É UMA INJUSTIÇA!...
Talvez se recordem de haver, há muitos anos atrás, uma série de desenhos animados com o Calimero, um patinho preto que usava uma casca de ovo à laia de chapéu, e que passava o tempo a lastimar-se de tudo o que lhe acontecia: “É uma injustiça! É uma injustiça!”.
Foi um pouco assim com uma decisão das
chefias que me fez sentir que não tinha sido tratado em plano de igualdade
com outros meus camaradas.
Mas vamos começar pelo princípio:
Iniciei a minha comissão na Guiné em Novembro de 1972 e, apenas quatro meses
depois de lá ter chegado, fui recambiado para Lisboa para recuperar das mazelas
sofridas na ejecção de um avião Fiat G-91 atingido por um míssil.
Naquele tempo a medicina aeronáutica
ainda estava um pouco incipiente e o Hospital da Força Aérea ainda não existia.
Assim, a minha recuperação passou pelo Serviço de Ortopedia do Hospital Militar
(do Exército), que tratou razoavelmente da recuperação da minha perna partida.
O mesmo não posso dizer de outros dois aspectos importantes que foram
descurados: A recuperação da minha coluna, que tinha sofrido uma compressão de
vértebras de 2 centímetros (perdi 2 cms de altura, que não recuperei…) e o
apoio psicológico para ultrapassar o stress da situação vivida, agravado pela
necessidade de me adaptar à ideia de voltar a operar no mesmo teatro de
operações.
O "corpo do delito" - O Fiat G-91 5413 abatido em 25 de Março de 1973 na zona do Guileje (Desenho do Paulo Moreno, créditos reservados) |
O facto é que esses dois aspectos
acabaram por ficar à minha conta no meu regresso á Guiné quatro meses depois –
e se no primeiro caso pouco pude fazer para além de ver a coluna a piorar com o
tempo, já a readaptação à actividade aérea foi ultrapassada com grande esforço
da minha parte, sem nenhum acompanhamento profissional e dependendo unicamente
de mim e da possível solidariedade dos outros camaradas.
No ano de 1973 acabei por não gozar férias,
para compensar o tempo perdido na minha recuperação; e em 1974 as únicas férias
que gozei na comissão acabaram por coincidir com o período revolucionário
pós-25 de Abril… Tinha chegado a Lisboa em 22 de Abril de 1974…
Calculam o meu espanto quando, no
regresso à Guiné, fui informado de que os meus três camaradas que se tinham
igualmente ejectado, tinham “passado” pela Guiné para fazerem o desquite e
encerrarem a sua comissão de serviço. Parece que a argumentação terá sido a
dificuldade de adaptação dos pilotos à actividade aérea depois dos traumas
psicológicos sofridos…
Naturalmente perguntei: “Então e
eu?!...”. - “Ah, pois. Parece que consideraram que tu podias continuar, que já
tinhas passado a parte difícil…” (Na altura eu já tinha feito cerca de mais 9
meses de comissão, fazendo das tripas coração e readaptando-me como possível às
rotinas do dia-a-dia).
A irritação acabou por me passar. A
actividade aérea passou a ser mais reduzida na fase final da minha comissão
(depois do 25 de Abril), não passei por situações de grande risco e, chegado o
termo da minha comissão, em meados de Agosto de 1974, pude regressar à
metrópole com a satisfação do dever cumprido… e sem dever nada a ninguém…
Mas ainda hoje penso quais foram os
critérios para um tratamento diferente entre pessoas que tinham passado pelo
mesmo, e sem me ter sido transmitida uma palavra sequer sobre o assunto…
Miguel Pessoa
4 comentários:
Caro amigo Miguel
Dizes que chegaste à Guiné em Novembro de 1072, exatamente quando me vim embora.
Certamente coincidências, mas podia especular e dizer que tive conhecimento da chegada de alguém que já se tinha notabilizado por maltratar uns automóveis e sei lá o que poderia acontecer com ele a pilotar aviões, se calhar ainda acabaria ejectado sabendo-se lá onde iria parar o aparelho, pelo que o mais prudente era "bazar". E assim foi.
Agora a sério.
Um dos problemas foi o acontecimento ter ocorrido nesses já longínquos anos 70 do século passado, quase a fazer 50 anos, pois se tivesse sido por estes anos mais próximos terias tido um forte "apoio psicológico" coisa que agora (felizmente) não falta, qualquer que seja a dimensão do acontecimento.
Quanto a ter sido à conta da tua persistência e capacidade de lidar com a adversidade, embora seja de todo lamentável, acho que hoje por hoje, a esta distância, só te podes orgulhar.
Já no que diz respeito ao "tratamento diferenciado" quanto aos tempos de "fim de comissão" diz muito do que se pode entender como funcionam os compadrios e a falta de justiça e equidade das decisões.
Força, Miguel!
Hélder Sousa
Voltei.
Voltei só para dizer que essa figura do "Calimero" ainda é muito popular.
Não tanto pela figura em si mesma mas pela cópia de comportamentos consubstanciados nas "choraminguices" que costumam acompanhar "opinadores de facebook" de prosélitos de certos emblemas desportivos e também de algumas regiões do País relativamente à Capital.
Feitios....
Hélder Sousa
Teriam os teus camaradas bafejados pela sorte alguma ligação aos "revolucionários" da Força Aérea?
É só uma pergunta inocente!
Grande abraço Miguel
Joaquim
Sinto-me a compartilhar com o Joaquim “inocências” várias!
Porque quando a política se mistura com a justiça,regulamentos,direitos,obrigações,(you name it!), nunca são os políticos,militares ou civis,que dão exemplos de probidade.
E teremos que admitir aplicar-se tanto aos pseudo-revolucionários como aos pseudo-conservadores e,tudo o resto que fica pelo meio.
Quando os ventos mudam tanto chegam a Bissau(nesta interessante história do Miguel) como à Escandinávia do Zé Belo.
O Novembro de 75 tinha estabelecido novas “relações” no interior das Forças Armadas mais apropriadas às realidades nacionais de então.
Colocado num curso de promoção,depois de a vida me ter ensinado a olhar em volta mais criteriosamente,verifiquei que não era por ali que pretendia seguir.
Requeri a passagem à Reserva e autorização para fixar residência na Suécia.
Fui surpreendido pela rapidez com que o requerimento foi deferido.
Algo como 48 horas!
Os que conhecem a Instituição Militar e algumas das inércias da mesma ficarão,como eu,surpresos.
Rapidez e humor….pois alguém responsável, intercalou a tinta vermelha no local do requerimento em que solicitava autorização para residir na Suécia , a palavra…..”definitivamente”!
Mais tarde,surge legislação nova quanto às carreiras dos militares afectados pelas situações políticas de Abril,Setembro,Março e Novembro.
Datas que acabaram por afectar um vasto número de militares de um extremo ao outro do espectro político.
Nesta nova “situação” ninguém se deu ao trabalho de me informar e,hoje serei talvez o único de entre todos estes militares que mantém o seu posto na Reserva como Capitão.
Os prazos estipulados pela legislação já há muito estavam encerrados quando fui notificado.
Obviamente que me faltaram responsáveis “compreensivos”.
Melancolicamente somos obrigados a concluir que os “ventos políticos” não são de modo algum “lineares”.
Pelo contrário,são sempre….circulares!
Um grande abraço do J.Belo
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