domingo, 4 de maio de 2014

P482: O ZÉ BELO REPETE A DOSE...

Mais uma história da Guiné relatada pelo José Belo. Esperamos que o fornecimento continue...
Os Editores



GAROTADAS CRIMINOSAS…
MAS QUE SOUBERAM BEM!

Na tentativa de aliviar o crescente estrangulamento que o inimigo ia exercendo sobre a guarnição de Gandembel, foi decidido o desenrolar de algumas espectaculares operações das tropas pára-quedistas.

Os guerrilheiros foram apanhados em total surpresa.
Obtiveram-se avultados êxitos, tanto em material capturado como em acampamentos destruídos, assim como elevado número de baixas causadas.
Houve então um período de curtas semanas em que a área acalmou.

A ocasião e o facto de as tropas pára-quedistas continuarem estacionadas na zona foram aproveitados para inesperada visita à mesma por parte do  Comandante da Região Aérea Guiné-Cabo Verde (ou um outro senhor Oficial General da Força Aérea, pois confesso que passados tantos anos não recordo o detalhe exacto).
Era no entanto visita a ser explorada como demonstração  do controlo da zona por parte das nossas  tropas.
O Sr. Brigadeiro desembarcou de um helicóptero em Aldeia Formosa, seguindo em coluna auto para Gandembel, umas dezenas de quilómetros a Sul.

Duas Companhias de Atiradores, uma Companhia de Pára-quedistas e uma Companhia de Milícia Nativa foram utilizadas na escolta e cobertura desta coluna.
Dos Destacamentos que se situavam entre Aldeia Formosa e Gandembel - Mampatá e Chamarra - também foram destacadas forças para montarem emboscadas de protecção ao itinerário.
Como seria de esperar, o apoio aéreo foi abundante e variado.
A coluna não foi atacada, apesar de terem sido levantadas dezenas de minas e armadilhas.

Num dos Destacamentos isolados, um Alferes e um Furriel, sentados sob frondoso mangueiro, olhavam num misto de ironia e incredibilidade todo o circo aéreo que se verificava já há longas horas.

"Isto parece a Feira Popular!", disse um deles.
"Não vamos perder esta oportunidade única de cumprimentar o Nosso Brigadeiro!".
Dirigiram-se para o Jeep e arrancaram pela picada em direcção a Gandembel.
O que conduzia seguia desarmado, o outro empunhava impressionante machado Fula, dos utilizados em cerimónias de "ronco".
Ao chegarem à zona da última emboscada de segurança montada pelas forças do Destacamento ninguém queria acreditar que iriam sozinhos, estrada fora, para cumprimentarem o visitante. (Daí para a frente ninguém passava sem se fazer acompanhar, pelo menos, de duas Companhias, de apoio aéreo ou dos obuses de Aldeia Formosa).

Rindo, aceleraram o jeep e desapareceram na picada.
Foram quilómetros em que o jeep voava sempre que a estrada o permitia, ou, em lentidão de desespero, contornava os enormes buracos de explosões anteriores das minas.
Passado mais de uma hora de percurso começaram a ouvir os motores das viaturas da coluna, já de regresso com o ilustre visitante.
Foi com espanto e alívio que os picadores descobriram o jeep, parado à sombra, e os dois "senhores" nele sentados. O Comandante da coluna decidiu então, visto o jeep ter passado há tão pouco tempo, colocar todo o pessoal nas viaturas e arrancar de imediato.

Invertendo o jeep, este estava agora à cabeça da coluna.

Quando se preparavam para arrancar, o Sr. Oficial visitante, que até então tinha seguido numa viatura pesada, das últimas da coluna por óbvias razões de segurança (recebendo continuamente as nuvens de poeira da picada), dirigiu-se-lhes dizendo: -"Estou farto de apanhar pó, e o banco do vosso jeep sempre é mais cómodo!”… e sentou-se de imediato ao lado do condutor.
 
E o jeep arrancou em boa velocidade (à cabeça da coluna!), em direcção a Aldeia Formosa.

