sexta-feira, 21 de novembro de 2014

P572: CARTAS DO JOSÉ BELO

UMA PERSPECTIVA ABRANGENTE?...

Introdução

Viver-se dentro do Círculo Polar Árctico a 279 quilómetros da casa mais próxima, muitas vezes com temperaturas de 40 graus negativos, nevões infindáveis, e demasiada falta de luz envolvente, não torna a tão saudável passeata diária até á porta do vizinho para dois dedos de conversa mole algo de facilmente realizável.

É então que o computador surge como a máquina "milagrosa" que aparenta ser.
Em curtos segundos está-se na quente e fraternal Lusitânia (para os mais cínicos, talvez mais quente e fraternal quanto maior a distância com que é observada) em diálogos de "vida ou de morte" com Camaradas e Amigos totalmente desconhecidos, não fora o termos em comum a "bagatela" da guerra na Guiné.

Na busca de comunicação, contacto, camaradagem, memórias comuns, amizades, humor e, não menos, tudo o que de culturalmente nos UNE, haverá por vezes exageros de entusiasmo participativo.

Explicáveis, mas e de qualquer modo... exageros.

É então demasiadamente fácil cair-se na busca do tal "diálogo provocador" ou, como tão bem descreveu Alberto Branquinho, conversas com o umbigo.

É nestas alturas que, felizmente, uma certa humildade Cristã bate à porta... mesmo para não Cristãos como eu!

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Muitos julgam ter uma perspectiva abrangente das realidades nas ex-colónias portuguesas pelo facto de terem cumprido uma Comissão de Serviço algures no Império, olhando em redor com os olhos dos "verdes" vinte anos, feitos de experiencias muito distintas das militares ou africanas.

Os que viveram em isolados Destacamentos de Tabancas perdidas na mata em convivência próxima com africanos, civis e militares ficaram com uma percepção de, a seu modo, terem entreaberto uma pequena janela para com um outro... mundo.

Mas, mesmo assim, uma janela menos genuína por condicionada pelas realidades da guerra envolvente.

Para muitos, integrados em Unidades Militares formadas de metropolitanos, com uma vida diária em conjunto (tanto em serviço como nos tempos livres) as possibilidades dessa "pequena janela aberta para com a África profunda" seriam ainda mais restritas... mesmo que para alguns estas realidades, por circunstâncias várias, não terem sido tão lineares.

Soma-se o facto de as nossas passagens por África, apesar de aparentemente infindáveis (!), terem sido curtas para nos permitir, dentro das limitações existentes, a tal visão abrangente.

Militares houve, com numerosas Comissões de Serviço  mas, não seriam muitos os que "procuravam olhar analiticamente em volta" fora das áreas exclusivamente profissionais.
Obviamente, no meio político existente tal não seria aconselhável para carreiras futuras.

Muitos de nós que, com orgulho e respeito diariamente hasteávamos a Bandeira Nacional nos tais Destacamentos, sentem hoje a forte necessidade de aprofundar conhecimentos quanto às realidades coloniais nos seus detalhes sócio-administrativos.

É por isso que os documentos e memórias vividas dos períodos antecedentes (e posteriores) à guerra se tornam tão importantes, não se devendo deixar perder as oportunidades que ainda hoje nos são dadas pelos relatos dos ex-colonos, dos Administrativos, dos residentes em geral.

Será dentro deste somatório factual, que as décadas vão inexoravelmente purificando dos "acessórios da pequena política", que poderemos (talvez) vir a compreender qual o papel por nós verdadeiramente desempenhado em tão importante momento da nossa História.

Um abraço do
José Belo


5 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Gostei de te ler meu amigo e colega de colégio José Belo.

E percebo-te.

Durante muito tempo recebia inúmeras listas de livros levadas a leilão por alfarrabistas, ("herança" de meu pai, pois vinham em nome dele), e tudo o que dizia respeito à Guiné, comprava.

Havia livros sem grande interesse, mas havia muitos, edições antigas, talvez esgotadas, que eu tinha e muito apreciava.

Infelizmente nas inundações das termas em Março deste ano, foram levados pelas "águas de Março"!

http://youtu.be/Qle1OrunKnE

Grande abraço do
Joaquim

Joaquim Mexia Alves disse...

Por acaso lembrei-me agora que as inundações nas termas foram em Fevereiro, mas fica a intenção, porque a canção brasileira é tão espectacular que merece ser ouvida.

Abraços
Joaquim

JD disse...

Caros amigos,
Partilho desta observação africana exposta pelo Zé Belo. De facto, ninguém pode adoptar correctamente e quase à velocidade de um click,uma concepção interpretativa e definitiva sobre uma região, que englobe povos (as raças), modelos políticos, económicos e sociais; características de relevo, orografia, clima, fauna, flora, e outras matérias primas que condicionam os modelos de vida locais. A velocidade de um click corresponderá aos meses de quem serviu na tropa durante dois anos, manifestamente escassos, principalmente se não tiver procurado desenvolver os conhecimentos em outras vertentes das comunidades ultramarinas a partir de experiências ou outros modos de informação.
Como o pai do Joaquim, também frequento alguns leilões e alfarrabistas, onde, quando os preços são sensatos, tento adquirir exemplares sobre o meu tema preferido, a África, desde as viagens pioneiras do sec. XIX até à actualidade,
E garanto-vos que é cara a maioria dos exemplares mais procurados. A feira da Ladra, em algumas circunstâncias, pode ser um bom local de aquisição, mas é precisa muita sorte.
Abraços fraternos
JD

Hélder Valério disse...

Pois sim senhor, meus amigos.

Estas reflexões e análises do Zé Belo são. de facto, muito acertadas e correspondem à realidade, mesmo que não nos apercebamos disso.

O que é 'conhecer', afinal?
Dum modo geral 'conheceu-se' o que esteve ao alcance das nossas vistas mas, mesmo assim, seria necessário olhar com olhos de ver. Foi tudo muito parcial e quantos se preocuparam em 'aprender'?

Mas o que se tem vindo a fazer é saudável e útil. Não tanto pelo ditado de que "recordar é viver" mas principalmente porque nos leva a reflectir e a perceber melhor as coisas.

hélder Sousa

Anónimo disse...

Excelente testemunho.Que faz pensar. Sinceramente tenho dias que me apetece "fugir" do passado.N'outros volto atrás...Obrigado José Belo. Até sempre. JERO