Olá novamente! Ainda se lembram das duas histórias que já aqui contei há uns tempos atrás (*)?
Já se passaram dois meses desde que, num almoço do cozido em Monte Real, fiquei na posse do Vasco da Gama, o meu actual dono. Bom, esta minha permanência prolongada nas mãos do Vasco deve-se precisamente ao facto de, no regresso do almoço em Monte Real e tendo ficado separada das outras notas, o meu novo dono ter resolvido guardar-me no primeiro lugar que encontrou à mão de semear, que calhou ser uma caneca colocada sobre a sua secretária, bem próximo do computador. A caneca onde vivi a partir daí era nova, garrida e dentro dispunha de um espaço amplo onde me espraiava à vontade, na companhia de uma lapiseira e duas esferográficas.

Inicialmente não percebi bem o nome da caneca pois à chegada apenas divisei de relance a sigla S.L.B. na parte exterior. De conversas posteriores que tive com ela soube que se arvorava representante do Glorioso, um clube chamado Benfica e que a sua vinda para este local tinha sido resultante de uma oferta do tal Miguel que eu já referi anteriormente, lembram-se? - aquele da revista das fofocas que também é fotógrafo… Bom, parece que esse Miguel, conhecedor do fervor clubístico do Vasco, resolveu oferecer-lhe aquela caneca decorada com motivos alusivos ao clube do coração do meu dono – o tal Benfica. Coisa que até estranhei pois pelo que me contaram esse Miguel até é de outro clube…
As canecas, pelo que me foi explicado, servem para se ingerir bebidas – normalmente quentes – coisa que os humanos parecem apreciar bastante. Naquele caso particular não foi esse o destino dado à caneca (para sorte minha), antes sendo utilizada como um recipiente para as canetas… e para mim, por acréscimo…
O escritório do meu dono fica situado num local elevado, parecendo antes a torre de menagem de um castelo. Do local onde me encontro tenho uma vista privilegiada para o monitor do computador e para o exterior, conseguindo divisar lá ao fundo uma linha de água que já ouvi o meu dono dizer ser a bela praia de Buarcos (sentado ao computador, muitas vezes ele refere aos seus interlocutores esse seu carinho pelo sítio onde vive).
Já percebi também que as minhas companheiras na caneca já viveram tempos melhores, quando eram regularmente utilizadas pelo meu dono na correspondência com outras pessoas ou no registo das suas memórias. Agora esse trabalho tem passado quase exclusivamente para o computador, sendo as minhas companheiras usadas esporadicamente para assinar um qualquer documento saído da impressora ou rabiscar um lembrete qualquer. Talvez por isso, por ser um sítio pouco devassado, eu tenha passado despercebida ao longo deste tempo.
O meu dono reparou finalmente em mim. Talvez devido à minha cor e ao seu fervor clubístico resolveu fazer-me um miminho - Comprou-me um passarinho vermelho que passou a guardar-me no bico, com muito carinho. O pássaro chama-se senhor Eusébio, em homenagem a uma grande figura dos tempos do Benfica europeu, como ele diz. Aliás, pelo que guarda dentro, aquela secretária representa uma autêntica viagem no tempo, nomeadamente à época das grandes vitórias europeias do SLB. Bom, não ligo muito ao futebol embora seja obrigada a assistir a uns quantos jogos na TV, principalmente aqueles em que o seu clube entra.

