de idade, que tinha já alguns anos de experiência na PJ.

Confesso que fiquei fascinado pela sua personalidade. Depois das horas de expediente conversávamos longas horas pois, ao fim e ao cabo, éramos os dois "gente de fora" em relação à Covilhã.

Era um homem duro que não tinha contemplações com a ladroagem. Tinha uma arma distribuída – um revólver de que já não recordo o calibre - e dizia-me vezes sem conta que se encontrasse um assaltante dentro de sua casa não hesitaria em mandar-lhe um balázio.

Resolveu com rapidez o caso do fioco e passava algum do seu tempo livre junto dos funcionários novatos de Instrução Preparatória. Sempre com delicadeza, chamava-me por vezes a atenção para algumas das ingenuidades que eu cometia no interrogatório de arguidos mais "instruídos" na má vida.

Causou um certo “bruá” na cidade um assalto nocturno a um estabelecimento no centro da Covilhã, com arrombamento de portas e furto avultado de muitos bens.

As autoridades locais, graças ao testamento de alguns vizinhos, souberam que os assaltantes eram vários e que as portas tinham sido arrombadas com a utilização de pés de cabra.

Abreviando a história, poucos dias depois a GNR local descobriu e prendeu a quadrilha, que era composta por três indivíduos. Quando os vi em tribunal e li os seus cadastros percebi que precisava mesmo de ajuda do meu amigo de fresca data da PJ.

E assim foi. O Agente Pimentel ficou por perto dos meus mal encarados “fregueses” que, com muitos anos de passagem pelos tribunais, respondiam com extremo à-vontade às perguntas que eu lhes ia formulando.

Não tinham feito nada, segundo eles, e a sua prisão resultava de um mau trabalho das autoridades que os perseguiam devido à sua má fama no meio...

Cabe aqui dizer que este assalto de que eram acusados lhes poderia valer pena maior - uns quatro ou cinco anos de prisão - dado o seu passado nada abonatório, que constava dos seus registos criminais.

«Posso interromper-te, jovem?» perguntou-me o agente Pimentel.
«Força amigo», respondi.

Nas salas onde decorria o interrogarório estavam no chão dois ou três pés de cabra, que tinham sido apreendidos pela GNR.

O agente Pimentel pegou no maior e, obviamente o mais pesado, e disse ao arguido nessa altura presente no interrogatório: «Estende os braços e pega neste pé de cabra».

O meu “cliente”, embora não percebendo o sentido da ordem, não deixou de a cumprir. Pegou no pé de cabra com as mãos, e na posição de pé e com os braços estendidos, ouviu a ordem seguinte:

«Agora vais estar nessa posição, sem te mexeres, até te lembrares se, pelo peso, esse pé de cabra é teu. E se baixares os braços, sem ser à minha ordem, acredita que te vais dar mal!».

O mal encarado arguido aguentou alguns minutos e, a certa altura, começou a tremer que nem varas verdes.

Depois de um silêncio que durou alguns minutos “recordou-se” mesmo: «Este pé de cabra é meu!». E seguidamente contou tudo em relação ao assalto.

O processo seguiu para julgamento e a quadrilha foi mesmo condenada a pena maior. Iriam mesmo passar alguns anos de vida sem pegar em pés de cabra...

Nunca mais esqueci esta cena e o meu ídolo dos anos 60, o agente Pimentel, da Polícia Judiciária de Coimbra.

E já lá vão mais de cinquenta anos!

JERO     



2 comentários:

Anónimo disse...

Engraçada estória, mas se hoje o agente Pimentel em pleno tribunal tomasse idêntica atitude, se calhar ainda sofria algum processo disciplinar!..

Hélder Valério disse...

O comentário apropriado em relação à história parece ser: "quem sabe, sabe"!

Quanto à opinião do comentário anterior, tudo indica que isso podia acontecer....

Hélder Sosua