domingo, 11 de maio de 2014

P488: UM POEMA DO JOAQUIM MEXIA ALVES



TEMPO DE VIVER

Corre-me o tempo
por entre os dedos da mão.
Solta-se-me a vida,
num sopro,
num suspiro do coração.
Faz-se-me pensamento,
uma qualquer louca ideia,
trazida por um qualquer vento.
Abre-se-me o sorriso,
talhado por machada aguçada,
sobre os meus lábios fechados.

                                                                 Encontra-me a paz,
          num perfeito,
          e prolongado abraço,
          porque já pude escrever,
          o que me foi no coração,
          em noites de não saber,
          se me feria o bruto aço,
          de recordação magoada,
          ou a memória esquecida,
          do que não queria esquecer.

Mas será que perceberam,
que eu já andei perdido,
à procura do meu nada,
em noites de terrível insónia,
a suar o já suado
medo que me atormentava,
num tão recente passado,
feito de longas esperas,
atrás de árvores deitado,
de alguém que por ali passasse
apenas para ser “acabado”?

Mas será que entenderam,
as horas amargas passadas,
em matas que não conhecia,
e que nada tinham a ver,
com o Pinhal de Leiria?

     Mas será que compreenderam
     que coisa medonha é a guerra,
     que se agarra ao nosso ser,
     toma-nos conta da vida,
     faz parte do nosso dormir,
     chora-nos quando acordados,
     e persegue-nos para sempre,
     até nos darmos à terra?

Eu sei que é muito difícil
a quem não viveu assim,
perceber o medo entranhado,
vencido pela coragem,
que mais parece loucura,
do que atitude segura,
que nos imprime uma marca,
tão invisível,
mas presente,
que faz os outros pensarem
o que fez tão louca,
esta gente!

                                                                                   Que linguagem é esta,
                                                                                   que brota dos nossos lábios,
                                                                                   incompreensível aos outros.
     As palavras são as mesmas,
     mas têm um significado
     que só nós podemos entender.
     E por vezes,
     oh, coisa estranha,
     vem misturadas com outras,
     palavras “arremedadas”,
     dum português africano,
     precisas para perceber,
     aqueles que connosco estiveram,
                                                                                   lá longe, tão longe,
                                                                                   que já não os podemos ver.

Tens que te adaptar,
força-me a vida,
julgando ser fácil esquecer,
aquilo que não quero lembrar.
Ou talvez queira,
sei lá eu bem,
nesta vida em turbilhão,
em que não me reconheço,
perdido na multidão.

     Fecho as mãos,
     fecho os dedos,
     com força,
     até doer,
     para que o tempo não escape,
     ao tempo que ainda tenho,
     e que tenho de viver,
     pelo menos numa homenagem,
     àqueles que “vi” morrer.


Joaquim Mexia Alves

Monte Real, 2 de Agosto de 2010





4 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Parabéns. Gostei e aprtilhei. Um abraço.
Carlos PInheiro

Hélder Valério disse...

Caro Joaquim

Apesar de "datado" (2 de Agosto de 2010) não perde a sua força.
Gostei.
Gostei da totalidade mas principalmente daquela parte que dizes "eu sei que é muito difícil a quem não viveu assim, perceber o medo entranhado, vencido pela coragem....".

Abraço
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Amigo Joaquim.
Estão maravilhosos. Realmente quem por lá andou, como vós é que poderá sentir o que cada verso transmite. Eu estando numa situação diferente da vossa também vos entendo!.. Um abraço.
Mª Arminda

manuel maia disse...

OLÁ JOAQUIM,


Obrigado por estas palavras sentidas em forma de belo poema...
Chorei,p`ra quê ignorá-lo, chorei comovido ao lê-las...

..."mas será que compreederam que coisa medonha é a guerra,//que se agarra ao nosso ser,//toma-nos conta da vida //faz parte do nosso dormir,//
chora-nos quando acordados// e persegue-nos para sempre, // até nos darmos à terra?

Obrigado,Joaquim!