quarta-feira, 3 de setembro de 2014

P533: UMA QUESTÃO DE CONTAS...


Fomos descobrir este "mimo" do nosso camarigo Manuel Maia no blogue do nosso JERO, e não resistimos a trazê-lo ao vosso conhecimento (com a devida vénia aos dois, claro...)

Esta história verídica teve como protagonista um indivíduo algo ingénuo do interior norte (profundo) que evidenciava, nitidamente, um claro deficit de neurónios e que por isso mesmo nunca deveria ter sido sujeito a situações como as da vivência de uma guerra...

Teríamos uns 13, 14 meses de presença sofrida mas também pejada de situações roçando o estatuto de hilariantes e simultaneamente tristes como esta que ora vos conto...
Determinado soldado, casado, recebeu uma carta de casa onde o informavam de que iria ser pai...
Irradiando uma satisfação do tamanho do mundo, o soldado em questão, sorriso rasgado de orelha a orelha, mostrou a missiva a um dos seus amigos mais chegados...
 

 -Vês, pá... Vou ser pai!

Só peço a Deus que me deixe chegar são e salvo à terra p'ra conhecer o meu filho que está para chegar...



-Como ?

Olha lá, pá, retorquiu-lhe o amigo... Com quantos meses de gravidez está a tua mulher ?
-Sei lá !
Falando para os seus botões, o amigo murmurava...
-Como hei-de dizer a este pobre, a este caramelo, que o filho não é dele?
- Tu sabes há quantos meses estamos na guiné ?
-Isso sei !
"Cheguemos" no dia de santo antónio... Depois disso já beio o natal e outro santo antónio... Ora deixa cá ver, são...
-São mais de treze meses, pá...
Então como é que é possível essa gravidez vir de ti...
Sabes quantos meses tem ela de barriga?
Tu não vês que a gravidez demora apenas nove meses e tu já cá estás vai para catorze sem ir a casa ...
-Sei lá! Eu disso de meses num percebo nada !
-Olha que essa mulher não serve p'ra ti, pá...

-Num serbe proquê ?

-Se ela gostasse de ti não te tinha feito o que fez...

-Que é que ela fez? Ela fez, ela fez... Quem fez foi a irmã dela...

-A irmã dela? A tua cunhada? Já não estou a perceber nada...
Foi assim: eu andava enrabiscado com a irmã dela, mas a gaja meteu-se com um tipo lá da terra... Quando fui no domingo de páscoa a namorar, ela tinha fugido c'o tal gajo...
- E quem foi que te contou?
- Foi a que agora é minha mulher...
Disse-me : olha, a minha irmã, pôs-tos...
-Ela quê ? Ela quê ?

-Deixa lá rapaz, deixa lá que tu não merecias isso... Se tu quiseres posso fazer as vezes dela...

-Se ela quis ir embora, pois boa biaje...

"Comecemos" a namoriscar os dois ambos e "casemos" quinze dias antes de eu bir p'ra cá...




Foi assim a modos que uma bingança contra a irmã. Casei-me cum esta que é mais belha ...
-Que idade tem ela?
Num sei bem mas tem uns trinta e tal...

Mas num fiquei a perder pois tem carta de tractor...



Manuel Maia

3 comentários:

Hélder Valério disse...

Muito bem.

Aqui está um bom exemplo da famosa "teoria do compensa"....

"O coxo tem uma perna curta, mas em compensação tem a outra mais comprida... compensa!", por exemplo.

No caso vertente, a criança não irá nascer fruto duma relação 'normal', é certo, mas, em compensação, o protagonista da história poupou-se de trabalhos e, como diz, ainda por cima 'ganhou' uma tractorista...

É a vida!

Abraço
Hélder Sousa

Carlos Pinheiro disse...

Parece engraçada história, mas a mesma demonstra bem a cultura, o saber e a experiência de vida de muitos camaradas nossos que deram o corpo ao manifesto. Era a cultura de um povo. Infelizmente conheci muitos, lá e cá, que não sabiam ler nem escrever quanto mais fazer contas. Agora é diferente, muitos continuam a não saber fazer contas mas sabem, mais ou menos, trabalhar com as máquinas de calcular. A história pode parecer engraçada, mas é triste. Mas acho muito bem que a mesma tivesse sido contada para recordar às nossas memórias a vida do povo daquele tempo.

Anónimo disse...

Até podia ser anedota de alguém bem intencionado, mas na realidade, havia alguns que não sabiam fazer contas!.. Hoje sabem fazer contas até em demasia!.. Apesar da tristeza já passada, foi bom trazer ao nosso conhecimento esta história, que serve de termo de comparação com a vivencia dos dias de hoje. Um abraço ao Manuel Maia e respetivo interlocutor, o MP. Mª Arminda