segunda-feira, 6 de setembro de 2021

P1309: LEMBRANDO UM HOMEM DIGNO

           CARLOS DE AZEREDO, UM HOMEM DIGNO,

                      NOBRE E CORAJOSO


por José Belo

A citação do General Douglas McArthur aquando do seu discurso de despedida ao Congresso Norte Americano em 1951 bem se poderia aplicar à morte do Sr. General Carlos de Azeredo: “Old Soldiers never die; they just fade away” (Os velhos soldados nunca morrem simplesmente desaparecem).

Tendo servido em Aldeia Formosa e Mampata sob as ordens do então Major Carlos de Azeredo, fiquei a ele ligado por forte e respeitosa amizade pessoal.

Tive a honra de dar uma pequeníssima colaboração aquando da preparação do seu livro “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”

Já há muito a viver na Suécia, fui contactado por um dos seus filhos que então o apoiava na recolha de “histórias” relacionadas com a sua presença no teatro de guerra da Guiné (contacto facilitado pelo meu Amigo e Camarada José Teixeira).

Entre outros, os detalhes relacionados com a ataque a partir de Aldeia Formosa a importante base inimiga situada na proximidade, mas bem já dentro da República da Guiné-Conakri.

Os ataques com canhões sem recuo, morteiros 120 e mesmo foguetões 1122, tanto a Aldeia Formosa como aos Destacamentos de Mampatá e Chamarra, assim como as inúmeras emboscadas às colunas de abastecimento Buba-Aldeia Formosa-Gandembel, eram efectuados por forças inimigas desta base.

Num período em que os mesmos se estavam a intensificar, o Major Azeredo ordenou ao Capitão de Artilharia Ricardo Rei, então responsável por uma bateria de obuses 14 sediada em Aldeia Formosa para elaborar um plano de fogos para um ataque a esta base.

O Capitão Rei, que era um operacional bastante agressivo, tinha evidente vontade de cumprir a ordem. Lembrou no entanto ao seu superior que tal ataque viria certamente a causar “turbulências” tanto a nível do Quartel General de Bissau, como no Comando-Chefe e, não menos, entre os políticos em Lisboa pelas previsíveis consequências internacionais.

A resposta do Major Azeredo foi simples: "Precisamente!"

Depois de preparação cuidadosa, as granadas foram durante a mesma noite “enfiadas” na base inimiga, com as inerentes consequências provocadas por uma bateria de obuses 14 quando sob comando competente .

Não muitas horas passadas, Spinola desembarca do seu helicóptero em Aldeia Formosa. Trazia uma expressão facial que nada de bom indicava. Realmente as “turbulências” previstas estavam a surgir.

Depois de vívida troca de opiniões com o Major Azeredo, o Comandante-Chefe aparentou acalmar-se. Talvez (!) o respeito pela coragem da frontalidade de Carlos de Azeredo, então não muito habitual entre alguns dos responsáveis militares.

De qualquer modo, ao regressar ao helicóptero disse em voz bem audível: "Continue!"

Talvez tivesse contribuído para a falta de consequências disciplinares, por muitos previstas, o facto de tanto Spinola como Carlos de Azeredo serem oficiais da Arma da Cavalaria e o Comandante-Chefe sempre que, em conversa, se referia a Carlos de Azeredo, o apodar de um “Puro Sangue”. Talvez (Spínola, nascido em 1910, era vinte anos mais velho que o Carlos de Azeredo).

Recomenda-se a leitura do livro “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império” não só pelos acontecimentos relacionados com a Guiné mas, e principalmente, com tudo o relatado por vários testemunhos de outros militares quanto ao procedimento honroso do então Capitão Carlos de Azeredo.


José Belo

 

5 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Belo e expressivo texto. Não sei se foi dessa vez, mas penso que não, que o Senegal se queixou no ONU quando uma situação dessas aconteceu talvez em 1969 ou 70 onde o ministro Franco Nogueira teve que ir à ONU explicar... mas dessa vez, porque terá havido uma fuga de transmissões, entre alguma companhia e alguma outra unidade menor, não houve resultados da operação apesar de terem sido deslocados vários obuses para que a retaliação fosse apertada. Mas em Bissau nas Transmissões tivémos a Pide à porta, mas também se foram embora quando detectaram onde tinha sido a fuga de transmissões.
Gostava de adquirir o livro "Trabalhos e Dias de um Soldado do Império". Se alguém me puder informar como e onde, agradeço.
Um abraço.
Carlos Pinheiro

joaquim disse...

Um militar sério, competente e íntegro!

Fazem falta hoje em dia militares assim, com coluna vertebral!

Obrigado meu amigo José Belo.

Abraços
Joaquim

JB disse...

Norteou-se sempre por duas afirmações:

-Sou um Monárquico convicto que sempre procurou servir Portugal acima de tudo.
-Sou apartidario,o que me não torna menos patriota.

Era nas entre linhas de um humor frio que sempre surgia o “Homem” seguro nos seus valores.

Em importante Plenário Militar,dos muitos surgidos depois de Abril de 74,o General Carlos de Azeredo estava presente na sua qualidade de Comando Chefe e Governador Militar da Madeira.
Nessa qualidade deveria ter uma intervenção esclarecedora das condições político-sociais locais.
Um grupo de militares nos seus vinte anos de idade,representantes de já não sei bem o quê,procuravam criar um ambiente “revolucionário” dentro dos moldes da época.
A intervenção de Carlos de Azeredo poderia acarretar reações imprevisíveis por parte dos mesmos que,em nada se identificavam com o que ele representava.
Aos que procuravam demovê-lo de usar da palavra em tal “bagunceira” respondeu:
-Gritam contra fascistas,patrões,latifundiários,reacionários,sociais-fascistas,
Eu não pertenço a nenhuma destas categorias.
Eu sou um….aristocrata!
Para mais,isto foi dito num calmo e banal tom de voz.

Um abraço do J.Belo

JB disse...

Adenda ao comentário anterior.

O humor seco e acutilaste de Carlos de Azeredo manifestava-se em situações inesperadas.
O facto de ser originário de família aristocrática foi por ele usado mais do que uma vez,sempre em situações “inapropriadas”,tanto nos meios militares como políticos, provocando verdadeiros “desequilíbrios” nos visados por lhes faltar resposta adequada à “provocação”.

J.Belo

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Tenho observado vários comentários e outras reflexões sobre o carácter, a maneira de ser, de Carlos Azeredo.
Como não privei com ele, não posso formar a minha opinião nessas circunstâncias mas, assim à distância, por aquilo que tem vindo ao meu conhecimento, o meu sentimento é o de secundar o que escreveu o Joaquim Mexia com a amplitude não só aos militares mas às pessoas, em geral.

A sua frontalidade deve ser tomada como exemplo.

Hélder Sousa