segunda-feira, 10 de novembro de 2014

P567: HOMENAGEM A UM CAMARADA QUE PARTIU

Texto da autoria do nosso camarada António Martins de Matos, TGen Pilav Ref (ex-Tenente Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 9 de Outubro de 2014, publicado no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" e por nós aqui reproduzido, com a devida vénia ao António Matos e à Tabanca Grande.


Caros amigos

Ainda há poucos dias nos despedimos do “Blé” (Cororonel Bessa Azevedo, piloto de Fiat na Guiné em 1973) e já outro amigo nos deixou, o Carrondo Leitão, piloto de helicópteros na Guiné entre 71 e 73.
Das muitas outras“ estórias” em que foi o protagonista destaco a seguinte:

Guiné, dia 4 Outubro 73, uma parelha de Fiat-G-91 sai às 6 da manhã para dar apoio algures, o meu avião é o 5409, ao entrar na aeronave o mecânico diz-me que o painel das metralhadoras não inspira confiança, está rachado.
Sendo as metralhadoras completamente inúteis, já que qualquer árvore ou monte de baga-baga é protecção mais que eficaz contra as balas 12.7, ainda por cima o painel com rachas, …, chegando ao local do pedido de apoio de fogo apenas largo as bombas.

Às 6:50 estou de regresso a Bissau, a partir desse momento fico em funções de “alerta”.

Pelas 9 horas sai uma nova parelha de aviões numa missão planeada, vai fazer um ataque na zona do Tancroal, um pouco a norte do Olossato, os pilotos são o Coronel Comandante da Zona Aérea e o Capitão Roxo da Cruz.

Às 9:30 soa a sirene de “Alerta aos Fiats”, não espero pelo outro piloto de alerta, rapidamente entro num dos G-91 que se encontra na placa e descolo, no rádio dizem-me para me dirigir ao Tancroal, um piloto de Fiat-G91 ter-se-à ejectado.

Chegado à área vejo um dos G-91 da parelha a circular e, no chão, os destroços de uma aeronave, o Cap. Cruz tinha-se ejectado. Por falta de combustível o avião da parelha acidentada acaba por abandonar o local, fico sozinho a circular na zona, esperando ver algum “flare” que indique a posição do piloto e algum helicóptero que o possa recuperar.

Ao fim de alguns minutos ouço no rádio que dois ALIII estão em aproximação, um de transporte pilotado por um “periquito” e um heli-canhão com o Carrondo Leitão aos comandos.
Vou-lhes dando as indicações necessárias para se dirigirem ao local, ao chegarem dizem-me que avistam os destroços, logo depois o paraquedas do piloto, passados alguns momentos e lá no meio do arvoredo, avistam o Cap. Cruz.

A partir desse momento o Carrondo Leitão toma conta das operações, fica a circular com o heli-canhão enquanto o “periquito” vai descer e recuperar o piloto, só que…. o local é um buraco entre árvores, de muito difícil acesso. Decisão rápida, trocam-se as posições, o heli de transporte finge ser o canhão e fica a circular, enquanto o outro passa a fazer de transporte e desce ao buraco.

A descida até foi bem, o atirador lá foi buscar o Cap. Cruz, vinha combalido mas inteiro. O problema foi a saída, ao aplicarem motor para tentar sair do buraco, com a deslocação de ar provocada pelo rotor, as copas das árvores fechavam-se, tornando o espaço de pequeno a diminuto. E foi assim que o “periquito”, a circular por cima da clareira acabou por ter um papel decisivo, ao dar indicações ao Carrondo Leitão:
- “Dois metros para a esquerda! Alto! Um metro para trás, agora para a direita!! Pára, mais um metro para a esquerda, ……!!!.”

Esta conversação terá durado não mais que um minuto mas, para mim, foi como se levasse horas, finalmente lá saíram do buraco e puderam rumar a Bissau.

Para terminar a “estória”… O avião do Cap. Cruz era o mesmo 5409 do painel rachado, quando resolveu imitar o número 1 da formação e utilizar as metralhadoras, logo o painel saltou, tornando o avião incontrolável. Mais tarde alguém no topo da hierarquia tentou fazer crer que teria havido uma sabotagem, chegando mesmo ao desplante de acusar os mecânicos, nada mais estúpido e que nos deixou a todos deveras envergonhados, se havia gente leal, cumpridora e acima de qualquer suspeita eram aqueles homens que nos preparavam as aeronaves.
Uma verificação posterior concluiu haver outras aeronaves nas mesmas más condições, painéis rachados e canos das armas em péssimo estado! Não foi nenhuma novidade, estávamos fartos de ver e saber que havia quem, em vez de efectuar rajadas de 4 segundos como vinha no manual, gastasse todas as 800 munições num só passe de metralhadoras…..
Por isso os painéis rachavam!!!

António Martins de Matos
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3 comentários:

Hélder Valério disse...

Caros amigos

António Martins de Matos contempla-nos, de uma virada, com; a informação de mais um 'camarada da Guiné' que partiu para sua última morada entre nós; com uma homenagem feita a esse camarada, bem à moda do AMMatos, preferindo dar-nos uma bem disposta 'última imagem' desse amigo; com um surpreendente relato do típico «desenrascanço tuga» demonstrando, mais uma vez, que as capacidades de superar situações adversas eram muito para lá do que se poderia supor; com uma (mais uma) demonstração de como os "superiores" pretendiam 'resolver' problemas, enjeitando responsabilidades e, quantas vezes 'atirando' para cima de outros, com menor capacidade de defesa, as suas próprias responsabilidades.

Enfim, o meu muito obrigado ao AMMatos pelas informações e pela envolvente homenagem ao 'nosso Homem' da FAP.

Hélder Sousa2776

Carlos Pinheiro disse...

Este poste é extremamente oportuno. O Cor.Pil.Av. na Reforma, António Manuel Carrondo Leitão, foi ontem, dia 0911.14, a enterrar no cemitério de Torres Novas. Teve honras militares prestadas por uma secção da BA5 comandada por um Alferes. Foi um homem bom em toda a sua vida. Estivemos na mesma altura na Guiné mas não nos conhecíamos e não nos cruzámos como me cruzei e convivi muitas vezes com o Fur.Pil.Av. Galinha que também era, e é, aqui de Torres Novas. Este relato impressionou-me e acabou por mostrar muitos dos "milagres" que os homens da FAP fizeram por todos os combatentes. O que é que posso dizer mais? Obrigado Leitão. Paz á tua alma. Carlos Pinheiro

Anónimo disse...

Não conheci o Cor.Pil.Av. Carrondo Leitão, mas pela "estória", que aqui nos transmitiu o amigo AAMMatos,ficamos a saber de mais uma proeza, das muitas que o pessoal navegante da nossa FAP,( em especial os seus pilotos), tiveram que executar, para levar a cabo algumas "missões impossíveis", para bem de outros e que deles necessitaram. Bonita descrição para homenagear mais um camarada que partiu. Paz à sua alma e bem haja amigo Matos, pela lembrança.Um abraço. Mª Arminda