O PORTUGUÊS É UMA LÍNGUA
MUITO TRAIÇOEIRA...
Voltamos
ao Litoral Oeste e a uma história que não se passou no meu tempo de funcionário
dos tribunais, mas de que tenho fontes credíveis em relação à veracidade dos
factos que irei a seguir relatar.
Na
década de 70 a Nazaré ainda pertencia à comarca de Alcobaça. Aliás, a Nazaré só
na década de 90 passou a comarca e a ter o seu Tribunal.
Foi
portanto no Tribunal de Alcobaça que teve lugar o julgamento de um caso de
namorados desavindos. Filhos de famílias conhecidas “obrigaram” muitos
conter-râneos a viajar até Alcobaça, tornando pequena a velha sala de audiências
do tribunal no 1.º piso da ala norte do Mosteiro de Alcobaça. Depois de ouvidos
queixosa e réu chegou a vez das testemnhas.
- “A
senhora jura por Deus ou por sua honra dizer a verdade e só a verdade?”
- “Pela
minha honra, Sr. Doutor Juíz? Onde já vai a minha honra... Juro por Deus.”
A
resposta foi feita com a saborosa e típica pronúncia nazarena, que não é
possível aqui reproduzir...
No
processo-crime em julgamento a ofendida acusava o réu de a ter forçado a perder
a sua virgindade durante um namoro de muitos anos. E
agora o rapaz não queria assumir as suas responsabilidades. Casamento nem
pensar! Não queria mais nada com a sua antiga namorada. Ponto final.
A testemunha - que tinha jurado por Deus - disse em tribunal que toda a gente da Nazaré sabia do namoro dos dois jovens, que andavam abraçados e aos beijos por todo o lado.
-
Mas isso já foi dito, senhora testemunha - interrompeu o Juíz. Não sabe de mais
nada relevante para os autos ?
- “Uma
vez vi o casal de namorados entrar num canavial lá para os lados do Rio Alcôa”,
referiu a testemunha.
- “Está
bem - mas viu o que fizeram no tal canavial?”, questinou o juíz.
- “Vi-os
entrar e depois deitaram-se no chão”, acrescentou a testemunha.
- “Mas
isso tem interesse”, disse o juíz. “E viu o que fizeram enquanto estavam
deitados. Viu-os, por acaso, a copular?”
Aqui
a testemunha arregalou os olhos e pediu para o juíz repetir a pergunta pois não
estava a perceber.
O
juíz repetiu: - “Viu os dois, deitados no chão, a copular?”
Foi
a vez do juíz quase perder a fala e fazer um esforço sério para não se rir.
Dispensada
a testemunha o julgamento continuou, sendo certo que a cena do canavial teve
importância na decisão final.
O
réu foi condenado e já não me recordo se veio a casar ou não. Só a apresentação
da certidão de casamento evitava então a passagem pela cadeia, ficando suspensa
a pena de prisão por dois anos.
À
distância do tempo posso garantir que esta história do "copular" ou
do “cu a pular” ainda hoje é recordada em muitos tribunais da região,
competindo seriamente com aquela história do Juiz que referiu o “pénis” e que a
testemunha confundiu com o “Peres”.
O
português é, de facto, uma língua muito traiçoeira!
JERO
3 comentários:
É tão traiçoeira que ninguém comenta...
Ainda bem que vi o teu comentário, Jero.
Tinha-me passado este texto.
Não só cheio de graça, mas faz perceber como o bom humor português é feito meias palavras, de trocas de palavras, de "dichotes", de subentendidos, e não de ordinarice e "rebaixolice", como hoje alguns, (infelizmente muitos), pretendem.
Obrigado Jero e um abraço
Os dois comentários anteriores fizeram-me vir ao terreno. Normalmente não costumo fazer comentários aos textos que edito - eles já estão muitas vezes na introdução ao poste ou na circular que enviamos a dar conta da sua publicação.
No caso presente é justo realçar a qualidade e o humor da escrita, bem "à antiga portuguesa", como comenta o Joaquim Mexia Alves.
Por isso deixo aqui o meu apreço pelo contributo do JERO para o nosso blogue com esta série de pequenas histórias, esperando que outras se sigam a esta.
Um abraço do Miguel Pessoa
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