Foi só quando já tinha de novo atingido os primeiros Destacamentos, umas boas dezenas de quilómetros depois, e perante os comentários apoplécticos do responsável operacional, “perante a inconsciência criminosa do condutor do jeep”, que o ilustre visitante aparentou ter tido consciência de que a "boleia" não tinha sido *planeada*, e de que tinha viajado num dos mais perigosos itinerários da Guiné de 68 na posição de "rebenta-minas", protegido unicamente por um machado Fula… de cerimónias.
Escusado será dizer que o Jeep, manobrando mais facilmente na picada esburacada, de imediato tinha deixado muito para trás as restantes viaturas com a escolta.
(A tal "valente porrada" disciplinar, por todos aguardada, foi unicamente evitada pelo simpático comentário do Sr. Brigadeiro, já na Messe de Oficiais de Aldeia Formosa, de que ELE tinha tido a feliz ideia de se sentar no Jeep, o que tinha tornado a viagem de regresso bem mais cómoda).
Felizmente que existem testemunhas oculares desta garotada criminosa entre alguns dos membros vivos(!) da Tabanca Grande, pois hoje… custa-me a acreditar…

Um abraço

José Belo


7 comentários:

Zé Teixeira disse...

Ó Belo, como anda a tua memória!
Tu e o Esteves não foram de jeep. Foram no Unimog mais pequeno conhecido como "salta pocinhas" que era a única viatura que tínhamos em Mampatá.
Parece que te estou, a ver (apesar de já terem passado quarenta e seis anos), em pé ao lado do Esteves (condutor) de xanatos, em calções, tronco nu e machado fula na mão a tramspores o cavalo de frisa a alta velocidadea caminho de Gandembel.
Passadas umas horas reapareces com uma nova personagem de camuflado virgem.Tu a conduzir e o Esteves na parte de traz com o machado.Mas agora trazias uma G3 a do brigadeiro.
Abraço
Zé Teixeira

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Parece um acena tirada da "Nave dos Loucos"....
Acredito que hoje tal situação possa causar incredulidade a quem a ler ou, melhor (ou pior) ainda, não venha a causar nada a quem não viveu esses tempos e essas situações pois não têm a capacidade intrínseca de avaliarem a perigosidade do que foi feito.

Um tempo em que a juventude, o sentir-se 'dono do mundo', a indesmentível desculpa do 'apanhado do clima' induziam a pensarem-se (e a fazerem-se) coisas como as descritas.

Abraço
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Meu AMIGO e Camarada de Pelotäo José Teixeira.
Tenho que concordar contigo quanto a falhas de memória relativas a detalhes das "grandiosas bacoradas" entäo cometidas (e foram muitas!).
No caso do Unimog que no Destacamento nos servia para tudo conscientemente o referi como Jeep para tornar a história mais compreensível para quem por lá näo andou e näo tem a mínima ideia do que era um "Unimog" e muito menos aquele pequeno modelo,ágil,mas extremamente robusto.
Mas,e ainda quanto a falhas de memória que felizmente(!) väo aumentando,tenho como exemplo a recordacäo de uma das minhas namoradas de infäncia no Estoril que dava pelo nome de "Daducha",mas que eu hoje (näo sabendo lá bem porquê?),só recordo como..."Mamucha".
Enfim,idades.
Aquele grande abraco do José Belo.

JD disse...

A estória é deliciosa, e merece as observações do Helder, principalmente por ter intervido um brigadeiro (se a memória do autor não confundir os paninhos sobre os ombros), porque se tivesse acontecido com a Mamucha, já ele não seria tão sério a comentar.
Abraços fraternos
JD

manuel maia disse...

CARO ZÉ BELO,


QUE TEMPO DE COMISSÃO TINHAS NA ALTURA ?

ERA SÓ PARA SABER SE CONSEGUISTE SER O MILITAR MAIS RÁPIDO A CACIMBAR NO TERRITÓRIO...

FOI DE "DOUDOS",FOI DE "DOUDOS".
FELIZMENTE QUE ACABOU TUDO EM BEM...

ABRAÇO.

manuel maia disse...

CARO ZÉ BELO,


QUE TEMPO DE COMISSÃO TINHAS NA ALTURA ?

ERA SÓ PARA SABER SE CONSEGUISTE SER O MILITAR MAIS RÁPIDO A CACIMBAR NO TERRITÓRIO...

FOI DE "DOUDOS",FOI DE "DOUDOS".
FELIZMENTE QUE ACABOU TUDO EM BEM...

ABRAÇO.

Anónimo disse...

Gente jovem é outra coisa!.. Ousada, valente e às vezes com um pouco de loucura à mistura, para não os apelidar de "os apanhados pelo clima, ou cacimbados", mas generosos e afoitos em demasia para em certas ocasiões, como a agora descrita. Gostei da história. Um abraço para o José Belo. Mª Arminda