sexta-feira, 13 de março de 2015

P623: JERO – CRÓNICAS DOS TRIBUNAIS / 5

O PORTUGUÊS É UMA LÍNGUA
MUITO TRAIÇOEIRA...
Voltamos ao Litoral Oeste e a uma história que não se passou no meu tempo de funcionário dos tribunais, mas de que tenho fontes credíveis em relação à veracidade dos factos que irei a seguir relatar.

Na década de 70 a Nazaré ainda pertencia à comarca de Alcobaça. Aliás, a Nazaré só na década de 90 passou a comarca e a ter o seu Tribunal.

Foi portanto no Tribunal de Alcobaça que teve lugar o julgamento de um caso de namorados desavindos. Filhos de famílias conhecidas “obrigaram” muitos conter-râneos a viajar até Alcobaça, tornando pequena a velha sala de audiências do tribunal no 1.º piso da ala norte do Mosteiro de Alcobaça. Depois de ouvidos queixosa e réu chegou a vez das testemnhas.

- “A senhora jura por Deus ou por sua honra dizer a verdade e só a verdade?”

A esta pergunta do Dr. Juíz a testemunha - nazarena retinta no vestir e na maneira de se expressar – fez uma pequena pausa e respondeu:-
- “Pela minha honra, Sr. Doutor Juíz? Onde já vai a minha honra... Juro por Deus.”

A resposta foi feita com a saborosa e típica pronúncia nazarena, que não é possível aqui reproduzir...

No processo-crime em julgamento a ofendida acusava o réu de a ter forçado a perder a sua virgindade durante um namoro de muitos anos. E agora o rapaz não queria assumir as suas responsabilidades. Casamento nem pensar! Não queria mais nada com a sua antiga namorada. Ponto final.

A testemunha - que tinha jurado por Deus - disse em tribunal que toda a gente da Nazaré sabia do namoro dos dois jovens, que andavam abraçados e aos beijos por todo o lado.

- Mas isso já foi dito, senhora testemunha - interrompeu o Juíz. Não sabe de mais nada relevante para os autos ?

- “Uma vez vi o casal de namorados entrar num canavial lá para os lados do Rio Alcôa”, referiu a testemunha.

- “Está bem - mas viu o que fizeram no tal canavial?”, questinou o juíz.

- “Vi-os entrar e depois deitaram-se no chão”, acrescentou a testemunha.

- “Mas isso tem interesse”, disse o juíz. “E viu o que fizeram enquanto estavam deitados. Viu-os, por acaso, a copular?”

Aqui a testemunha arregalou os olhos e pediu para o juíz repetir a pergunta pois não estava a perceber.

O juíz repetiu: - “Viu os dois, deitados no chão, a copular?”

- “Isso não sei, sr. Doutor Juíz. Vi que os dois estavam no chão mas só o cu do rapaz é que pulava!”

Foi a vez do juíz quase perder a fala e fazer um esforço sério para não se rir.

Dispensada a testemunha o julgamento continuou, sendo certo que a cena do canavial teve importância na decisão final.

O réu foi condenado e já não me recordo se veio a casar ou não. Só a apresentação da certidão de casamento evitava então a passagem pela cadeia, ficando suspensa a pena de prisão por dois anos.

À distância do tempo posso garantir que esta história do "copular" ou do “cu a pular” ainda hoje é recordada em muitos tribunais da região, competindo seriamente com aquela história do Juiz que referiu o “pénis” e que a testemunha confundiu com o “Peres”.
O português é, de facto, uma língua muito traiçoeira!

JERO

3 comentários:

José Eduardo Oliveira disse...

É tão traiçoeira que ninguém comenta...

Joaquim Mexia Alves disse...

Ainda bem que vi o teu comentário, Jero.

Tinha-me passado este texto.

Não só cheio de graça, mas faz perceber como o bom humor português é feito meias palavras, de trocas de palavras, de "dichotes", de subentendidos, e não de ordinarice e "rebaixolice", como hoje alguns, (infelizmente muitos), pretendem.

Obrigado Jero e um abraço

Miguel disse...

Os dois comentários anteriores fizeram-me vir ao terreno. Normalmente não costumo fazer comentários aos textos que edito - eles já estão muitas vezes na introdução ao poste ou na circular que enviamos a dar conta da sua publicação.
No caso presente é justo realçar a qualidade e o humor da escrita, bem "à antiga portuguesa", como comenta o Joaquim Mexia Alves.
Por isso deixo aqui o meu apreço pelo contributo do JERO para o nosso blogue com esta série de pequenas histórias, esperando que outras se sigam a esta.
Um abraço do Miguel Pessoa