E é claro que, pendurada no “Eusébio” e colocada em lugar de destaque, sou espectadora privilegiada desses jogos… e também das suas expressivas manifestações de alegria quando o seu clube marca um golo (mesmo quando é o Cardoso a marcar…), que até conseguem sacudir tudo o que está sobre a secretária. Para não falar nas explosões de fúria por vezes manifestadas em forma de potentes socos sobre o tampo da mesa ou no teclado do computador quando o adversário marca um golo. Com a violência do impacto cheguei a sair disparada juntamente com o meu suporte e não acabámos no chão porque o Vasco nos agarrou a tempo…
Nos jogos é também habitual uma asneirita de cinco em cinco minutos, quando os "nossos" falham, o que origina que por vezes lá aparece a senhora dele: " Os teus gritos ouvem-se na rua! Que linguagem de carroceiro"... Bom, acabei por me habituar… e suponho que a esposa também…
Também me fui apercebendo das transfigurações que o meu dono sofria de acordo com os interlocutores no computador. Umas vezes é o Vasco da Gama, outras (mais amistoso) é o Vasco, por vezes surge o Almirante Vermelho (mais ilustre), outras ainda (bem rezingão…) é o D’A, um personagem curioso com um ódio visceral por um tal Sr. Morais e pelo editor da revista “Karas”; mais recentemente proclamou-se dirigente duma coisa com um nome esquisito – FRELIBU ou coisa que o valha – parece que pretendem a libertação de um buraco qualquer…
Devo confessar que estas mudanças me perturbam um pouco e me fazem lembrar um filme que uns meses atrás tinha visto (melhor dizendo, ouvido). Era uma história do Dr. Jekyll, que em determinados momentos se transformava num tenebroso Mr. Hyde; às vezes parecia-me que as alterações de comportamento do meu dono tinham algo de semelhante. Afinal aquilo parece ser tudo pose – ou não fosse o meu dono um apaixonado pelo teatro, sendo mesmo produtor e encenador de teatro amador. Um sujeito multifacetado…
Enfim, todos estes episódios que refiro fizeram-me ganhar um certo apreço pelo meu dono – e penso que de certa forma ele se afeiçoou a mim. Mas tudo o que é bom pode terminar. Tive recentemente o primeiro sinal disso mesmo: Numa dessas manifestações de entusiasmo, mais uma vez saímos disparados da mesa. Ao bater no chão o “Eusébio” desconjuntou-se todo – a situação parece não ter cura e, ainda aborrecido com o sucedido, o Vasco resolveu recambiar-me novamente para dentro da caneca… e o passarinho foi para o caixote do lixo.
Hoje sinto que uma nova etapa da minha vida se vai iniciar. Provavelmente ainda transtornado com o incidente, o meu dono resolveu hoje retirar-me da caneca e guardar-me no bolso do casaco, junto com outras notas. Pela correspondência trocada ontem, percebi que hoje é novamente “o grande dia”, o dia do cozido da Tabanca do Centro, e sei que estamos a caminho de Monte Real. Sinto que corro o risco de logo à tarde dizer finalmente adeus ao Vasco e passar para as mãos de um desconhecido que me vai levar… sei lá para onde!
Adivinho que, a ocorrer, esta separação lhe vai custar - ou talvez não! Na idade dele é moda mudar, assim haja "nota". Resta-me a consolação de, até lá, poder deliciar-me de novo com o cheirinho apetitoso dos cozinhados da D. Preciosa e assistir a mais uma alegre confraternização do pessoal da Tabanca do Centro…
(*) Para ver as minhas histórias anteriores basta ir a estes links:
Parte 1 – http://tabancadocentro.blogspot.com/2011/11/aventuras-de-uma-nota-de-10-euros-1.html
Parte 2 - http://tabancadocentro.blogspot.com/2011/12/aventuras-de-uma-nota-de-10-euros-2.html
Comentário do editor:
Estas histórias da nota de 10€ já começam a chatear-me! A sujeita passa o tempo a circular entre o pessoal da Tabanca do Centro – e isso não é normal! Cheira-me que há aqui um arranjinho entre eles, isto de modo a permitir que a nota possa continuar a contar mais umas historietas – sempre com os tipos do costume…
Se na próxima história (se a houver!) a nota passar para outro Tabanqueiro do Centro ainda perco as estribeiras e ou rasgo a história ou queimo a nota! Vamos aguardar e ver o que é que isto vai dar.
O editor
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MP
Comentário de última hora:
Incluímos neste texto um comentário recebido há poucos minutos, da parte de um semi-anónimo. Por trazer uma foto e ser impossível metê-la nos comentários, foi decidido integrar a título excepcional este comentário (com a respectiva foto) no fim do texto:
"Anda para aí tudo aos saltos por causa de uma notita de dez, a penúltima do campeonato e prestes a descer de divisão, quando se deviam preocupar com coisas muito mais importantes, como EU!
Olhem-me para a minha categoria! Até vos ponho a ver a dobrar!""
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