As trocas de correspondência com o
nosso “correspondente” na Lapónia – José Belo – já transformadas em postes
recentemente publicados neste blogue, têm-nos proporcionado um maior
conhecimento da realidade daquela região. Vem esta conversa a propósito de uma
pergunta que lhe fizemos há pouco tempo sobre o consumo de leite pelos
habitantes da região, nomeadamente o leite de rena, o que proporcionou uma
resposta que, pela sua extensão, justifica a sua divisão em dois postes. Assim,
vamos hoje saber a resposta à pergunta que tínhamos formulado sobre o consumo
de leite, deixando para próxima edição a descrição pormenorizada que este nosso
camarigo faz da rena, pelos vistos um
animal que é pau para toda a obra…
FALANDO DE LATICÍNIOS
NA LAPÓNIA
Na
alimentação escandinava o leite, queijo, manteiga, iogurte e todos os possíveis
derivados têm uma posição muito importante com base numa enorme criação de gado
vacum que, tanto no caso sueco como norueguês, é efectuada nas metades sul dos
respectivos países.
Até à segunda guerra mundial o isolamento da Lapónia era quase total. A
alimentação dos lapões baseava-se até então exclusivamente nos recursos locais.
O leite de rena é pobre em lactose (2,4%) o que é cerca de 1/3 da lactose
contida no leite humano, e metade da existente no leite de vaca. Tem no entanto
22% mais de gordura que o leite de vaca.
O problema é que cada rena produz cerca de um decilitro de leite por mugidela/dia
enquanto uma cabra produz cerca de um litro de leite por mugidela/dia.
Tendo em conta estas quantidades vinha-se a entrar em conflito com as
necessidades das crias das renas na Primavera e Verão.
Os lapões até 1965 utilizavam uma raça de cabras de pelo longo, que estava
bem adaptada ás condições locais, para o consumo de leite e queijos. Estas
cabras acompanhavam as famílias quando das deslocações das manadas de renas.
Das cabras os lapões usavam o leite, as peles e os cornos (para guardar
pólvora), mas não consumiam a sua carne, que davam aos cães.
É claro que estas cabras, apesar de resistentes e de boa pelagem, não
aguentavam os Invernos locais. Chegado esse período do ano as cabras eram
colocadas em aldeias de lapões sedentários, ou em casas de suecos com quem os
lapões tinham contactos durante as suas deslocações com as manadas. Isto, em
troca de um pagamento efectuado pelos donos das cabras em peles e carne de
rena.
O leite de rena é hoje usado localmente como tempero adicional para molhos.
Tem um sabor agradável a ervas e bagas, o que o torna muito apreciado nos
hotéis e restaurantes turísticos quando servido com carnes, tanto de rena, de
alce ou perdiz da neve.
O governo central sueco só permitia um número máximo de cinco (!) cabras por família, mais numa demonstração do poder "colonial" do que de preocupações ambientais, inexistentes naquelas épocas.
Hoje as realidades locais são outras. Mas até 1968 (!!!) era uma outra história, e isto com o detalhe escandaloso
de então a Suécia ser quem mais activamente trabalhava nas Nações Unidas e
outras instituições internacionais contra as injustiças sobre os povos do
terceiro mundo.
Sei bastante - e de forma detalhada - de tudo o que com esta região está
ligado, tanto historicamente, como culturalmente, e não menos nas suas ligações
jurídicas com os poderes centrais em Estocolmo, Oslo, Helsínquia e Moscovo. Os
paralelos com a nossa administração colonial - ou com o que se passou nos
Estados Unidos ou Brasil em relação aos índios - são inúmeros.
Tive a oportunidade de olhar a situação local dos dois lados da barricada,
o que nem sempre foi fácil.
Como jurista, tive nos tempos livres do meu trabalho nos States, muitas
ocasiões em que pude, a meu modo, contribuir para alguns dos enquadramentos
legais que acabaram por levar a uma modificação da situação escandalosa
anterior.
Muito de concreto poderia escrever sobre isto, por ter vindo a acompanhar
de muito perto as evoluções a níveis jurídicos e constitucionais. Mas vamos ficar por aqui agora...
Um abraço do
José Belo
2 comentários:
Continuam sempre muito interessantes estas "conversas" com o José Belo.
É pena os Lapões não saberem fazer chanfana, porque sempre dariam bom uso à tal carne de cabra!
Grande abraço
Joaquim
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